Sumário:
1. Introdução. 2. Escorço histórico sobre a frequência compulsória às escolas. 3.
O equívoco da instrução formal sistemática como único responsável por educar o
indivíduo. 4. O sistema educacional do Chile – destaque e retrocesso? 5. A
educação e o/no Brasil. 6. Conclusão.
1.
Introdução
Que as coisas não andam bem pelas bandas
de nosso planeta Terra, nós temos a exata noção. Muita impaciência, muita
intolerância, muito ódio, pouca compaixão, pouca compreensão, pouca
consideração, pouco respeito... E por aí vai.
Muitas vozes se levantam afirmando que os
problemas seriam resolvidos com investimentos na educação, e a minha sempre fez
coro a tais argumentos. Mas será que é isso mesmo? Será que o sistema
educacional foi feito para tornar melhores os atores de nossa sociedade? E
mais: será que ele se presta realmente a educar as pessoas? Teria a sua criação
e implantação essa finalidade?
Em 17/09/2014, postei na timeline de minha
conta do facebook o seguinte texto acompanhado do artigo “Contra a escola”, de Gatto [1]: “Somos todos
vacas de presépio... Artigo
de fôlego de um educador sobre a atitude deliberada de tornar as pessoas
administráveis através do sistema educacional. Ideia aplicada há 200 anos”.
Estava atônito, pois
achava que a doutrinação nas escolas era típica (e exclusiva) de países cujo
sistema político-econômico é o comuno/socialista; ou de futuros candidatos a
adotar esse sistema, como o Brasil, através da teoria silenciosa da hegemonia
cultural, de Antonio Gramsci.
E por falar no Brasil, o tema educação ganhou
fôlego nos últimos anos, com discussões de vários matizes, indo desde a
distribuição do “kit gay” nas escolas públicas à baixa qualidade do ensino, passando,
entre outras questões, pela violência nas escolas; a obrigatoriedade da
inscrição e frequência desde os quatro anos de idade [2] no sistema educacional público ou privado; a
inserção de disciplinas totalmente dispensáveis num programa de boa formação do
indivíduo; a qualidade do educador que não recebe incentivo; e a doutrinação
ideológica. Ademais, recentemente começaram a ser discutidos os programas Prouni
[3] e Pronatec [4], esse ainda mais
evidenciado nas últimas eleições, quando a então candidata Dilma Roussef, sem o
habitual teleprompter, recomendou-o a uma profissional desempregada, apesar de graduada
e experiente.
Por fim, há no país um movimento, ainda
insipiente, favorável ao “homeschooling” (ensino doméstico) [5], de pais que se entendem
mais capazes de qualificar seus filhos que as instituições responsáveis pela
instrução formal sistemática, universal e compulsória, tutelada pelo Estado.
De uma coisa podemos ter certeza: o
sistema educacional é precário, insatisfatório na franca maioria dos países,
especialmente no ensino público, pela quantidade de investimentos que requer para sua manutenção.
E no Brasil há ainda o péssimo costume dos pais que, consciente ou
inconscientemente, deixam para a escola o dever de educar seus filhos em todos
os aspectos da formação do indivíduo, e não apenas no campo formal; e isso não
é algo recomendável nem saudável.
2.
Escorço histórico sobre a frequência compulsória às escolas
Partindo da Grécia Antiga, onde o estudo de
início era obrigatório, é importante ressaltar a lição de ROTHBARD sobre os
sistemas adotados pelas cidades-estados de Atenas e Esparta [6]:
Em
Atenas, a prática original da educação obrigatória estatal deu lugar, mais
tarde, a um sistema voluntário. Em Esparta, por outro lado, um antigo modelo
para o moderno totalitarismo, o estado foi organizado como um vasto campo
militar, e as crianças eram apreendidas pelo estado e educadas nos quartéis com
o ideal de obediência a ele. Esparta realizou a completa conclusão lógica do
sistema obrigatório; controle estatal absoluto sobre a “totalidade da criança”;
uniformidade e educação em passiva obediência às ordens do estado.
A
mais importante consequência deste sistema foi a que ele forneceu o ideal para
Platão, que fez deste sistema educacional a base de seu estado ideal, conforme
apresentado no República e no Leis. A “Utopia” de Platão foi o
primeiro modelo para despotismos posteriores – educação obrigatória e
obediência eram enfatizadas, havia o “comunismo” das crianças entre os
“guardiões” de elite que também não tinham propriedade privada, e a mentira foi
considerada um instrumento apropriado para ser usado pelo estado na doutrinação
do povo.
De acordo com o autor, em Atenas instalou-se a
liberdade da educação após o período de obrigatoriedade, ao passo que em
Esparta, dada sua vocação em formar guerreiros, houve a fusão entre o
militarismo e a educação, essa difundida à custa de disciplina, obediência e
submissão. Mais: teria sido nesse ambiente que Platão criou seu “estado ideal”,
onde seria possível formar uma massa trabalhadora manipulável, uma “mão de
obra” apta a preencher os espaços e postos delineados pela classe dirigente, um
modelo pioneiro que posteriormente influenciou os
déspotas.
Já no período da Idade Média, foi da Igreja
Católica a maior preocupação com a difusão, a preservação e a busca da educação
e do saber, haja vista que os governantes não se preocupavam nem se obrigavam, desinteressados
que eram com as necessidades do povo.
Carlos Magno, da dinastia dos Carolíngios,
estabeleceu a criação das escolas catedráticas, que funcionavam anexas às
catedrais. Aliás, foi principalmente em seu império que o chamado Renascimento
Carolíngio promoveu uma reforma na educação e nas artes, espécie de retorno ao
período clássico. Embora encerrado prematuramente, nesse período houve a
criação das minúsculas e a padronização da escrita, talvez a maior contribuição
feita à alfabetização.
WOODS JR. aponta que
no período da Alta Idade Média na Europa (algo entre 1150 e 1350), a Igreja
Católica criou universidades que já apresentavam características das instituições
de nosso tempo; e lembrando Henri Daniel-Rops, historiador francês do século
XX, afirmou [7]: “Graças
à repetida intervenção do papado, a educação superior foi habilitada a expandir
suas fronteiras; a Igreja, na verdade, foi a matriz que produziu a
universidade, o ninho de onde ela tomou voo”.
Segundo ROTHBARD, o retorno à obrigatoriedade do
ensino patrocinado pelo Estado se deu na Reforma Protestante, sob os auspícios
de Martinho Lutero, que buscava arrebanhar adeptos para sua religião, para que
ajudassem a combater o “diabo”, esse representado por católicos, judeus,
infiéis e membros de outras seitas protestantes. Para tanto, seduziu os
príncipes para que fundassem instituições de ensino estatais, usando como
argumento a pregação de que era dever do cristão obedecer ao imperador, ainda
que estivesse sofrendo injustiças.
Com objetivo semelhante João Calvino também abriu em
Genebra uma série de escolas públicas de participação obrigatória. Encerrando
numa só pessoa um ditador e um professor de religião, defendia que nenhuma
liberdade ou direito deveria prevalecer, senão sua doutrina e sua supremacia; e
acreditava que o Estado que seguisse sua teologia teria aprovação divina e,
portanto, poderia, sob o jugo da espada, tomar qualquer medida sem ser passível
de receber objeções ou protestos. E assim impôs o ensino e a fé calvinista.
Contudo, foi a Prússia, o mais despótico Estado
europeu, quem primeiro estabeleceu um sistema nacional de educação compulsória.
O rei Frederico Guilherme I, inspirado em Lutero e sua doutrina de obediência
ao absolutismo estatal, determinou a frequência obrigatória das crianças às
escolas que fundou; e seu filho Frederico, o Grande, o maior exemplo de um
déspota esclarecido, continuou a obra do pai. Frederico Guilherme III, a seu
turno, fortaleceu ainda mais o absolutismo: aboliu escolas privadas semirreligiosas;
submeteu a educação ao Ministério do Interior; criou o exame de graduação,
necessário para o aluno sair da escola; tornou a educação estatal obrigatória
para a entrada de jovens nas profissões liberais; e o exame de graduação
necessário para o ingresso nas universidades ou em cargos públicos.
Então, os pais ou responsáveis deviam enviar seus
filhos às escolas dos 7 aos 14 anos. Não eram admitidas exceções, ressalvados os
casos de incapacidade física ou mental. Se porventura não os enviassem,
poderiam sofrer advertência, multa, restrições civis ou mesmo perder a guarda
de seus filhos ou pupilos para as autoridades locais.
Posteriormente, voltou a admitir escolas privadas, mas
determinou que fossem seguidos os padrões de instrução das públicas, solução
que garantia o controle geral pelo Estado. E, finalmente, foi de enorme
importância para esse sistema a imposição de uma língua única na educação, para
unificação da língua nacional [8].
ROTHBARD, analisando outros vários países, afirmou
que a Revolução Francesa introduziu na França a educação universal e o serviço
militar obrigatórios, mas apenas em 1806 Napoleão assegurou o monopólio do
ensino para o Estado. Só que a falta de recursos ao fim da era napoleônica
acabou influenciando para que a maior parte das crianças estudasse em escolas
particulares – sendo a ampla maioria dessas escolas católicas –, apesar de
todas serem reguladas pelo Estado.
Após várias mudanças no sistema, inclusive com a frequência
deixando de ser obrigatória, aconteceu um importante fato: a França foi
derrotada pela Prússia em 1871, e achando que a disciplina do ensino fora fator
determinante para sua derrota, curiosamente passou a adotar o modelo prussiano em
suas escolas. Além de o ensino voltar a ser obrigatório, criaram-se leis
anticatólicas e o Estado voltou a dominar as escolas privadas, que dependiam de
uma licença ministerial para seu funcionamento e não possuíam qualquer
estabilidade.
No Oriente, o governo chinês publicou uma lista de
obras que poderiam ser lidas, todas simpáticas ao despotismo; e no Japão, o
objetivo era treinar o indivíduo para a ação cooperativista, e não para ser
independente. Propalava-se o sacrifício do indivíduo em prol da comunidade, sem
dar chance à independência individual.
Na Inglaterra, até o final do século XIX não havia
educação obrigatória, e nem mesmo um sistema de educação pública – por isso a
tradição do voluntarismo era muito mais forte. A preocupação com o tema do
estudo universal ocorreu lentamente, e em 1870 a “Education Act” admitiu que os
municípios estabelecessem, a seu critério, a compulsoriedade. A frequência
obrigatória para todas as crianças foi estabelecida apenas com a Lei de 1880.
ROTHBARD lembra que para Albert Venn Dicey esse foi
um movimento em direção ao coletivismo, o que causou um choque com a tradição
individualista da Inglaterra, à medida que a educação compulsória estatal abafava
o pensamento independente. Ele também aponta que Stuart Mill apoiava a educação
obrigatória ao argumento de que em educação o consumidor não sabe o que é
melhor para si, e isso justificaria a intervenção estatal. O Estado, porém, não
deveria erigir escolas públicas. Finalmente, como contraponto, informa que
Herbert Spencer alegava que essa era a desculpa de toda a prática tirânica do
Estado. O teste de valor deve ser o julgamento de quem usa o produto, enquanto o
julgamento do Estado é orientado por seu próprio interesse despótico [9].
