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Priiiiii! Priiiiii! Priiiiiiiiiiii!
Maninho
ouvia o apito final e saía de campo desolado: o Benfica Freyre Club acabava de
levar outra piaba, agora de 5x1 para o Noroeste de Altos e Baixos.
Acabara
de assumir o time, mal tivera tempo para conhecer os jogadores. Repetiu a
escalação do técnico anterior por achar que o conjunto falaria mais alto na
hora de enfrentar um dos lanternas do campeonato.
Não
conseguia entender como aquele time, com um elenco formado de grandes jogadores,
não conseguia emplacar.
João
Carlos Marques, o técnico substituído, era endeusado pela imprensa local, e o
presidente do time era o Prefeito, sem o qual o desenvolvimento jamais teria
chegado àquelas bandas, e talvez nem houvesse um campeonato tão concorrido,
dada a grandeza dos escretes que ele montava sem poupar dinheiro. O seu próprio
dinheiro, diga-se.
Não
havia como explicar que o time com os melhores jogadores, a maior estrutura, os melhores
salários, as maiores regalias, os maiores patrocínios, pudesse patinar no meio
da tabela, protagonizando apresentações vergonhosas em sua sede, talvez um dos
melhores estádios – e gramados – do Estado.
No
dia da reapresentação, antes mesmo do treino tático, ele chamou um por um dos
jogadores e perguntou o que eles achavam do que estava acontecendo. Várias
foram as informações colhidas, mas a principal veio de dois jogadores:
Fubazinho, um garoto que era o craque do time, e Espeto, o jogador mais experiente.
Fubazinho
disse que João Carlos Marques insistia em colocá-lo como segundo homem de
campo, indo e voltando para marcar, quando a sua principal arma, aquilo que
fizera a sua fama, era a visão de jogo, a enfiada de bola e o ataque
fulminante, pois chutava com as duas, uma de cada vez, logicamente.
Espeto
disse que o antigo treinador parecia escalar o time para perder. Ele entendia
que o “professor” agia assim apenas para atingir o Prefeito, que era um político
conservador muito querido na região, mas adversário político do Sr. Tobias, um
trotskista inveterado que ajudara a criar João Carlos Marques, cujo pai era alcoólatra,
batia em sua mãe e não evitou que alguns de seus irmãos morressem de inanição.
O
seu Tobias cuidara bem do menino, mas sentia um ódio figadal do Prefeito, simplesmente
por ódio à burguesia que o Sr. Jonas Modesto Braga representava para ele.
Espeto
era cria da cidade e conhecia a história de todos dali. Gozava de muito
respeito perante a sociedade e possuía inteligência acima da média. Era, enfim,
um homem muito perspicaz e observador.
E
assim Maninho, continuou ele, outra atitude não poderíamos esperar de Marques;
e concluiu: ele sabotava o time, perseguia o craque, Fubazinho, para prejudicar
a atuação do time, desmoralizar o prefeito e arruinar sua carreira política, esperando
que o partido extremista do Sr. Tobias assumisse a Prefeitura Municipal.
Diante
disso, chamou os dois jogadores de volta e perguntou a ambos quais as
modificações entendiam que ele deveria fazer para melhorar a performance do
time. Fez o mesmo com os olheiros.
Colhidas
as informações, já no treino com bola dividiu os coletes promovendo algumas alterações
– todas certeiras.
A
zaga seria formada por Casagrande e Senzala. Mocambo seria o segundo homem de
meio de campo, em razão do passe acertado, do vigor físico e a forte marcação.
Sobrado,
que era lateral-esquerdo, mas vinha atuando deslocado na lateral-direita,
voltou a sua posição como titular, e passou a destruir pela esquerda, cortando
por dentro e por fora no ataque, desconcertando os marcadores adversários.
Progresso,
que jogava à frente, no meio de campo, substituindo Fubazinho na criação e na
chegada, passou para a lateral-direita, sua posição de origem.
O
time mostrou uma evolução muito grande já no primeiro jogo, e acabou sendo o campeão
da temporada, mas a conquista veio apenas na última rodada, quando conseguiu
ultrapassar o Dínamo de Amendoeira no jogo que valia seis pontos. Apesar da
enorme diferença aberta pelo Dínamo, quase impossível de alcançar nos tempos de
Carlos Marques à frente do clube, o trabalho de Maninho surtiu efeitos.
Fubazinho,
que passou a jogar um pouco mais solto, escalado do jeito que gostava de atuar,
mas com o compromisso de não descuidar da marcação, foi artilheiro do
campeonato e o jogador que deu mais assistências. Garantiu o “bicho” da
rapaziada nos jogos seguintes e passou a ser ainda mais admirado por isso.
Aquela
temporada jamais saiu do imaginário dos torcedores do Benfica Freyre Club,
apesar da indiferença da imprensa local e do silêncio sepulcral de seus
jornalistas políticos, incapazes e invejosos. Várias gerações conheciam os
feitos daquele esquadrão liderado por Espeto e Fubazinho.
Sobrado
virou técnico do time, que jamais foi rebaixado ou andou mal das pernas sob sua
batuta, como um dia havia acontecido no campeonato aqui lembrado.
Espeto
montou uma escolinha de futebol e enviou jogadores para os maiores times de
futebol do país, além de manter contato direto com clubes da Ásia e dos Estados
Unidos, que vez por outra levava alguns de seus jogadores.
Fubazinho
foi jogar no Flamengo, levado por Maninho, que virou auxiliar-técnico do Mais
Querido do Brasil. Por lá ele jogou quatro temporadas – duas como titular –,
antes de fechar um contrato com o time de um sheik árabe. Ficou rico.
O
Prefeito Jonas, já falecido, emplacou a candidatura do seu vice na Prefeitura e
elegeu mais de 80% das cadeiras da Câmara dos Vereadores na eleição seguinte.
Hoje,
o filho mais velho de Jonas é o maior empresário da cidade; ele gera mais
empregos que a Prefeitura e financia vários projetos sociais nos quais é
proibido pregar ou impor ideologias políticas. Sua irmã caçula, que foi estudar
fora do país buscando a melhor formação possível e se preparar para continuar o desenvolvimento do Município, é a atual Prefeita. É uma gestora muito dedicada e responsável, e elege e reelege
quem quiser. Os vários filhos de Jonas são bem sucedidos, criaram uma enorme família feliz e trabalham em prol da comunidade, sem práticas ilícitas.
João
Carlos Marques continuou sendo chamado de o melhor filho que a cidade produzira
para o futebol, incensado pela imprensa esportiva local, formada por companheiros
de ideologia do Sr. Tobias. Tinha fama de ser alguém à frente de sua época, o que não
fazia jus a sua trajetória.
Mas nem todos engoliam essa notícia falsa. Muitos que viveram aqueles tempos
diziam que “João Capado” jamais deixou de ser um burro enaltecido por
jornalistas de meia-tigela. Capado, um homem invejoso, mau-caráter e saudosista, contador de
histórias gloriosas que jamais existiram no plano da realidade, morreu de
cirrose pouco tempo depois de passar pelo segundo trintenário.