segunda-feira, 12 de junho de 2017

A Incontinência


Aquela incontinência urinária o incomodava há meses, e pouco depois de adentrar e se instalar no restaurante, sentiu vontade de ir ao banheiro. Levantou-se da cadeira e seguiu os passos já conhecidos, naquele jeito de quem se espreme para não fazer ali mesmo, nas calças.
Bastou entrar e se trancar para ouvir tiros-gritos-tiros.
Ficou em estado de choque. Mijou igual um chafariz, molhando tudo ao redor, inclusive o sapato, e quando voltou a si, Penélope esmurrava a porta, gritando seu nome, histérica – quase como a moça do “Igu néra guei?” –, e perguntando se ele estava bem.
Saiu sem dar a descarga, e ela, sem tomar fôlego, foi logo o colocando a par dos acontecimentos, metralhando palavras desconexas.
Ao final, ele compreendeu que dois encapuzados haviam invadido o recinto e disparado vários tiros, a boa distância, no careca que estava sentado ao seu lado.
- Podiam ter acertado você, Tavinho. - E chorava...
Foram caminhando, e Tavinho já estava com tudo sob controle, apesar de incomodado com aquele sangue que saía do corpo do sujeito inerte, ainda descoberto, olhos esbugalhados e rosto deformado, esburacado pelas balas que o atingiram.
- É, podiam ter me acertado - respondeu. - E eu reclamando de meu problema. Vejo agora que isso só pode ter sido coisa de Deus: uma doença enviada por Deus... - falou, pausadamente, para encerrar, enfático:
- Não havia escolha. Era incontinência ou morte!


Fernando César Borges Peixoto

Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta, cronista, contista e, de certa forma, um saudosista que agora inventou de escrever poesia.