GATTO [10]
afirma que a obrigatoriedade do ensino nos EUA foi implantada entre 1905 e
1915, nos moldes do sistema prussiano, e seu objetivo era o mesmo que os dos
demais países:
A escolarização em massa de natureza compulsória
envolveu-se com os Estados Unidos da América entre 1905 e 1915, embora tenha
sido concebida muito antes, e reivindicada pela maior parte do século XX. As
razões para esta enorme agitação da vida familiar e das tradições culturais
foram, a grosso modo, três: 1. Criar boas pessoas; 2. Criar bons cidadãos; 3.
Fazer de cada pessoa a melhor versão de si mesma.
(...)
Inglis, que empresta seu nome a uma palestra sobre
educação em Harvard, deixa perfeitamente claro que a escolarização compulsória
no continente americano foi planejada para ser exatamente o que havia sido na
Prússia de 1820: a quinta coluna no movimento democrático burguês que ameaçava
dar aos camponeses e proletários uma voz na mesa de negociações. A
escolarização moderna, industrializada e compulsória pretendia um tipo de
incisão cirúrgica na unidade potencial dessas subclasses. Separe as crianças
por assunto, por faixa etária, por constantes avaliações nos testes e por
muitas outras maneiras mais sutis, e tornar-se-ia improvável que a massa
ignorante da humanidade, separada na infância, jamais se reintegrasse em um
todo perigoso.
Bezmenov,
ex-informante e desertor da KGB, palestrando sobre os quatro estágios utilizados
pela ex-URSS para promover a subversão de país, nação ou área geográfica “alvo”,
ensinou que nas escolas soviéticas, de ensino universalizado, alunos eram
submetidos a intensa carga de doutrinação, e que, uma vez selecionados, os mais
brilhantes eram direcionados a estudos específicos para posteriormente serem
infiltrados no “alvo” como pessoas simples exercendo os mais variados ramos e
atividades (estudantes em intercâmbio, atores, jornalistas etc.) para
influenciarem através de métodos como propaganda e contato direto, e atacar as
“áreas
onde a opinião pública é formada ou moldada: religião, sistema educacional, vida social, administração, sistema
fiscalizador legal (militar, é claro), relações de trabalho
(trabalhador-patrão) e economia”
[11].
Ao tratar do comunismo, do fascismo e
do nazismo, ROTHBARD afirmou que a doutrinação da juventude nas escolas foi um
dos principais pilares destes que ele considerou “Estados escravistas”. E ainda
os comparou com os déspotas [12]:
Na
verdade, a principal diferença entre os horrores do século XX e dos despotismos
antigos é que os presentes tiveram de contar mais diretamente com o apoio das
massas, e que, portanto, a alfabetização obrigatória e doutrinação foram
cruciais. O sistema compulsório estatal já desenvolvido foi o combustível para
a usina totalitária.
Então,
esses regimes totalitários, sempre acompanhados de maciças propagandas, utilizaram
o sistema de ensino prussiano para disseminar suas ideias, inclusive de
obediência e amor pelos governantes, garantindo, assim, que não sofreriam
investidas internas contra o poder.
Como se vê, a preocupação com
a universalização do ensino e da sua compulsoriedade, em culturas e países de
regimes o mais variados possíveis, não possuía motivo nobre, de educar a população,
mas doutrinar, transformando as crianças em massa de manobra administrável.
3. O equívoco da instrução formal
sistemática como único responsável por educar o indivíduo
O
fato de o Estado determinar as instâncias e os métodos supostamente mais
adequados para promover a educação do indivíduo – e não os próprios
interessados, como pais e filhos; e a exigência da presença da criança cada vez
mais cedo nas instituições de ensino, faz-nos pensar quão invasivas são as
decisões políticas sobre a nossa liberdade.
A
ideia de que as crianças pertencem ao
Estado, que teoricamente sabe mais que seus pais o que é melhor para elas, estabelece
um abismo nas relações da família com o Estado, e promove um desequilíbrio
injustificável – o controle estatal sobre as decisões individuais,
negligenciando a capacidade de pais e filhos estabelecerem o rumo de suas
próprias vidas na busca de ambientes educativos mais adequados a suas
realidades, para seu engrandecimento.
“Decidir que o governo e não a família é
o principal responsável pela supervisão da educação da criança pode, num
primeiro momento, parecer uma pequena concessão” [13], mas o convívio (no período
da formação educacional) entre pessoas de realidades e habilidades distintas,
com quociente de inteligência diferentes, aliado à frequência compulsória dá a
tônica de que não se trata de uma atitude benfazeja do Estado; e a ameaça de
prender pais ou responsáveis, internar as crianças ou retirar o poder familiar revela
as proporções dessas medidas.
E não se pode deixar de lembrar outro argumento
utilizado para chancelar a obrigatoriedade do estudo: a educação aplaca o crime.
Esse, porém, foi esvaziado por vários estudos que apontam resultado dissociado
desse fato, ocorrendo em algumas circunstâncias exatamente o contrário [14].
Crianças
e jovens são cobaias da disseminação de ideologias pela interferência em sua formação
como indivíduo. Segundo RYAN [15],
as “... instituições estão cada vez mais
impondo currículos politizados, padronizados, de tamanho único, que nem se
adaptam às virtudes individuais, nem corrigem as fraquezas individuais (...)
Rothbard previu a forma como as escolas seriam usadas para impor uma agenda
política, que por sua vez visa reforçar o apoio político às instituições
oficiais”.
Nos EUA, em 1785, Jeremy Belknap defendia educação igual e
obrigatória para todos, enfatizando que as crianças pertenciam ao estado e não
aos pais; e Benjamin Rush defendia a educação geral para estabelecer uma nação
uniforme, homogênea e igualitária [16].
Outros
trilharam esse mesmo caminho, e foi assim que já em 1820, os objetivos da
coerção e do estatismo estavam germinados pelo país, apesar da ainda forte tradição
individualista. Mas a coletivização da educação foi mais difundida quando
habitantes da Nova Inglaterra migraram, levando consigo o “zelo
pelo ensino público e pela coerção estatal”,
aproximando os EUA da teoria do “controle
total do estado comunista sobre as crianças”
de Platão, conforme planejaram Robert Dale Owen e Frances Wright, socialistas
que buscavam estabelecer um sistema de educação obrigatória e implantar a
igualdade “nas mentes, hábitos, costumes e sentimentos, de modo
que, eventualmente, fortunas e condições seriam equalizadas” [17].
Também defendiam que ao invés de erguer um complexo aparato
educacional, o Estado deveria organizar “instituições de recepção geral” – estabelecimentos
dedicados a educar os vários grupos etários – onde todas as crianças viveriam 24
horas por dia. Detalhe: já a partir dos 2 anos de idade a criança ficaria sob
os cuidados e orientações do Estado. Eis o pensamento de Owen e Wright [18]:
Nesses
berçários de uma nação livre, não seria permitido entrar nenhuma desigualdade.
Alimentados numa mesa comum; vestidos com roupas comuns (...) suscitados no
exercício de deveres comuns (...) no exercício das mesmas virtudes, no gozo dos
mesmos prazeres; no estudo da mesma natureza; na busca do mesmo objetivo...
GATTO
[19] segue no mesmo diapasão:
A literatura nacional tem declarações numerosas e surpreendentemente
consistentes acerca do verdadeiro propósito da escolarização obrigatória.
Temos, por exemplo, o grande H. L. Mencken, que escreveu em “The American
Mercury”, em abril de 1924, que o objetivo da educação pública não é
“encher
os mais jovens da espécie com conhecimentos e despertar-lhes a inteligência…
Nada poderia estar mais distante da verdade. O objetivo… é simplesmente reduzir
o maior número possível de indivíduos ao mesmo nível seguro, reproduzir e treinar
uma cidadania padronizada, e acabar com a dissidência e com a originalidade.
Este é o seu objetivo nos Estados Unidos… e este é seu objetivo em qualquer
outro lugar.”
A
negativa de convívio das crianças com os pais se justificava ao argumento de que
elas iriam adquirir características e preconceitos aristocráticos. Pensava-se em
transformar as muitas classes sociais dos EUA em apenas uma, e assim iniciar
uma luta de classes... Na América!
É
importante reforçar que também ocorreram fatos dessa natureza nos demais países
do globo terrestre, ainda que em épocas distintas, pois grande parte das
culturas conhecidas possui um sistema de ensino nos moldes até aqui
apresentados.
Bom.
Esse é outro elemento inserido no uso da educação obrigatória: a ideologização
em favor do absolutismo estatal, pois as escolas seriam o ambiente ideal para
moldar hábitos, mentes e sentimentos das crianças. E é nesse sentido a teoria da
hegemonia cultural, de Antonio Gramsci.
Com
se vê, não é de hoje que “educacionistas profissionais”, no afã de colocarem em
prática o plano de domesticação dos futuros adultos, ameaçam a liberdade dos
pais que não inscrevem nem enviam seus filhos para serem “educados” em escolas
públicas ou privadas que cumprem um conteúdo programático determinado pelo
Estado, reflexo da ideologia de seus governantes.
Porém,
é preciso considerar que, antes de se tornarem totalmente desenvolvidas, a
própria natureza submete as crianças a um processo de desenvolvimento de suas
faculdades mentais, já que possuem capacidade de raciocínio. É assim que
iniciam seu aprendizado, adquirem conhecimento, como ensina ROTHBARD [20]:
Toda
criança vem ao mundo em determinado ambiente. Este ambiente consiste de coisas
físicas, naturais e feitas pelo homem, e outros humanos com os quais se
relaciona de várias maneiras. É neste ambiente que ela exercita suas
capacidades em desenvolvimento. Sua razão forma julgamento sobre outras
pessoas, sobre seus relacionamentos com elas e com o mundo em geral; sua razão
revela seus próprios desejos e suas aptidões físicas.
Desta
forma, a criança em fase de crescimento, atuando em seu ambiente, cria fins e
descobre meios para alcançá-los. Seus fins são baseados em sua própria
personalidade, os princípios morais que concluiu serem os melhores, e seu gosto
estético; seu conhecimento dos meios é baseado no que aprendeu ser mais
apropriado. Esta “teoria” na qual
acredita foi adquirida com sua capacidade de raciocínio, quer a partir de
experiências diretas ou de outros, ou através de dedução lógica realizada por
si mesma ou por outros. Quando finalmente atinge a idade adulta, ela
desenvolveu suas faculdades o quanto pode, e adquiriu um conjunto de valores,
princípios e conhecimento científico.
Todo este processo do crescimento, de
desenvolver todas as facetas da personalidade do homem, é sua educação. É óbvio
que uma pessoa adquire sua educação em todas as atividades de sua infância;
todas as horas em que está acordada são gastas no aprendizado de uma forma ou
de outra.
(grifei)
Tamanha
voracidade de criar instrumentos para alcançar seus objetivos não permite aos
educacionistas sequer discutirem a possibilidade de permitir que as crianças
busquem outros mecanismos pelos quais possam vir a amoldar sua educação, como ter
experiências pessoais e conviver com outras crianças fora do ambiente voltado
para a educação [21]:
É
claramente absurdo limitar o termo “educação” para um tipo de escolaridade
formal. A criança está aprendendo a todo instante. Aprende e forma ideias sobre
outras pessoas, seus desejos, e ações para alcançá-los; sobre o mundo e as leis
naturais que o governam; e sobre seus próprios fins, e como alcançá-los.
