Betinho já contava com 10 anos de idade e todos os anos
seus pais moviam céus e terra para elegê-lo “sinhozinho” na festa junina da
escola – festividade de vital importância para arrecadar dinheiro para o caixa.
O sinhozinho era a atração da festa: havia a entrega da
faixa, um prêmio pela vitória e a sensação de poder absoluto sobre os
amiguinhos.
Estudava num colégio estadual do subúrbio. O Regime
Militar chegava ao fim e as escolas particulares ainda não eram diferenciadas a
ponto de se transformarem na última esperança de um aprendizado de melhor
qualidade. Com isso, a escola pública não era frequentada apenas pelos mais carentes,
o que dificultava levar o prêmio.
É que cada pai e cada mãe têm a exata certeza de que seus
filhos são as pessoas mais importantes do mundo, e isso fazia com que houvesse
uma disputa carnívora entre genitores das “celebridades familiares” pelos
momentos de destaque no dia da festa. A mãe de Betinho empurrava vários carnês
para o pai vender na repartição pública em que trabalhava, enquanto passava nas
casas de amigas, conhecidas e parentes para vender votos e arrecadar brindes, brindes
esses que também valiam pontos. As pessoas eram mais receptivas e menos
ressentidas naqueles tempos, e não se sentiam incomodadas com o pedido de ajuda,
ao contrário da repulsa demonstrada nos dias atuais, quando alguém vem
“incomodar pedindo dinheiro”.
Estava a 5ª série do ginasial e nem sabia por que havia
cedido ao apelo das professoras para inscrever seu nome na disputa daquele ano.
Ele passava por uma nova fase da vida, vivenciava novas experiências. Acabara
de sair do primário, em que havia uma única professora, para o ginasial, no
qual tinha aulas com oito professores. Uma baita mudança que acarretava maiores
obrigações com os estudos e a obtenção de mais informações sobre o “sentido da
vida”. As “coisas de criança” ficavam para trás. Na realidade, no lugar de
puxar a quadrilha, do “Arraiá” da escola preferia participar da apresentação de
patins no dia da festa, evento que havia sido motivo de ciumeira por parte de
um colega de longa data, na disputa pela melhor patinadora.
A mãe percebeu a mudança e foi conversar com ele sobre a
falta de entusiasmo. Com seu amor infinito pelo único filho homem, e ainda por
cima temporão, olhou-o no fundo dos olhos e perguntou se realmente queria
participar e vencer a disputa naquele ano. Em sua inocência, ele achava que era
importante para ela, e meio constrangido, mesmo sem pressão alguma, disse sim.
Ela percebeu o sim chocho, mas não perguntou novamente para não pressionar. E
lá foi ela mover mundos e fundos para ele vencer outra vez.
No dia da apuração, ele estava em aula e a sua mãe foi ao
colégio. Encerrado o evento, ela foi à sala de aula. Ia aproveitar para levá-lo
embora com ela. Quando a viu, ele percebeu um semblante amuado, e perguntou:
- Perdi?
Ela, então, abriu um sorriso e disse:
- Não. Você venceu de novo. Enganei o bobo. Não foi fácil,
porque uma das mães quis ser mais esperta que as outras e desembolsou um bom
dinheiro após a apuração dos votos vendidos. Seu filho arrecadou mais, mas ela
esqueceu os brindes.
Mãe e filho foram embora, cúmplices, parceiros. Mais uma
vitória no caixa.
No dia da festa, já não corria pelo pátio da escola, nem
exibia, garboso, a faixa de sinhozinho como antes. Aliás, havia pedido à mãe
para guardá-la em sua bolsa, porque ficava com vergonha de usar aquilo perto de
seus amigos. Ela observava de longe, com ar de nostalgia, o menino que mudava a
cada dia. Então, sorriu, com olhos marejados – seu bebê estava crescendo.
Quando mais tarde ele se aproximou e disse que estava
cansado e queria ir embora, ela perguntou:
- Esse foi o último ano, né?
- É, mãe – disse ele. Acho que já estou grande demais
para isso. Obrigado pelo esforço, sei que não foi fácil. A senhora é a melhor
mãe do mundo.
Deu um beijo nela e partiu para se despedir dos amigos.
Sua mãe era uma mulher de temperamento empedernido, mas
sua generosidade e seus ensinamentos permeariam toda a vida de Betinho. Acima
de tudo, uma certeza ele teria até o fim de seus dias: acontecesse o que tivesse que acontecer, ninguém nesse mundo o amaria como ela o amou.
Fernando César Borges Peixoto. Advogado, niteroiense, metido a
escritor, ensaísta, cronista, contista e, de certa forma, saudosista