quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Coisa de vício

Saí do Espírito Santo, estado que adotei para viver e formar minha família, para passar, com esposa e filhos, o Natal onde nasci, no Rio de Janeiro, com meus pais, que já ultrapassaram a expectativa de vida do brasileiro.
No trajeto, dirigi por várias horas – algumas a mais que o de costume, fruto das inúmeras cabines de cobrança de pedágio, do número de caminhões, do aumento de fluxo de carros em razão das festividades de fim de ano e do horário que decidi sair de casa, já que em regra opto por viajar de madrugada, quando há menos movimento nas estradas.
Descontando um irresponsável que fazia ultrapassagens perigosas com um Uno velho, com placa de Marataízes, a viagem transcorreu bem até chegarmos ao Rio de Janeiro, onde começou um festival de loucuras no trânsito, mais precisamente ultrapassagens pelo acostamento que punham em risco a vida dos transeuntes, dos irregulares ambulantes que se arriscam para reforçar o sustento e até dos que porventura precisassem parar por pane no veículo ou por problemas fisiológicos.
Quem fura filas, desrespeita a ordem, dá carteirada ou se vale de parentes, amigos ou da própria posição para obter vantagens e atalhos é aquele que se considera melhor que os outros, o que é uma grande falha de caráter. Eu abomino pessoas assim.
Em determinada altura, pude perceber que um desses apressadinhos acabou agraciado com um abalroamento. Era impossível não reconhecer aquele carro detonado, com janelas abertas num calor insuportável e transportando pessoas além de sua capacidade, inclusive crianças.
Chegamos ao bairro onde fui criado. As coisas continuam indo mal, começando pelo acesso à garagem da casa de meus pais, onde há sempre um carro estacionado. É uma mania torpe, de abrangência nacional, em que as pessoas parecem não pensar nem se importar com que idosos e doentes tenham que sair repentina e urgentemente em busca de um hospital. E minha mãe já foi socorrida algumas vezes pela SAMU. Mas, não para por aí. Há os aparelhos de som que tocam funks com letras de total depravação num volume altíssimo, obrigando a toda a vizinhança escutá-los com uma nitidez infernal. Talvez seja por essas e outras que grande parte das pessoas com quem convivi na juventude tenham ido embora dali.
Segue o rumo...
Comemorada a data natalícia, minimizada a saudade que nunca acaba, pusemo-nos de volta à estrada que estava movimentada até ficar completamente tomada até chegarmos à bifurcação que separa os caminhos que vão a Campos de Goytacazes e à Região dos Lagos.
Foi mais um show de irresponsabilidades, agora com o agravamento da velocidade. Carros de ricos, pobres e remediados passavam pelo acostamento pisando fundo enquanto patos (?), otários (?) ou simplesmente pessoas que tiveram acesso à educação e fizeram bom proveito disso ficavam por vezes paradas, esperando o trânsito andar. O mesmo trânsito que se avolumava por causa dos que ultrapassavam velozmente pelo acostamento. É interessante perceber que a falta de educação é realmente democrática, pois alcança pessoas de todos os matizes sociais, políticos e econômicos.
Mas, de todos esses absurdos, o que mais nos marcou foi ver uma demente cortando vários carros e caminhões por um acostamento irregular, num carro com várias crianças sem cinto de segurança. De quebra, ela jogou o carro com tudo para a esquerda, atravessando a pista para pegar a entrada de um Shopping Center em Campos de Goytacazes.
Ao passarmos por seu carro, vimos que ainda sorria no alto de sua incapacidade de perceber o perigo a que expunha os outros. Pessoas como ela deveriam perder a habilitação, mas o Estado que cobra tributos escorchantes, que nega o porte de arma facilitando a vida dos criminosos, que aplica multas para fazer caixa, que cobra IPVA e entrega as rodovias às concessionárias e seus pedágios, além de regular toda a nossa vida, curiosamente não coíbe essas atitudes nem evita arrastões em carros parados em certos trechos de engarrafamento (isso no Rio de Janeiro).
Antes de continuar, devo atentar para o fato de que as transgressões de trânsito não podem ser usadas de forma espúria para justificar o ataque aos cofres públicos pela quadrilha organizada que frequenta a elite política do país. É que muitos argumentam que o brasileiro é um desonesto em potencial, atribuindo-lhe capacidade para criar e por em prática, sem dificuldades, esquemas como o “petrolão” simplesmente porque fura a fila na padaria e cola na prova de inglês no ensino fundamental. É uma tentativa torpe de igualar o malandro-otário, o malandro-cocô aos que saquearam e ainda saqueiam o país.
Pois bem. Os apressadinhos são realmente desonestos e trapaceiros ao burlarem as normas de trânsito para ultrapassarem quem chegou antes, mas é possível criar regras e mecanismos que corrijam isso, basta a elite governante se preocupar em investir, inclusive na educação geral, e não apenas na educação no trânsito.
Poderia começar com um ensino médio e fundamental sem conteúdo ideológico e acabar com o privilégio e a impunidade de alguns que sabem que não serão importunados, seja porque não há vigilância ou porque se faz “vistas grossas”, seja porque alguém retira a multa ou em razão de uma carteirada. Outra coisa seria estudar e por em prática uma forma de inviabilizar o tráfego contínuo pelo acostamento.
Ademais, deve ser implantada uma punição mais rigorosa para motoristas mal-educados e desonestos que ignoram as regras de convivência e demonstram total desprezo pela vida alheia, agindo com dolo eventual apenas porque possuem a péssima mania de se imaginarem mais espertos ou superiores aos demais.
No final de tudo, é possível constatar algo básico após anos de empenho de muitos deseducadores: o brasileiro é viciado em ser mal-educado e em querer sempre levar vantagem sobre os outros. Qual será o próximo passo?


Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta, contista, cronista e, de certa forma, saudosista