Formula ideias sobre a natureza do homem, e quais fins (seus e dos outros)
devem estar em acordo com esta natureza. Este é um processo contínuo, e é óbvio
que o ensino formal constitui apenas um item neste processo.
Em um
sentido fundamental, para dizer a verdade, todos são “autodidatas”.
O
ambiente físico ou social não pode ser “determinante” para estabelecer
precisamente em quem se tornará o indivíduo quando adulto. É da natureza humana
que ele conclua seu projeto pessoal de educação, forje seu caráter a partir de
experiências próprias, vocações, pensamentos, o modo de encarar o que está a sua
volta... Influências externas podem contribuir, mas ninguém pode determinar
ideias, valores e comportamento que ele venha a adotar ou manter durante sua
vida. O comportamento respeitoso, a religiosidade, o gosto por determinado
segmento da arte, tipo de culinária ou de bens de consumos, p.ex., não devem ser
direcionados. Cabe ao indivíduo exercitar e desenvolver seus gostos. Dizem: “o
que seria do amarelo se todos gostassem do azul?”.
Logicamente,
a instrução formal é necessária na formação do indivíduo, que precisa de organização,
de metodologia para acelerar e melhorar seu aprendizado. Mas essa é apenas uma
das várias nuanças que irão amoldar sua formação geral [22]:
... há uma área da educação onde
espontaneidade direta e poucos preceitos não serão suficientes.
Esta é a área do estudo formal,
especificamente a área do conhecimento intelectual. Este conhecimento que está fora
do espaço direto da sua vida cotidiana, envolve um exercício muito maior das
capacidades de raciocínio. Este conhecimento deve ser transmitido pelo uso da
observação e do raciocínio dedutivo, e tal corpo de raciocínio leva um bom
tempo para ser aprendido. Além disto, ele deve ser aprendido sistematicamente,
uma vez que o raciocínio progride em etapas lógicas ordenadas, organizando
observações em um corpo de conhecimento sistemático. A criança, não tendo
desenvolvido as capacidades de raciocínio e de observação, nunca irá aprender estes
assuntos por si mesma, como consegue com outras coisas. Ela não pode observar e
deduzir estes assuntos com sua própria capacidade mental. Ela pode aprender
através da explanação oral de um instrutor, ou de testemunhos escritos em
livros, ou pela combinação de ambos.
GATTO,
questionando a escolarização atual, e dentro de uma escola, lembra o sucesso do
“homeschooling” antes da sua legalização e obrigatoriedade [23]:
Não nos
escondamos atrás da leitura, escrita e matemática como motivos, pois dois
milhões de homeschoolers felizes certamente
descartaram essa justificativa banal. Mesmo que não o tivessem feito, um número
considerável de norte-americanos famosos nunca passou pelos sufocantes doze
anos pelos quais nossas crianças atualmente têm de passar, e eles saíram-se
bem. George Washington, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln?
Alguém os ensinou, com certeza, mas eles não foram produtos de um sistema
escolar e nenhum deles jamais “graduou-se” em uma escola secundária. Durante a
maior parte da história americana, as crianças geralmente não passaram pelo
ensino médio, mas os desescolarizados se tornaram almirantes como Farragut;
inventores como Edison; capitães da indústria, como Carnegie e Rockefeller;
escritores, como Melville, Twain e Conrad; e mesmo acadêmicos, como Margaret
Mead. Na verdade, até bastante recentemente, pessoas que atingiam a idade dos
treze anos não eram de maneira alguma vistas como crianças. Ariel Durant,
co-autora de uma enorme série de livros muito boa sobre história mundial junto
com o seu marido Will, casou-se aos quinze anos; e quem poderia declarar que
Ariel Durant era uma pessoa ignorante? Sem escolaridade, talvez; mas, não
ignorante.
Ele
ainda destaca que “o que
choca é que nós adotamos tão avidamente um dos piores aspectos da cultura
prussiana: um sistema educacional elaborado deliberadamente para produzir
intelectos medíocres, para tolher a vida interior, para negar aos alunos
apreciáveis habilidades de liderança, e para assegurar a formação de cidadãos
dóceis e incompletos – tudo com o intuito de formar uma população
‘administrável’”.
E
em seguida, revela o verdadeiro propósito da escolarização compulsória [24]:
1. Função
de ajustamento ou adaptação. As
escolas devem estabelecer hábitos fixos em reação à autoridade. Isto,
obviamente, bloqueia o julgamento crítico por completo. Além disso, praticamente
destrói a ideia de que coisas úteis ou interessantes devam ser ensinadas (...)
2. Função
de integração [ou de conformação]. (...)
sua intenção é tornar as crianças tão parecidas quanto possível. Pessoas
conformadas são previsíveis, e isso é muito útil para aqueles que desejem
explorar e manipular uma grande massa trabalhadora.
3. Função
de diagnóstico e direção. A
escola destina-se a determinar o papel social de cada estudante. (...).
4. Função
de diferenciação. Uma vez
que seus papéis sociais tenham sido “diagnosticados”, as crianças devem ser
ordenadas de acordo com tais papéis, e treinadas somente até onde seu destino
dentro da máquina social merecer – e nenhum passo a mais (...).
5.
Função seletiva. Isso
não se refere de maneira alguma à escolha humana, mas à teoria de seleção
natural de Darwin sendo aplicada ao que ele chamava de “as raças favorecidas”.
Resumindo, a ideia é ajudar, tentando, conscientemente, melhorar o estoque de
procriação. As escolas são feitas para rotular os que “não se encaixam” – com
notas baixas, aplicação de correções, e outras punições – tão claramente que
seus colegas os aceitam como inferiores e efetivamente os afastam dos sorteios
reprodutivos. É isso que todas aquelas humilhações que seguem-se desde o
primeiro ano têm o intuito de fazer: livrar-se da sujeira.
6.
Função propedêutica. (...)
uma pequena fração das crianças será silenciosamente ensinada a como
administrar este projeto contínuo, como observar atentamente e controlar uma
população deliberadamente emburrecida e sem ter como reagir, para que o governo
possa seguir sem ser desafiado, e as corporações jamais venham a ter
necessidade de trabalho obediente.
Logicamente, há diferenças de padrão se considerado
de um lado um país capitalista, que respeita o individualismo, e do outro um
país socialista, que respeita o coletivismo. Porém, permanece a finalidade
precípua, como no “admirável mundo novo” de Huxley: a infantilização do adulto,
transformado desde cedo num ser manipulável, incapaz de confrontar o “sistema” encarnado
num poder central, constituído para ser absoluto e perene. Lá, talvez como aqui, a imaturidade tenha sido o caminho para formar adultos
“conforme as especificações”, as “necessidades do mercado”.
A reboque, tudo foi e vem sendo facilitado,
relativizado: as notícias, o entretenimento, o crédito, a solidez das relações
humanas (veja a facilitação do divórcio), as
discussões de temas profundos, a linguagem escrita e falada... Tudo é preparado
para que o indivíduo mediano não perca mais que poucos minutos de raciocínio nem
formule um pensamento crítico que “dê trabalho”.
Só
que esse não é um projeto único dos “educacionistas profissionais” ou de
governantes de ideais absolutistas. Ao perceberem as vantagens desse sistema
alienante, criador de gente inofensiva e de mão de obra servil, “tubarões da indústria” passaram a
investir nesse projeto para manter os negócios e a lucratividade. E foi nesse sentido que GATTO arrematou [25]:
Não precisamos das concepções de Karl Marx sobre
uma grande guerra entre as classes para ver que é de interesse da complexa
gestão, econômica ou política, emburrecer as pessoas para desmoralizá-las,
dividi-las, separando-as umas das outras, e descartá-las caso não se conformem.
A classe pode enquadrar a proposição, como quando Woodrow Wilson, o presidente
da Universidade de Princeton, disse (...) em 1909: “Nós queremos que uma classe
de pessoas tenha educação liberal, e queremos que uma outra classe de pessoas,
uma classe muito maior, de necessidade, em cada sociedade, renuncie aos
privilégios da educação liberal e dedique-se a executar tarefas manuais
específicas e difíceis.” Mas, os motivos por trás das repugnantes decisões que
provocam estes fins não precisam, de forma alguma, ser baseados em classes.
Eles podem resultar puramente do medo, ou da crença hoje já conhecida, de que
“eficiência” é a virtude fundamental, ao invés de ser o amor, a liberdade, o
riso ou a esperança. Acima de tudo, podem surgir da pura ganância.
Havia muita fortuna a ser feita, afinal, com uma
economia baseada em produção de massa, e organizada para favorecer a grande
corporação, mais do que aos pequenos negócios ou fazendas familiares. Mas,
produção em massa demandava consumo em massa; e, na virada do século XX, a
maioria dos americanos considerava pouco natural e pouco sábio comprar coisas
das quais não se precisasse de verdade. A escolaridade obrigatória foi uma
benção, neste sentido. As escolas não tinham que treinar as crianças num
sentido direto para pensarem que deveriam consumir sem parar, pois ela fazia
algo ainda melhor: ela encorajava-os a nem sequer pensar. E isso tornou-os
alvos fáceis para ainda outra grande invenção da era moderna – o marketing.
Você não precisa ter estudado marketing para saber
que há dois grupos de pessoas que sempre podem ser convencidos a consumir mais
do que precisam: viciados e crianças. A escola fez um excelente trabalho ao
transformar nossas crianças em viciados, mas fez um trabalho espetacular ao
transformá-las em crianças. Mais uma vez, isso não foi um acidente. Teóricos
desde Platão e Rousseau até o nosso Dr. Inglis sabiam que se as crianças
pudessem ser enclausuradas com outras crianças, livres da responsabilidade e
independência, motivadas a
desenvolver somente as emoções triviais como a ganância, a inveja, o
ciúme e o medo, elas cresceriam sim, mas sem verdadeiramente amadurecer.
(...)
Cubberley – que era reitor da Escola de Educação de
Stanford (...) – escreveu o seguinte, na edição de 1922 do seu livro
“Administração da Escola Pública”: “Nossas escolas são… fábricas nas quais os
produtos brutos (as crianças) devem ser moldados e formados… E é de responsabilidade
da escola construir alunos de acordo
com as especificações determinadas”. (grifei)
Com
efeito, Karl Marx viveu entre 1818 e 1883, enquanto já na década de 1820 esse
discurso comunitário tomava conta dos EUA – ao mesmo tempo em que se
sedimentava –, através da doutrinação de Owen e Wright, e de “reformadores”
propagandistas da publicização do ensino [26]:
Owen
leva toda a ideia de uma escolaridade estatal obrigatória até a sua conclusão
lógica, não apenas pela promoção do absolutismo estatal e igualdade absoluta –
pelo qual o sistema é admiravelmente adequado – mas também porque Owen reconheceu que ele tinha de educar
a “criança toda”, de forma a moldar suficientemente a futura geração.
(...)
Owen
começou expondo seu projeto no final da década de 1820 e continuou até a década
de 1840, quando ele escreveu e elaborou o plano com a senhora Wright. Ele teve
uma influência considerável em grupos de trabalhadores. Exerceu uma grande influência
sobre o influente relatório de um comitê de trabalhadores da Filadélfia em
1829, sobre a educação na Pensilvânia. O relatório pediu igualdade, igual
educação e treinamento apropriado para todos. E relatórios similares a este
“tiveram uma influência considerável na preparação do caminho para a legislação
progressista do meio dos anos trinta”.
(...)
4.
A ideia que a escola deve não apenas ensinar disciplinas, mas deve educar “toda
a criança” em todas as fases da vida, é obviamente uma tentativa de arrogar
para o estado todas as funções do lar. É uma tentativa de realizar a modelagem
da criança sem realmente confiscá-la, como nos planos de Platão ou Owen. (grifei)
Hoje
chegamos a um estágio mais avançado, em que “tudo está tudo dominado”. Já somos
administráveis, e não precisamos mais passar pelo mesmo “processo de
conscientização” que nossos antepassados porque o projeto inicial, prussiano, seguirá
impulsionado por quem nem percebe isso ou pelos “escolhidos”, como apontou John
Taylor Gatto.
Contudo,
é necessário atentar para aquilo que parece um “acidente de percurso” – será?
A
violência crescente na sociedade, instigada por outras razões, é um fator
estranho que passou a influenciar esse processo de “educação
total”,
e fez com que educadores reclamem que cabe aos pais e responsáveis, em casa, ensinar
às crianças e jovens sobre comportamento, e não à escola, lugar de se aplicar a
educação formal sistemática, com o desfile das técnicas e disciplinas
previamente estabelecidas pelo Estado, através da lei e coercitivamente.
Pode-se
deduzir que isso é fruto da interferência (alienígena) no processo de formação
do indivíduo, aviltado em seu potencial de tecer relações humanas e de buscar o
crescimento pessoal através da interação e da experimentação proporcionadas pela
simples convivência em seu ambiente privado. O confinamento planejado, enfim,
parece apresentar impurezas a serem expurgadas.
4. O sistema educacional do Chile – destaque
e retrocesso?
Se for para termos leis que obriguem às crianças
e aos jovens a frequentarem um sistema educacional universal, mesmo que
abjetamente alienador, então que essa educação seja de qualidade, e não
formadora em massa de seres que “não se encaixam”, da última categoria de mão
de obra.
Reportagem de 2005 da Revista Nova Escola [27] esclareceu que há 40 anos, com a derrubada de Salvador Allende, começaram a ser
efetuadas mudanças no sistema educacional chileno para favorecer a totalidade de
crianças e jovens entre 6 e 17 anos; e já a partir de 1994, no governo do presidente
Eduardo Frei, iniciou-se verdadeira revolução no setor, com aumento do investimento
no estudo subvencionado na rede particular, na tentativa de melhorar a
qualidade do ensino público. O sociólogo Cristián
Cox, então
responsável pelo planejamento e execução do Programa de Melhoria da Qualidade e
Equidade da Educação (Mece), foi quem deu continuidade a esse projeto.
Na comparação
com a realidade brasileira, com 10.803 escolas e 147 mil professores, o Chile possuía
cerca de 2,34 milhões de estudantes no ensino básico e 896,5 mil no ensino médio,
o que equivalia ao número de alunos matriculados no ensino fundamental nas
redes pública e privada do estado da Bahia, que contava com o dobro de escolas,
mas 10 mil professores a menos.
A manutenção da política educacional,
segundo o sociólogo, deveu-se à sucessão de governos de centro-esquerda que
mantinham bom relacionamento com a oposição; e apesar das constantes renovações,
houve a preocupação com a manutenção do quadro técnico e da base já construída.
As renovações originaram da percepção de que foram
estabelecidos objetivos muito ambiciosos e genéricos. A necessária reforma curricular
do ensino básico, apesar das críticas sobre o “dirigismo” do material produzido
(o que não é de espantar se observada a história da educação obrigatória e
universal), promoveu avanços, como a antecipação em duas séries do ensino de inglês
e a substituição de disciplinas relacionadas a trabalhos manuais pela educação tecnológica. Foram fixados “objetivos transversais de natureza moral
e intelectual” para forçar a compreensão da complexidade e das
tensões havidas entre direitos e deveres, “colaboração
e concorrência, globalização e identidade cultural, fé e ceticismo”, e assim despertar a capacidade de abstrair, pensar em sistemas, resolver
problemas, trabalhar em equipe e lidar com incertezas. A meu ver, trata-se de
critério muito louvável quando afastado de ideologias.
Ele ainda afirmou que, em 2005, cerca de 40% dos
alunos do ensino básico e médio estudavam em escolas particulares com subvenção
do Estado, que por sua vez não estabelecia distinções entre instituições
privadas e escolas e liceus (escolas técnicas) dos municípios, entes administrativos
responsáveis por todas as escolas públicas no país. Mais: as instituições
privadas adotavam os programas curriculares do Estado, embora gozassem de liberdade
para criar seus próprios programas. Enfim, nesse
sistema de coparticipação, os pais pagavam um valor simbólico para garantir aos
filhos o acesso a uma educação de qualidade.
Como forma de evitar o desânimo dos professores,
uma preocupação de GATTO [28],
os chilenos instituíram testes de desempenho dos educadores, que com o tempo se
tornaram obrigatórios. Resultados de nível insatisfatório submetiam o educador a
um plano de aprimoramento profissional. Persistindo o resultado anterior, ele era
afastado da disciplina, mas não dispensado – o que só ocorria se porventura ele
obtivesse novo resultado ruim. Os educadores considerados competentes recebiam
um bônus variável entre 15% e 25% da remuneração básica.
Outro ponto foi a chamada “discriminação positiva”,
atenção especial voltada para as escolas com os piores resultados que
estabelecia o fornecimento de material didático, a montagem de uma biblioteca,
a realização de workshops em horários alternativos etc. Segundo Cristián Cox, “as escolas atendidas por esse projeto
aumentam as pontuações no sistema de avaliação numa proporção superior à obtida
pelas demais” [29].
E para confirmar a influencia do modelo educacional
disseminado por todo o globo terrestre, havia uma (longeva) parceria mantida com
grupos empresariais de diversos segmentos, como mineração, indústria,
agricultura e construção, que administram liceus financiados pelo Estado,
criando mão de obra para atender aos setores envolvidos.
Recentemente, no El País Brasil, o diretor do
Programa de Educação no Inter-American Dialogue e a chefa da Divisão
de Educação do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento afirmaram que, embora passível de várias críticas e tenha muito a
melhorar, o sistema educacional chileno é louvável e conseguiu influenciar e
beneficiar parcela substancial da população [30]:
O sistema educativo chileno obteve
conquistas muito importantes, muito maiores que as do resto de nosso
continente. Por exemplo, hoje a maioria das crianças chilenas pode ter certeza
de que vai concluir pelo menos 12 anos de educação, muito mais do que a média
do restante da região. Na prova PISA 2012 da OCDE, os estudantes chilenos se
destacaram entre os demais latino-americanos, conseguindo pontuações mais altas
do que as de seus colegas dos outros sete países que participaram. Além disso,
os resultados do Chile na PISA vêm melhorando desde 2000, principalmente até
2009.
Ao que parece, o povo chileno era agraciado com um
programa com mais acertos que erros, apto a capacitá-lo a ponto de o país ser o
melhor colocado da América Latina na prova Pisa. Mas um relatório da Unesco
(Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) apontou que “o sistema educacional chileno fomenta a
desigualdade e a exclusão social”,
confirmando as reivindicações do movimento estudantil daquele país. Constatou-se
que o altíssimo investimento público em instituições escolares privadas e o
complexo mecanismo criado não produzem resultados satisfatórios porque o
sistema educacional parece “existir para atender, preferencialmente,
à liberdade de ensino, e não à garantia do direito à educação por parte dos
estudantes” [31].
Como se vê, parece incomodar a “liberdade de ensino”, que de certa forma retira do Estado a utilização do
“processo educacional” como instrumento formador de pessoas administráveis, embora
ceticamente eu acredite que esse mecanismo já funcione sozinho, sem precisar de
alguém que o impulsione. Mas, num modelo totalitarista, não é aconselhável
“abrir a guarda”, certo?
Considerando que é comum pessoas alinhadas
mais à esquerda atacarem quem é de centro-esquerda como “de direita”, fascista
etc., deve-se observar “cum grano salis” a pauta reivindicativa dos estudantes,
da mesma forma que os relatórios da Unesco e da ONU e seus demais órgãos.
Para
maiores esclarecimentos, em 2006, estudantes do ensino médio e secundário
tomaram as ruas contra o sistema educacional do Chile, forjado no período de
governo de Pinochet; e mais recentemente, em 2011, novos protestos tomaram
conta do país, agora levados a efeito por estudantes do ensino superior, que também
se rebelaram contra a cobrança de matrículas em universidades públicas e contra
o modelo de financiamento do ensino que promove o endividamento [32]:
(...) o governo do conservador
Sebastián Piñera apresentou medidas de reforma para o sistema educacional,
consideradas insuficientes pelos estudantes. Basicamente, a proposta do palácio
La Moneda não contempla os três pontos-chave pelos quais a sociedade chilena
tem se mobilizado: uma garantia constitucional de qualidade e gratuidade do
ensino público, a proibição do lucro nas instituições que recebem aportes do
estado e a desmunicipalização da gestão educacional. Os estudantes sabem por
experiência recente que aceitar um acordo de reforma pontual, sem combater as estruturas
desiguais do modelo chileno, apenas adiará a discussão. Em 2006, os alunos
secundaristas saíram às ruas exigindo melhorias no sistema e a anulação de um
modelo educacional arquitetado durante a ditadura de Augusto Pinochet, no que
ficou conhecido como movimento dos pinguins – em alusão ao uniforme dos
estudantes da escola básica.
Ora,
provavelmente os alunos do ensino secundário que foram às ruas em 2006
retornaram em 2011, repetindo as reivindicações contra o sistema
descentralizado e municipalizado, que admite a cobrança de mensalidades das
escolas privadas, subvencionadas pelo Estado, enquanto as escolas públicas não
podem cobrar; e em defesa da educação pública em detrimento do lucro.
O Educador
Juan García-Huidobro, em entrevista à CartaCapital em 2011 [33], afirmou que as provas de seleção para ingresso no
ensino básico estimulavam a desigualdade, e embora não fossem permitidas, eram
toleradas. Assim, escolas privadas deixavam os “piores” alunos para o ensino
público. A partir de 2009 a prática foi proibida, conquanto ainda permaneça “uma
forma mais brutal de seleção, que é a financeira, pois quem pode pagar continua
frequentando o ensino privado subvencionado”. Em relação ao ensino superior e ao
sistema de crédito, informou que parte dos alunos estuda gratuitamente, sendo
cobrada, após 2 anos da formatura, uma parcela não superior a 5% do seu
salário; e em caso de desemprego que impeça o pagamento da totalidade do financiamento,
há o perdão. A outra parte dos alunos recebe um aval do Estado e a subvenção de
mais de 30% do débito, mas deve ao banco privado, que não perdoa a dívida nem respeita
o teto de 5% do salário. Ele ainda complementou [34]:
A distribuição da educação para a
população ocorre não em função de um conceito democrático, mas sim em função da
capacidade de pagamento da família. Isso gera diferentes redes sociais, em que
as crianças provenientes de famílias mais pobres, que na maioria das vezes têm
menos hábito de leitura, por exemplo, ficam confinadas em uma determinada
escola. Já os filhos de famílias mais abastadas vão estudar todos juntos. Isso
gera uma desigualdade de preparo muito grande quando se chega à universidade.
(...)
É verdade que isso possibilitou
um aumento expressivo no acesso ao ensino superior. Mas os estudantes que
começaram um curso em 2007 percebem que pagar essa dívida é algo complicado. O
governo chegou a propor baixar os juros desse crédito para 4%, assumindo os
custos da diferença, e formar uma comissão de estudos para elaborar um projeto
de apenas um crédito, que deixe pelo menos os 40% dos estudantes mais pobres
numa situação de bolsa de estudo e não de crédito.
Sobre a gratuidade da universidade
pública, García-Huidobro advertiu que, “do ponto de vista social, o
investimento educacional é regressivo porque ao final favorece aos mais
abastados” e que é contrário à gratuidade para todos, razão pela qual defende
que os mais ricos devolvam algo ao Estado: “O que temos que
fazer é considerar todos os meios possíveis para fazer da educação superior um
canal de mobilidade social. Não cobrar nada, mas permitir que somente os ricos
cheguem à faculdade é igualmente perverso. Temos que assegurar o ingresso a
todos fazendo com que os mais ricos devolvam um pouco de dinheiro e os mais
pobres não devolvam nada”.
Quanto à municipalização do ensino, após
expor os sistemas do Peru e do Chile, que para ele não funcionam, e comentar a
“desgraça das políticas
neoliberais na educação”, criticou
[35]:
A municipalização foi algo
decretado de um dia para o outro, em 1980, durante a ditadura. Queriam acabar
com o centralismo, até então todas as políticas educacionais dependiam do
Ministério da Educação em Santiago. O problema é que junto a isso quiseram
criar um mercado da educação, e, portanto, deram às escolas privadas os mesmos
benefícios das escolas públicas, com a falsa ideia de que a competição entre o
público e o privado geraria uma melhora educacional.
Há outras críticas. Em um país
com realidades tão díspares como o Chile, uma educação sob a tutela do
município faz com que o estado perca sua capacidade de assegurar a todos os
cidadãos uma educação de qualidade, independentemente de onde vivam. A educação
começa a mimetizar-se à pobreza e à incultura do local onde está localizada.
Nos municípios ricos, há o aporte do estado e o próprio município tem condições
de colocar mais dinheiro. Nos locais mais pobres, os prefeitos têm de fazer
cortes em outras áreas se querem equipar suas escolas com vídeos e projetores,
por exemplo. Então, gera-se uma desigualdade, que vai crescendo. A desmunicipalização
era uma luta em 2006 e continua muito forte agora.
Por fim, ele afirmou que a reticência
quanto à desmunicipalização do ensino não decorre do custo financeiro – é um
problema ideológico [36]:
(...) um conceito da direita que
crê necessário ter um estado pequeno, que faça o menos possível. Tudo o que
esteja relacionado a entregar o controle ao estado é mal visto. Mas, se
pegarmos uma calculadora, não ter a educação administrada por 350 órgãos
distintos e sim tê-la administrada por 50, que é o número aproximado de
províncias, já geraria uma economia brutal. Ressalto que assim continuaria a
ser um sistema descentralizado. É preciso lembrar, é claro, que não estamos
falando do Brasil, e sim de um país com 16 milhões de habitantes.
A preocupação em criticar a ideologia
de direita, mesmo admitindo que houve um crescimento na qualidade e do acesso
ao ensino superior, e os reveladores argumentos ideológicos de esquerda do
entrevistado dão a tônica de que, caindo um lugar comum, no lugar de tentar melhora
ou acertar um modelo que pode ter se defasado com o tempo, mas funcionou, a
questão é promover mudanças para apor a assinatura ao final e dizer: “fui eu
que fiz”.
E assim a atual presidente chilena,
Michelle Bachelet, auxiliada pelos partidos que formam a sua base de apoio,
aprovou projeto que proíbe a subvenção do governo a instituições de ensino que
pratiquem o lucro a partir de março de 2016. Com isso, estudantes pobres
bolsistas que tinham parte ou a totalidade dos estudos financiada pelo governo
serão prejudicados.
Só que não existe nada nessa vida que não
possa piorar. Não bastasse o fim da meritocracia (que é individual) há alguns
anos, com a proibição de certames para selecionar os alunos com as melhores
notas, o projeto de coletivização impede que os pais escolham as escolas para
os filhos, pois as vagas serão distribuídas por sorteio. Mais: ainda que algumas
escolas particulares adiram à insana tese ideológica, e abram mão do lucro, e zerando
a equação receitas “versus” despesas, os alunos não poderiam ser escolhidos
pela instituição, pois será feita a distribuição por sorteio.
Em matéria publicada em Veja, foi feita
uma análise da situação da educação no país e o impacto dessas medidas [37]:
Em toda
a América Latina, ao contrário do que acontece na Escandinávia, as escolas
públicas são sinônimos de educação de baixa qualidade. No Chile também é assim.
A solução dada nos anos 1990 foi permitir que os alunos mais pobres e os de
classe média pudessem estudar nas instituições particulares, mais bem
avaliadas. Para isso, o Estado começaria a pagar uma parte da mensalidade. Os
pais então contribuiriam com um valor de até 140 dólares para a escola. Foi por
esse sistema ser atraente, e não por ser ruim, que 54% dos alunos se agarraram
à oportunidade. O sucesso foi medido pelas boas notas dos chilenos no exame
Pisa. Eles estão sete posições acima dos brasileiros e oito à frente dos
argentinos. Até 2017, porém, não deverá sobrar resquício desse modelo.
Os estudantes serão obrigados a migrar
para escolas públicas, mas não poderão escolher as que ostentam um ensino de
melhor qualidade, pois não serão consideradas diferenças como maior
qualificação, inteligência ou interesse, ou seja, a vocação não será
respeitada. As medidas tornam-se ainda mais cruéis porque no decurso do
desenvolvimento do sistema educacional do país, algumas instituições adotaram
um currículo diferenciado para seus projetos educativos, de acordo com a
realidade do local ou de seus alunos, e a confirmação aleatória das matrículas também
vai desconsiderar totalmente esse fato [38]:
As
concorridas escolas de excelência, mesmo sendo públicas, tampouco poderão
aplicar provas para selecionar os alunos com melhores notas. “A fórmula do
sucesso no passado foi permitir a diversidade nos projetos educativos, o mérito
e a participação dos pais. Tudo isso vai acabar”, diz Rosanna Costa, economista
e subdiretora do centro de pesquisas Liberdade e Desenvolvimento, em Santiago.
Logicamente, tais medidas desagradaram aos
pais e aos estudantes das escolas particulares subvencionadas, até por se
tratarem de decisões autoritárias e eivadas de ideologia [39]:
“O
governo foi arrogante e seguiu com seus planos, apesar de ter tirado nossa
liberdade de escolher onde nossos filhos vão estudar. Isso, sim, eu considero
uma discriminação”, diz a dona de casa Érika Muñoz, presidente da Confederação
de Pais e Tutores de Colégios Particulares Subvencionados.
Em verdade, fada-se ao fracasso qualquer
mecanismo desse jaez que descarte a vocação ou a capacidade do aluno de ter
acesso a um ensino direcionado para suas habilidades; ou a premiação por seu
esforço ou sua capacidade intelectiva. Ora, dentre as escolas públicas há
aquelas que se sobressaem, seja por terem melhor administração; seja por terem
maior apoio de pais, associações ou da própria sociedade; e/ou seja pela
qualidade de seus alunos. Acabar com isso é simplesmente lançar por terra um
projeto diferenciado em médio prazo. Porém, o governo retirou dos alunos pobres
chilenos o direito à escolha, fatalmente eles, por isso, terão acesso a um
ensino de qualidade insuficiente.
5.
A educação e o/no Brasil
Inicialmente, cabe lembrar a pantomima
da “pátria educadora”, mote do discurso de posse do segundo mandato da presidente Dilma Roussef, que, após empossar um
neófito como ministro da educação – que não trouxe na bagagem nenhuma
credencial relativamente à pasta enquanto governador do Ceará –, encerrou de
forma dúbia o primeiro ato ao cortar 7 bilhões de reais reservados no orçamento
da União para a educação no ano de 2015, que iniciou o segundo mandato [40].
Com
efeito, com os cortes anunciados, o mais afetado foi o Ministério da Educação
(MEC), que teve os gastos não obrigatórios reduzidos à metade [41]. Essa, definitivamente,
não é a melhor forma de demostrar preocupação com o setor.
Ademais, as medidas de ajuste fiscal, que
retiveram 30% dos repasses previstos no orçamento para as universidades
federais, criaram dificuldades já no início do ano [42].
A falta de dinheiro para pagamento de
serviços terceirizados, p.ex., causou o fechamento por alguns dias do Museu
Nacional, que fica na Quinta da Boa Vista e é administrado pela federal do Rio
de Janeiro [43]. Também foram
detectados problemas com a assistência estudantil, o pagamento de bolsas,
atraso no pagamento de água, luz, telefone, e inclusive para manutenção dos serviços
em hospitais universitários. Servidores
do MEC informaram que “a
previsão de investimentos na educação neste ano será maior que no ano passado,
um aumento de R$ 900 milhões”,
mas o corte será mantido até a aprovação do orçamento da União, que depende do
Congresso [44]. Falam
isso como se o orçamento fosse realmente um problema para o atual governo, que
atropelou a Lei de Diretrizes Orçamentárias em 2014, com a conivência dos
“combativos” parlamentares, cada um ao preço de R$ 748 mil em emendas
orçamentárias individuais [45].
Enquanto isso, foi desastroso o
resultado do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2014 do ponto de vista da
pátria que se pretende educadora e que é governada há 12 anos por um partido
que alardeia que mantém em seus quadros diversos intelectuais. Sem contar que nesse
período teve a oportunidade de estar à frente da educação por todo um ciclo,
utilizando suas metodologias, seus planejamentos, pois o ensino fundamental e o
médio somam, juntos, 12 anos, e quem começou a estudar em 2003 (1º ano do 1º
mandado do presidente Lula) encerrou o ciclo do ensino fundamental e médio em
2014.
Participaram do exame 6,2 milhões de
pessoas, e “as
notas médias foram 9,7% mais baixas do que em 2013 – 512,2 para 470,8. No Enem
2014, 3.235.715 pessoas declararam ser egressas do ensino médio” [46],
ou seja, mais que a metade dos inscritos. Houve um desempenho incômodo em
relação às notas de redação e de matemática: 529,374 participantes obtiveram
nota “zero” em redação, ao passo em que apenas 250 obtiveram a nota máxima; e a
média geral de matemática registrou queda de 7,3% da nota, descendo de 514,1
para 476,6 [47].
E
a despeito da pátria educadora, além de cortes no FIES [48-49-50], a
União ainda atrasou o repasse de dinheiro para pagar professores de escolas privadas
que atendem o Pronatec, outra menina dos olhos da elite governante, que visa à
capacitação profissional técnica de jovens e adultos, e que em 4 anos alcançou
8 milhões de matrículas, com uma meta arrojada para alcançar mais pessoas nos
próximos anos [51].
Por outro lado, o Inaf
(Indicador de Alfabetismo Funcional) resultante de pesquisa realizada entre
2011 e 2012, que considerou uma margem de erro de 2,2 pontos percentuais para
mais ou para menos, o Instituto Paulo
Montenegro verificou que 27% da população brasileira é composta
de analfabetos funcionais, o que significa que, em cada 4 brasileiros,
apenas 1 possui o domínio pleno das “habilidades de leitura, escrita e matemática”.
Concluiu-se
que, apesar dos esforços do governo através da universalização
do acesso à escola e do aumento do número de anos de estudo, o que resultou num
respeitável crescimento do nível de escolaridade se considerada a quantidade de
brasileiros com acesso ao ensino médio ou superior, tais avanços não correspondem
a ganhos efetivos do domínio das referidas habilidades: apenas 62% das pessoas com ensino superior e 35% das pessoas com
ensino médio completo podem ser consideradas plenamente alfabetizadas.
Trata-se
do indicador que representa o resultado
da pesquisa que mede a capacidade de leitura, escrita e cálculo da população
brasileira adulta, compreendida entre 15 e 64 anos de idade, e engloba
residentes em zonas urbanas e rurais de todas as regiões, que estejam ou não
estudando, a fim de medir os níveis de alfabetismo funcional dos pesquisados.
Segundo o Instituto responsável, considera-se
“alfabetizada
funcionalmente a pessoa capaz de utilizar a leitura e escrita e habilidades
matemáticas para fazer frente às demandas de seu contexto social e utilizá-las
para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida”, e os níveis de classificação são os seguintes [52]:
(i) Analfabeto: não consegue realizar
tarefas simples envolvendo a leitura de palavras e frases, ainda que consiga
ler números usuais, como os de telefone etc.;
(ii) Rudimentar: consegue localizar uma
informação explícita em textos curtos e familiares, ler e escrever números
usuais e realizar operações simples, como manusear dinheiro para pagar pequenas
somas;
(iii) Básico: funcionalmente alfabetizado, lê
e compreende textos de média extensão e números na casa dos milhões, resolve
problemas envolvendo uma sequência simples de operações e possui noção de
proporcionalidade, embora limitado ao resolver operações que envolvam maior
número de elementos, etapas ou relações; e
(iv) Pleno: não apresenta restrições na
compreensão e interpretação de textos, e resolve problemas que exigem maior
planejamento e controle.
Noutro giro, convém ressaltar o fenômeno que
vem ocorrendo não só no Brasil, da doutrinação segundo as teorias marxistas dos
formadores de opinião e professores egressos das universidades, especialmente da
área de Ciências Humanas; e que dão continuidade a esse projeto, com ou sem
malícia, ao se dedicarem ao ensino, pondo em prática o plano de hegemonia
cultural idealizado por Antonio Gramsci. Assim, crianças, adolescentes e
adultos, além de educados para atender às necessidades da elite governante,
recebem “dose extra” de teor ideológico, tornando-se “revolucionários”,
desinformados (ou informados “pelas metades”), defensores e propagadores do sistema
político-econômico comuno/socialista, prontos e aptos a assumirem seus postos
de idiotas úteis. Sem ofensas!
Isso demonstra que, se de um lado há os países
que formam a “sociedade do espetáculo” denunciada por DEBORD [53] – consumista,
abobalhada, inerme, conforme, inclusive foi visto aqui nos itens 2 e 3 –, de
outro lado há a “volta dos que nunca foram”, com o reavivamento da polaridade
esquerda “versus” direita. Então, conclui-se que não há “mocinhos” nessa
história.
Há outras particularidades, e a
preocupação é grande num país de altíssimo número de analfabetos funcionais, mas o
intuito desse artigo é ir muito além que tecer críticas à incoerência entre
discurso e medidas efetivamente tomadas com relação à educação.
Igualmente
aos países então citados, o Brasil adotou a sistematização da educação nos
moldes do modelo prussiano, com ensino universal e obrigatório, que impõe
sanções a pais e responsáveis que não inscreverem crianças e jovens em
instituição de ensino regular, e onde o Estado tece as diretrizes do conteúdo
disciplinar a ser abordado. Contudo, o acesso a algumas instituições se dá pela
meritocracia, como nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e
nas universidades públicas, embora essas apresentem sistema de quotas para
negros, índios e pobres.
Cabe aqui destacar alguns dispositivos
legais utilizados como mecanismo de coerção para a universalização do ensino, para
sustentar juridicamente o que foi afirmado:
A Constituição da
República Federativa do Brasil (CRFB/1988) assim dispõe em seus artigos 205;
208, incisos I e II; 209,
inciso I; 210; 211; e 229:
Art. 205. A educação, direito de todos
e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho. (grifei)
Art. 208. O dever do Estado com a
educação será efetivado mediante a garantia de:
I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada
inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na
idade própria; (grifei)
II – progressiva universalização do ensino médio gratuito. (grifei)
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as
seguintes condições:
I – cumprimento das normas gerais da educação nacional. (grifei)
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira
a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e
artísticos, nacionais e regionais. (grifei)
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão
em regime de colaboração seus sistemas de ensino. (grifei)
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores... (grifei)
O Código Civil, no artigo
1.634, inciso I, trata do exercício do poder familiar:
Art. 1.634. Compete
a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar,
que consiste em, quanto aos filhos:
O Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei nº 8.069/1990) estabelece em seus artigos 22; 55; 98, inciso
II; e 101, incisos II e III:
Art. 22. Aos
pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no
interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações
judiciais. (grifei)
Art. 55.
Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na
rede regular de ensino. (grifei)
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao
adolescente são aplicáveis sempre que os direitos
reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
(...)
II – por falta,
omissão ou abuso dos pais ou responsável; (grifei)
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98,
a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
(...)
II – orientação, apoio e acompanhamento
temporários;
III – matrícula
e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
(grifei)
A Lei
nº 9.394/1996, conhecida por Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), em seus artigos 4º, inciso I; 6º; e 9º, inciso III, dispõe:
Art. 4º. O dever
do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17
(dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: (grifei)
Art. 6º. É dever
dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a
partir dos 4 (quatro) anos de idade. (grifei)
Art. 9º. A União
incumbir-se-á de:
(...)
III – prestar assistência técnica e financeira aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus
sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função
redistributiva e supletiva; (grifei)
Finalmente,
o Código Penal tipifica o crime de abandono
intelectual no artigo 246:
Pena –
detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. (grifei)
Quanto à escolaridade, o Brasil não se
difere do embrião notabilizado por Platão, desenvolvido na Europa medieval a
partir de Lutero e Calvino, e aperfeiçoado no modelo educacional prussiano: a
educação é obrigatória para crianças e jovens entre os 4 e 17 anos, período em
que serão qualificados para o trabalho; é dever do Estado estabelecer
diretrizes a serem cumpridas pelas instituições de ensino e garantir a escola
pública; pais ou responsáveis, no exercício do poder familiar, devem dirigir a educação dos
filhos ou pupilos, matriculando-os na rede regular de ensino; e o
estabelecimento de ensino deve ser oficial, o que veda o “homeschooling”. No
aspecto punitivo, pais ou responsáveis poderão sofrer medidas de proteção, e se
submeter a orientação, apoio e acompanhamento do Estado; e inclusive ser
condenados à pena de detenção e a pagar multa pelo crime de abandono
intelectual, se não providenciarem a instrução do menor em idade escolar.
Contudo, a elite
governante não é tão contundente nessa questão se for conveniente flexibilizar as
regras que modelam e pautam o ensino em nosso país.
É o caso, p.ex., do MST (Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra), que mantém escolas que seguem a doutrina marxista, como se
verifica em vídeos postados no youtube.com [54].
Aliás, reportagem recente retratou a
visita a dois assentamentos do MST no estado do Rio Grande do Sul [55], onde se constatou que
professores despreparados, desqualificados dão aulas nos acampamentos sob os
auspícios do governo amigo e ainda são pagos pelo erário, em clara afronta à
LDB, mas que parece ser justificada pela “moral nossa”. Esclarecendo a locução
“moral nossa”, Trotsky apresenta em
“A moral deles e a nossa”, teoria compartilhada por Vladimir Ilitch Lênin que
flexibiliza o conceito da moral à medida da necessidade dos revolucionários,
sem que atitudes dessa natureza configurem um comportamento negativo, mas do
contrário, louvável [56].
Foram contabilizadas 1.800 escolas em
assentamentos e acampamentos. Nascidas da informalidade, possuem cerca de 160
mil alunos e 4 mil professores. Nelas, “crianças entre 7 e 14 anos de idade
aprendem a defender o socialismo, a ‘desenvolver a consciência revolucionária’
e a cultuar personalidades do comunismo como Karl Marx, Ho Chi Minh e Che
Guevara”. Ao menos 1.000 são reconhecidas pelos
Conselhos estaduais de educação, o que as equipara às escolas públicas, apesar
de ministrado conteúdo amplamente distinto daquele “universal” estabelecido na
lei [57]:
Tanto
a escola Nova Sociedade, em Nova Santa Rita, quanto a Chico Mendes, em Hulha
Negra, exibem, nas classes e no pátio, a bandeira do MST; no currículo,
abordagens ausentes da cartilha do Ministério da Educação e que transmitem a
ideologia sem-terra. Os professores utilizam, por exemplo, uma espécie de
calendário alternativo que inclui a celebração da revolução chinesa, a morte de
Che Guevara e o nascimento de Karl Marx. O Sete de Setembro virou o “Dia dos
Excluídos”, e a Independência do Brasil é grafada entre aspas.
(...)
Na
escola Chico Mendes, professores exibem vídeos que atacam as grandes
propriedades e enaltecem as virtudes da agricultura familiar, modelo que o MST
gostaria de ver esparramado no território nacional: “A pequena propriedade é
oprimida pelos grandes latifúndios, que só fazem roubar emprego do povo”, diz
um dos filmes. A mesma fita é usada para ensinar aos alunos que os produtos
transgênicos “contêm veneno”.
(...)
Em seu Caderno
de Educação de número 8, o MST deixa claro que a educação que pretende
dar a seus alunos deve ter “o compromisso em desenvolver a consciência de
classe e a consciência revolucionária”. A rigor, nada impede que uma
organização como o MST queira propagar sua ideologia para crianças que mal
aprenderam a escrever o próprio nome. O problema é fazer isso dentro do sistema
de ensino público e com dinheiro do contribuinte. A legislação brasileira preserva
a autonomia das escolas, desde que cumpram o currículo exigido pelos Estados e
estejam em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996,
que prega o “pluralismo de ideias” e o “apreço à tolerância” – elementos
básicos para que as crianças desenvolvam o raciocínio e o espírito crítico. Não
são os critérios adotados no território dos sem-terra. “Essas escolas estão
aprisionando as crianças num modelo único de pensamento”, observa a pedagoga
Sílvia Gasparian Colello, da Universidade de São Paulo.
O total descontrole sobre esse sistema educacional
paralelo é demonstrado na reportagem [58]:
O MST implementou um sistema de
ensino paralelo, sobre o qual o poder público não exerce quase nenhum controle.
O Ministério da Educação desconhece até mesmo quantas são e onde estão
exatamente as escolas públicas com a grife do movimento. E as secretarias
estaduais e municipais de ensino, embora sustentem as escolas, enfrentam
dificuldades até para fazer com que professores não ligados aos sem-terra sejam
aceitos nas salas de aula. “O MST torna a vida do educador que vem de fora um
inferno”, diz Gislaine do Amaral Ribeiro, coordenadora estadual das escolas de
assentamentos na região de Bagé, Rio Grande do Sul.
Enquanto nos assentamentos cerca da metade
do corpo docente é oriundo do MST, nos acampamentos todos pertencem ao
movimento, sendo que há desobediência à legislação que trata da qualificação
exigida ao corpo docente [59]:
Muitos não têm o curso de magistério
completo – pré-requisito básico para a contratação na rede pública –, e alguns
não chegaram sequer a terminar o ensino fundamental. “A realidade é que há
pessoas atuando como profissionais da educação nessas escolas sem o mínimo de
preparo para exercer a função”, reconhece o secretário estadual de Educação do
Rio Grande do Sul, José Fortunati.
O curioso é que esses “profissionais” da
educação têm sua contratação chancelada por autoridades, e o MEC, por sua vez,
pouco faz. Porém, a maior surpresa vem dos sindicatos dos professores,
normalmente aguerridos nas discussões que envolvem a classe, que se mostram apáticos
diante dessa flagrante afronta à legislação e do aviltamento de seus direitos,
o que pode ser fruto do aparelhamento dos sindicatos e de organizações e
movimentos sociais por pessoas que comungam dessa mesma cartilha.
Se isso vai ter fim, se há um futuro a
vislumbrar no tocante à alteração do quadro educacional em nosso país, não há
como prever. Até porque são sufocadas as investidas contrárias a esse sistema
que “vem dado certo”. Talvez um trabalho de conscientização pudesse alertar às pessoas,
mas quem estaria disposto a escutar? Quantos teriam capacidade para entender
isso? Quantos apontariam se tratar de uma “teoria da conspiração”?
6.
Conclusão
O objetivo desse estudo foi evidenciar que
todo aquele submetido ao sistema educacional de seu país é vítima de um projeto
organizado, idealizado e levado a efeito pela elite governante, auxiliada por estudiosos,
educadores e o grande empresariado. Os propósitos da educação universal e
obrigatória, conforme verificado, fazem surtir o efeito de um soco no estômago.
Esse sistema comporta uma estrutura há
muito tempo utilizada como mecanismo viabilizador da criação de uma sociedade
administrável e ideologizada, que produz profissionais aptos para atenderem às
necessidades e critérios mais convenientes ao “establishment”. Em flagrante
inversão de valores, as qualidades, as lideranças e as vocações individuais são
sufocadas em nome da estabilização social. Não há o menor planejamento para
criar cabeças pensantes, adultos capazes de produzir a melhor versão que
poderiam alcançar de si mesmos. Pior: alguns são direcionados para darem
continuidade a essa trama nefanda.
O que se viu (e o que se vê) é a redução
do “maior número possível de
indivíduos ao mesmo nível seguro”,
com vistas a “reproduzir
e treinar uma cidadania padronizada, e acabar com a dissidência e com a
originalidade” [60].
E essa padronização estabelece até as formas
de divertimento a serem usufruídas pelos indivíduos. A obrigação de utilizar
uniformes tem a intenção de mantê-los uniformes, sem distinções entre si, sem
abertura de espaço para a diversidade, que é humana. E para cumprir mais satisfatoriamente seu intento, cada vez
mais cedo crianças são cooptadas para o convívio em coletivos.
Mas mesmo num ambiente igualitário há os
que se destacam mais, os que se destacam menos e os que não se destacam. Então,
serão “separados” e “encaminhados” para os vários “postos” a serem preenchidos,
através da “seleção natural”. Daí restar evidenciado que até mesmo o tão
combatido bullying, na realidade, teria sido idealizado nos intestinos do
sistema educacional para servir de instrumento catalisador a separar pessoas
aptas e inaptas.
Com efeito, através de poderosa
propaganda, parte-se do pressuposto de que o Estado é mais bem capacitado que
pais e responsáveis para promover a educação de seus filhos e pupilos e prepará-los
para o exercício da cidadania. Programas deletérios interferem no processo de amadurecimento
e de formação profissional, criando adultos infantilizados, sem o
desenvolvimento equilibrado de sua individualidade porque coletivizados, operários
obedientes para ocuparem postos de trabalho e/ou serem defensores, engajados ou
não, de ideologias políticas, seja de direita, centro ou esquerda, conforme o
“cardápio” estatal.
E isso ocorre, inclusive, nos EUA, o que
para nós, criaturas administráveis sul-americanas, pode ser uma grande
novidade.
Também foi abordada a questão educacional
no Chile, onde estudantes pobres de todo o país serão prejudicados por questões
ideológicas, já que para seus governantes socialistas o lucro é algo a ser
erradicado, como se nenhum deles lucrasse com a boa vida que a coparticipação
no staff dirigente (o “politburo”) pode proporcionar, até mesmo no campo
pessoal, através de contatos e do conhecimento de “atalhos” para alcançarem
prestígio e enriquecerem.
É lamentável o exemplo que dá esse país,
que alcançou certo grau de excelência na educação, nos fazendo perceber, com a
(nova) interferência do Estado, que o que é um sonho para uns é pesadelo para
outros. Acabar com a meritocracia é perverter a natureza do ser humano quanto
às diferenças entre os semelhantes; é condenar à morte os dons inatos; é
enterrar as qualidades e qualificações que tornam alguém apto para permitir que
o inapto a ele se iguale; é emperrar o crescimento pessoal, pondo um freio na
procura por conhecimentos; é potencializar a mistura de pessoas de talentos
distintos e até as sem talento, bem como as que de formas distintas se empenham
para realizar suas atividades – e isso as desincentiva mutuamente.
Finalmente, chegou-se à questão da
educação no Brasil, que não foi (e nem é) diferente. Vai mal, apesar dos
esforços empreendidos nos últimos anos, na tentativa de cumprir a agenda da
Unesco sobre a alfabetização da população. Mas há o agravamento provocado por
uma crise política, e pela insipiente crise financeira, pois há problemas no
repasse de verbas dos programas criados com o intuito de alavancar a educação,
o que pode gerar um colapso no setor, até porque os menos favorecidos é que
estão sendo mais prejudicados.
Contudo, se olharmos para trás, prestarmos
atenção nos fatos e percebermos que a fragilidade do setor é possivelmente
fruto de um planejamento, poderemos até afirmar que o curso está seguindo
satisfatoriamente. O “mais importante” do planejamento funciona: o empresariado
investe na formação da mão de obra barata sob os auspícios do Estado, através
do SESI, SESC, Pronatec e de outros cursos técnicos e faculdades de baixa
qualidade; e crianças e jovens são “encabrestados” após serem conduzidos de
forma coercitiva para a escolarização consoante as diretrizes pré-estabelecidas,
e ainda com o “plus” de aprenderem a ideologia esquerdista.
Renato Russo anunciava na década de 1980
que “quando nascemos somos programados
a receber o que vocês nos empurraram...”,
e é uma pena que na realidade não se trata apenas dos enlatados dos USA (de
nove às seis) [61], mas (muito
pior!) somos programados segundo o mecanismo de generalização das pessoas, aperfeiçoado
pelos prussianos e fortemente defendido e difundido em todos os cantos de nosso
planeta, que nos domestica, nos uniformiza e nos castra.
Notas
[1] Gatto, John Taylor. Contra a
escola. Revista Terminal. Disponível em: <https://blognabuco.wordpress.com/2014/09/09/contra-a-escola/>.
Acesso em 17/09/2014;
[2] Nos termos do artigo 6º da Lei
nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases): “Art. 6o É dever dos pais ou responsáveis
efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro)
anos de idade”;
[3] Prouni (Programa Universidade para Todos): programa do Ministério
da Educação que concede bolsas de estudo integrais e parciais em instituições
privadas de ensino superior, em cursos de graduação e sequenciais de formação
específica a estudantes brasileiros;
[4] Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego):
programa do Governo Federal que oferece gratuitamente cursos de educação
profissional e tecnológica através de instituições da Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica, das redes estaduais, distritais e
municipais de educação profissional e tecnológica e, ainda, das instituições do
“Sistema S” e das instituições privadas devidamente habilitadas;
[5] Ensino doméstico (ou educação domiciliar): método utilizado para
educar crianças e jovens em sua própria casa, através de um familiar ou tutor,
abdicando de matriculá-los numa escola de ensino regular, que segue os
critérios do sistema educacional pátrio;
[6] ROTHBARD, Murray Newton. Educação: livre e obrigatória. São
Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013, pág. 29;
[7] WOODS JR., Thomas Edward. A Igreja Católica: construtora da
civilização. Programa do History Channel. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ng8dume3V6k>. Acesso em 25/11/2014;
[8] ROTHBARD, Murray Newton. Ob. cit., págs. 29-37;
[9] ROTHBARD,
Murray Newton. Ob. cit., págs. 38-43;
[10] GATTO, John Taylor. Contra a escola...;
[11] BEZMENOV, Yuri. A Subversão nos
Países-alvo da Extinta URSS. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=iK4kZSU-5Cg>. Acesso em
12/02/2015;
[12]
ROTHBARD, Murray Newton. Ob. cit.,
pág. 43;
[13] RYAN, Kevin. Prefácio de Educação: livre e obrigatória, em 1999 (ROTHBARD, Murray Newton. São
Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013, pág. 9);
[14]
ROTHBARD, Murray Newton. Ob. cit.,
pág. 43;
[15] RYAN, Kevin. Prefácio de Educação..., pág. 10;
[16]
ROTHBARD, Murray Newton. Ob. cit.,
pág. 52;
[17]
ROTHBARD, Murray Newton. Ob. cit.,
pág. 53;
[18]
ROTHBARD, Murray Newton. Ob. cit.,
pág. 53;
[19] GATTO, John Taylor. Contra a escola...;
[20]
ROTHBARD, Murray Newton. Ob. cit.,
pág. 11;
[21]
ROTHBARD, Murray Newton. Ob. cit.,
pág. 12;
[22]
ROTHBARD, Murray Newton. Ob. cit.,
pág. 13;
[23] GATTO, John Taylor. Contra a escola...;
[24] GATTO, John Taylor. Contra a escola...;
[25]
GATTO,
John Taylor. Contra a escola...;
[26]
ROTHBARD, Murray Newton. Ob. cit.,
págs. 55 e 62;
[27]
Revista
Nova Escola. Educação no Chile: Nosso
desafio é ter um currículo viável. Ed. 175 de maio/2005. Disponível em <http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/planejamento-e-financiamento/educacao-chile-nosso-desafio-426076.shtml>. Acesso em 25/02/2015;
[28] “Durante os
trinta anos em que ensinei em algumas das piores, e em algumas das melhores,
escolas de Manhattan, tornei-me um especialista em tédio. O tédio estava em
todos os lugares do meu mundo, e se você perguntasse às crianças, como eu fazia
frequentemente, por que elas sentiam-se tão entediadas,
as respostas eram sempre as mesmas: elas diziam que o dever era estúpido, que
aquilo não fazia sentido, que elas já sabiam aquilo. Diziam que gostariam de
estar fazendo algo de verdade, não apenas ficar sentadas aqui e ali. Elas
diziam que os professores pareciam não saber muito sobre as suas temáticas e
obviamente não estavam interessados em aprender mais. E as crianças estavam
certas: os professores estavam tão entediados quanto elas”. GATTO, John Taylor. Contra
a escola...;
[29] Revista Nova Escola. Educação no Chile...
[30] FISZBEIN, Ariel e VEGAS,
Emiliana. O paradoxo da educação no Chile.
El País Brasil. Disponível em <http://brasil.elpais.com/brasil/2014/08/18/opinion/1408396366_513219.html>. Acesso em 26/02/2015;
[31] Farinelli, Victor.
Segundo
relatório da Unesco, modelo de educação chileno gera desigualdade e exclusão. Uol, Operamundi, em 06/12/2011. Disponível em:
<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/18359/segundo+relatorio+da+unesco+modelo+de+educacao+chileno+gera+desigualdade+e+exclusao.shtml>. Acesso em 26/02/2015;
[32] CARVALHO, Ricardo. O que está por trás das revoltas no Chile?
Revista Carta Capital de 11/08/2011. Disponível em <http://www.cartacapital.com.br/internacional/o-que-esta-por-tras-das-revoltas-no-chile>. Acesso em 26/02/2015;
[33] CARVALHO, Ricardo. O que está por trás...;
[34] CARVALHO, Ricardo. O que está
por trás...;
[35]
CARVALHO,
Ricardo. O que está por trás...;
[36]
CARVALHO,
Ricardo. O que está por trás...;
[37] WATKINS, Natalia. A receita do retrocesso. Revista Veja, ed.
nº 2411, de 04/02/2015, pág. 66;
[38] WATKINS, Natalia..., págs. 66-67;
[39] WATKINS, Natalia..., pág. 67;
[40] “... o recém-nomeado Ministro da
Educação, Sr. Cid Gomes, que, segundo a não convincente propaganda, é a pasta
mais importante desse novo governo da Presidente Dilma Roussef, que adotou o
mote ‘pátria educadora’, apesar de nomear um neófito e de cortar bilhões de
reais reservados a seu orçamento”. PEIXOTO, Fernando César Borges. A
alteração do sistema político-econômico brasileiro, a forma de seu
financiamento e a violação dos princípios que regem a Administração Pública.
JusNavigandi, 20/02/2015. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/36551/a-alteracao-do-sistema-politico-economico-brasileiro-a-forma-de-seu-financiamento-e-a-violacao-dos-principios-que-regem-a-administracao-publica>. Acesso em 26/02/3015;
[41] Ministério da Educação é o mais afetado por corte de gastos. Veja
on line, 08/01/2015. Disponível em <http://veja.abril.com.br/noticia/economia/ministerio-da-educacao-e-o-mais-afetado-por-corte-de-gastos>. Aceso em 26/02/2015;
[42] Movimento Estudantil Popular
Revolucionário (MEPR). “Pátria Educadora”
de Dilma Roussef (PT) corta 1/3 (um terço) do orçamento das universidades
públicas federais para 2015. MEPR, 06/03/2015. Disponível em <http://mepr.org.br/noticias/educacao/953-patria-educadora-de-dilma-rousseff-pt-corta-13-um-terco-do-orcamento-das-universidades-publicas-federais-para-2015.html>. Acesso em 10/03/2015;
[43] Grellet, Fábio. Museu
Nacional, o mais antigo do Brasil, fecha por falta de dinheiro. Estadão on
line, 12/01/2015. Disponível em <http://brasil.estadao.com.br/noticias/rio-de-janeiro,museu-nacional-o-mais-antigo-do-brasil-fecha-por-falta-de-dinheiro,1618890>. Acesso em 26/02/2015;
[44] Universidades federais têm um terço dos recursos bloqueados pelo MEC.
Jornal Bom dia Brasil, 23/02/2015. Disponível em <http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2015/02/universidades-federais-tem-um-terco-dos-recursos-bloqueados-pelo-mec.html>. Acesso em 24/02/2015;
[45] Decreto amplia em R$ 748 mil limite de gasto de emendas por parlamentar.
Câmara dos Deputados, 02/12/2014. Disponível em <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/478656-DECRETO-AMPLIA-EM-R$-748-MIL-LIMITE-DE-GASTO-DE-EMENDAS-POR-PARLAMENTAR.html>. Acesso em 02/03/2015;
[46] Mattos, Marcela. Enem
2014: apenas 250 pessoas tiveram nota máxima na redação. Veja on line,
13/01/2015. Disponível em <http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/enem-2014-apenas-250-pessoas-tiveram-nota-maxima-na-redacao?utm_source=redesabril_veja&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_veja> Acesso em: 26/02/2015;
[47] MATTOS, Marcela. Enem 2014: apenas 250 pessoas tiveram nota
máxima na redação...;
[48] Fies (Fundo de
Financiamento Estudantil): programa do Ministério da Educação destinado a
financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em
instituições não gratuitas. Em 2010 o FIES passou a funcionar em um novo
formato, passando a agente operador do programa o FNDE (Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação).
[49] FRANCO, Simone. Comissão de Educação vai cobrar explicações
sobre cortes no Fies e Pronatec. Senado Federal, 10/03/2015. Disponível em
<http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/03/10/comissao-de-educacao-vai-cobrar-explicacoes-sobre-cortes-no-fies-e-pronatec>. Acesso em 11/03/2015;
[50] VANINI, Eduardo, FERREIRA, Paula
e KAPA, Raphael. Corte de verbas e
problemas com o Fies prejudicam alunos em todo o país. G1, 10/03/2015.
Disponível em <http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/corte-de-verbas-problemas-com-fies-prejudicam-alunos-em-todo-pais-15551385>. Acesso em 11/03/2015;
[51] MATOSO, Filipe. MEC admite atraso no Pronatec e libera R$
119 mi para quitar dívida. G1, 19/02/2015. Disponível em <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/02/mec-admite-atraso-no-pronatec-e-libera-r-119-mi-para-regularizar-situacao.html>. Acesso em 24/02/2015;
[52] Instituto Paulo Montenegro. INAF – Indicador de Alfabetismo Funcional,
resultado 2011-2012. Disponível em <http://www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.00.00.00&ver=por>. Acesso em 09/03/2015;
[53] Tese 43: “Embora na fase
primitiva da acumulação capitalista ‘a economia política não visse no proletário senão o operário’ que deveria
receber o mínimo indispensável para a conservação da sua força de trabalho, sem
nunca ser considerado ‘nos seus lazeres, na sua humanidade’, esta posição de
ideias da classe dominante inverte-se assim que o grau de abundância atingido
na produção das mercadorias exige um excedente de colaboração do operário. Este
operário, completamente desprezado diante de todas as modalidades de
organização e vigilância da produção, vê a si mesmo, a cada dia, do lado de
fora, mas é aparentemente tratado como uma grande pessoa, com uma delicadeza obsequiosa,
sob o disfarce do consumidor. Então o humanismo
da mercadoria toma a cargo os ‘lazeres e humanidade’ do trabalhador, muito
simplesmente porque a economia política pode e deve dominar, agora, também
estas esferas, enquanto economia política.
Assim, ‘a negação da humanidade’ é agora a negação da totalidade da existência
humana”. DEBORD, Guy. A sociedade do
espetáculo. Fonte digital (digitalização da edição em pdf originária de www.geocities.com/projetoperiferia) – eBooksBrasil.org, 2003, págs.
28-29 (grifos no original);
[54] No exemplo, apresenta-se vídeo
em que os “sem-terrinha” tratam os irmãos Castro de Cuba como heróis, mas
vítimas do imperialismo ianque, enquanto desconhecem a miséria a que é
submetido o povo daquela ilha. Os Cinco Cubanos: Animação dos Sem
Terrinha (MST/RJ). Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=j9pfUiEl7Ok>. Acesso em 25/02/2015;
[55] Weinberg, Monica. Madraçais
do MST. Veja, ed. nº 1870, de 08/09/2004; Disponível em <http://veja.abril.com.br/080904/p_046.html>. Acesso em 26/02/2015;
[56] “Lênin escreveu: ‘é necessário saber adaptar-se a tudo, a
todos os sacrifícios e até, se necessário for, usar vários estratagemas,
enganos, procedimentos ilegais, usar
o silêncio, a dissimulação da verdade para penetrar nos sindicatos, permanecer
neles, desenvolver neles a qualquer custo a ação comunista’. (...) ‘O engano e
a dissimulação da verdade’ não são, nesse caso, mais do que os instrumentos
duma legítima defesa contra a perfídia de uma burocracia reformista. (...) O meio não pode ser justificado senão pelo fim. Mas
também o fim precisa de justificação. (...) É permitido (...) tudo
aquilo que leve realmente à libertação dos homens. Já que este fim não pode ser
atingido senão por via revolucionária, a moral
emancipadora do proletariado tem necessariamente um caráter revolucionário.
Como aos dogmas da religião, esta moral se opõe a todos os fetiches do
idealismo, gendarmes filosóficos da classe dominante. (...) na luta de classes
contra o capitalismo (...) são admissíveis e obrigatórios apenas os meios que
aumentam a coesão do proletariado, inflamam sua consciência com um ódio
inextinguível para com toda forma de opressão, ensinam-lhe a desprezar a moral
oficial e seus arautos democráticos, dão-lhe plena consciência de sua missão
histórica e aumentam sua coragem e sua abnegação. Donde se conclui, afinal, que
nem todos os meios são válidos. (...) Estes critérios, é obvio, não definem o
que é consentido ou não em cada situação determinada. Não existem respostas
automáticas deste tipo. As questões da moral revolucionária confundem-se com as
questões da estratégia e tática revolucionárias. Somente a experiência viva do
movimento, iluminada pela teoria, pode dar a resposta certa a esses problemas. O
materialismo dialético não separa os fins dos meios. O fim é deduzido de
maneira natural do dever histórico. Os meios estão organicamente subordinados
ao fim. O fim imediato transforma-se no meio do fim ulterior”. TROTSKY, Leon.
A moral deles e a nossa. Disponível
em < https://www.archivoleontrotsky.org/download.php?mfn=7078
>. Acesso em 25/09/2014;
[57] WEINBERG, Monica. Madraçais do MST...;
[58] WEINBERG, Monica. Madraçais do
MST...;
[59] WEINBERG, Monica. Madraçais do
MST...;
[60] Mencken, Henry Louis citado por GATTO, John Taylor. Contra a escola...;
[61] RUSSO, Renato e VILLA-LOBOS,
Dado. Geração coca-cola. Legião Urbana, 1985.
Fernando César Borges Peixoto
Advogado, especialista em Direto Público pela Faculdade de Direito de Vila Velha e em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória.