Dias atrás, alguém postou no facebook que liberais são
favoráveis à liberação das drogas porque as pessoas devem ter o poder da
escolha. E completou, com uma fina ironia, dizendo que isso faz sentido, pois é
do conhecimento geral que viciados em drogas fazem escolhas com muita
sabedoria.
Eu fiz um comentário e até compartilhei em minha timeline. Então,
veio um liberal neo-ateu e disse que, se fosse assim, deveria ser proibido “martelar”
uma religião na cabeça de uma criança. Por seu raciocínio, “da mesma forma” que
o viciado não é livre para escolher se drogar, a criança também não possui a
liberdade de escolher não ser “catequizada”. Mais adiante, ele ainda afirmou que
“não concorda” que a religião católica seja um dos pilares da nossa
civilização, pois “a civilização antecedeu a religião”.
É necessário dizer que o relativismo que impregna nossa
sociedade impressiona muito – e negativamente. A religião “martelada”, logicamente,
é o inimigo a ser batido, o que mais incomoda e o mais fácil de atacar. Qualquer
progressista, não obstante sua instrução seja monotemática ou limitada, conclui
de bate-pronto que quem se opõe à liberação de drogas é um reaça religioso, e
de preferência fanático. E, sem importar se os argumentos utilizados são
ligados ou não à doutrina religiosa, o cristianismo é atacado – o islamismo não
o é porque está muito longe de sua realidade. Puro condicionamento – bate no
espantalho aquele que tem pregui... [1].
A campanha é pesada contra esse que é o último bastião que
resiste, impedindo a total derrocada do Ocidente. Quem desconhece isso é um
alienado, ou se preocupa tanto com a economia que não percebe que nossa
sociedade atual, formada por ampla maioria de cristãos, diga-se, sofre em razão
do estágio em que chegou o marxismo cultural. Mas, vamos por partes.
Quanto ao nosso ordenamento jurídico, cabe observar que o artigo
5º, inciso VI, da CRFB/1988 dispõe que o ensinamento religioso não pode ser
proibido, pois a liberdade de crença é inviolável, o culto religioso é assegurado
a todos e os locais de culto devem gozar de proteção [2].
Já o artigo 1.634 do CC, que trata do poder familiar, atribui
aos pais o dever de dirigir a criação e a educação dos filhos.
Por fim, o artigo 12 do Pacto de San
Jose da Costa Rica [3] trata
da “liberdade de consciência e de religião”, assim dispondo em seu item nº 4:
4. Os pais e, quando for o caso, os tutores, têm
direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que
esteja de acordo com suas próprias convicções.
A religião Católica nos forneceu o conceito de moralidade, as
faculdades, o avanço em vários ramos das ciências e a noção de caridade, entre
muitas outras coisas. Apesar disso, é alvo dos que utilizam sua liberdade, algo
muito caro à nossa civilização, para criticá-la covarde e exageradamente.
É preciso ter em mente que em nome da liberdade aconteceu a
matança na Revolução Francesa, e o genocídio dos regimes comunistas de
Lênin/Stálin e Mao Tsé-Tung; e defender a agenda da esquerda não ajuda o liberal
a estabelecer seu pensamento político-filosófico, pois, tão logo seus “parceiros
de luta pela liberdade e pelas causas sociais” cheguem ao poder, a liberdade será
sacrificada em nome da (falsa) igualdade e da (falsa) fraternidade, custeadas
pelo contribuinte, porque essa é a esquerda.
Nesse estágio, são insuficientes as respostas de Mises ou
Rothbard para identificar e combater, efetivamente, os ardis criados pela
esquerda, porque os economistas da Escola Austríaca não trataram da ocupação de
espaços, da desinformação, da geração de instabilidade, da mobilização da
militância ou da utilização da força para chegar e se manter no poder. Ajamos com
prudência, então.
Há uma excelente exposição de Alexandre Borges nesse sentido,
numa “live” transmitida no facebook. Ao ser questionado se Barack Obama é
comunista, ele afirmou que o esquerdismo do “pior Presidente dos EUA” é menos
preocupado com a economia e mais com as questões sociais; e que esse é o
retrato da esquerda do século XXI [4]:
a única questão econômica que preocupa é a
chamada desigualdade. Para seus adeptos, se montar um “welfare state”, tirar
dinheiro de um e der para outro, está tudo resolvido. Eles não estão tão
mergulhados assim na agenda econômica – o que faz, inclusive, com que eu tenha
uma divergência profunda com alguns liberais (ou pseudo-liberais), que entram
no cenário da discussão política falando apenas de economia. Ora, essa agenda é
do século passado (XX), é uma agenda ultrapassada.
Segundo
o articulista, isso é mais bem compreendido na comparação entre o PT e o PSOL: o
PT é a esquerda do século XX, que fala na economia planificada, no trabalhismo,
no capital, na luta de classes, na questão do opressor vs. oprimido. Já o PSOL,
raramente fala em economia. Ele defende o Uber, o Netflix, o vale do silício, o
Google... Seus membros querem falar de desconstrução de gênero, negar a (ciência)
Biologia, negar que o homem nasce homem e a mulher nasce mulher – sua
preocupação é que o menininho e a menininha frequentem, por direito, o mesmo
banheiro no colégio...
Alexandre
Borges ainda acrescenta que é triste ver os liberais pensarem que a luta contra
a esquerda envolve apenas questões econômicas (diminuição da máquina estatal e
da carga tributária). Embora seja um tema muito importante, essa não é a
preocupação da nova esquerda, que defende a desconstrução de tudo e entendeu
que a melhor maneira de acabar com a civilização ocidental é desconstruindo
seus pilares, como religião, educação, família, patriotismo, ao mesmo tempo em que
introduz a ideologia de gênero, o aborto... A ruína não virá da economia, mas das chamadas instituições.
E, para
finalizar, ele entende que as pessoas que se dizem liberais porque defendem a
propriedade privada, o livre-mercado e tal, mas concordam com todas essas
questões da agenda social da esquerda, talvez não saibam, ou não tenham
entendido, mas são esquerdistas. E essa ignorância é fruto da falta de leitura.
A esquerda busca o “progresso” a qualquer custo, e não
importa se se sacrificam valores; evita o “retrocesso”, assim chamado tudo
aquilo que não está inserido em sua ideologia ou do qual não pode tirar
vantagem em favor dessa ideologia. Por fim, sempre mascara algo em suas ações para promover
sua ideologia, como inserir termos dúbios em dispositivos legais [5].
A maconha, prejudicial à saúde e capaz de transformar os
jovens que fazem uso continuado em esquizofrênicos [6],
é o boi de piranha para a liberação de outras drogas mais fortes, incluídas as
sintéticas, as que têm a substância ativa mais elevada (THC, p.ex.) e as que
transformam pessoas em zumbis.
Defensores da liberação não questionam quem cria, produz e
fomenta o consumo de drogas, nem o porquê. Ora, se produtos liberados para
produção e comercialização são falsificados e contrabandeados, como cigarro,
cerveja e uísque, imagine-se que drogas serão desenvolvidas, produzidas e
traficadas fora da regulamentação estatal. Imagine, ainda, quem possui o know-how de venda e
distribuição, senão os traficantes [7].
Usuários que perderam o controle de suas vidas buscarão
vítimas na sociedade para manter seu vício, e será a “morte” de muitas
famílias, por que a dependência química é uma doença contagiante.
A Holanda, um paraíso de drogados, vive às turras com a permissão
para o uso.
Por fim, essa permissão requer maior controle do Estado. Isso
não dá urticária no liberal [8]?
Deve ser um sonho governar pessoas entorpecidas, adoecidas, abobalhadas
e desumanizadas pelo efeito causado pelas drogas.
Mas, para refutar esses questionamentos, os progressistas
utilizam o princípio da liberdade, ao passo que recorrem ao argumento “ad
hominem” e apelam para a questão religiosa, para atacar aqueles que eles dizem que tentam usurpar a sua liberdade.
Voltando à questão da religião, vale à pena lembrar que a
editora Simonsen, numa
parceria com a ONG Estudantes
Pela Liberdade (EPL), realizou campanha de “crowdfunding” pela
kickante, para publicar o livro “Dissidente”, de Thomas Edward Woods Jr. [9], autor apresentado como
membro-sênior do Ludwig von Mises Institute e editor da “Libertarian Papers”.
De posse
dessas informações, podemos concluir que, minimamente, Woods é um liberal, o que
torna mais interessantes suas considerações sobre a Igreja Católica, constantes
num livro que, inclusive, rendeu uma série com 13 programas no History Channel [10],
de quase 6 horas de duração. Eis um trecho de seu pensamento [11]:
Os conceitos que o catolicismo introduziu no
mundo enraizaram-se tanto que até mesmo os movimentos contrários estão
frequentemente impregnados deles. Murray Rothbard fez notar até que ponto o
marxismo, uma implacável ideologia laica, foi buscar ideias religiosas nas
heresias cristãs do século XVI. E os intelectuais da progressista era americana
dos inícios do século XX, que se congratulavam por terem abandonado a sua fé
(largamente protestante), continuavam a discorrer servindo-se fundamentalmente
de um vocabulário claramente cristão.
Estes dados só reforçam o que já vimos: a Igreja
Católica não apenas contribuiu para a civilização ocidental – a Igreja
construiu essa civilização. É verdade que bebeu elementos do mundo antigo, mas
fê-lo de um modo que transformou a tradição clássica, melhorando-a.
Ao que
parece, a Igreja Católica é sim um dos pilares da Civilização Ocidental, junto
com o Direito Romano e a Cultura/Filosofia Grega, e não é possível encontrar
nenhuma teoria séria que afirme que os “bons selvagens” tenham criado essa
Civilização anteriormente.
Então,
vamos às considerações finais.
O objetivo
era mostrar que, o fato de odiarmos algo ou alguém com todas as nossas forças, não
nos capacita a sermos oráculos, não transforma em verdade o que pensamos ou
falamos a esse respeito.
Palavras
não devem ser jogadas ao vento, especialmente em relação a um tema de tamanha relevância.
É preciso ter bagagem teórica para iniciar e permanecer na discussão, e, consequentemente,
evitamos fazer o papel de tolos.
Essa
bobagem já estava esquecida, mas depois que reli um trecho muito interessante
da obra de Theodore Dalrymple, resolvi escrever o ensaio. Trata-se de algo simples,
que todos sabemos, mas que é difícil ser dito, como bem lembrou um amigo [12]:
É comum que se pense que ter uma opinião sobre
um assunto, algo que é ativo, é mais importante do que ter qualquer informação
sobre aquele assunto, que é passivo; e que a veemência (sentimento) com que se
sustenta uma opinião é mais importante do que os fatos (conhecimento) em que
ela se baseia.
Não adianta falar grosso, falar muito e não dizer nada. O
achismo aliado à inaptidão, à ignorância sobre determinado assunto, fruto da
educação e da cultura que se deterioram a cada dia, talvez seja um dos grandes
males do século.
É muito comum ver pessoas refutando questões complexas com um
simples “eu acho”, “eu entendo”. Eu convivi com um advogado assim, que achava
que as teorias de Direito que saíam de sua cabeça eram a legislação vigente ou
a jurisprudência formada. Mas, há algo ainda pior: a utilização do temível
“argumento kákáká” e do estupefaciente “argumento vai estudar” sem que uma única
referência embase seu desacordo.
Isso é tão pueril quanto fugir do enfrentamento após atiçar
uma discussão, ou tecer comentários que desqualificam temas, pessoas ou
instituições, apenas por ser incompatível a coexistência entre eles e seus valores
pessoais. Como um comunista pode falar do Deus católico, se a moral cristã vai
de encontro a sua visão materialista?
Por fim, todas as vezes que um ateu, seja ou não liberal,
resolve enaltecer sua ideologia diante de alguém que não partilha suas ideias,
uma das saídas que utiliza é ligar o “automático” e fazer referência ao
cristianismo com um toque (leve ou pesado) de menosprezo – sempre acompanhado
da falta de conhecimento para além do MEC. É uma espécie de adaptação do
“argumentum ad hitlerum” à Igreja de Jesus Cristo, que assanha a crítica destrutiva
ou a ridicularização daquela que é a religião “mais facinha” de ofender, pela
passividade de seus seguidores.
Talvez tenha passado da hora de elevar o tom e começar a
rebater os detratores.
NOTAS
[1] Ideia retirada de uma tirinha de gibi, onde
o personagem vai a um açougue e pede 1 kg de “lingui...”. O açougueiro, então,
pergunta o porquê de não falar “linguiça”, e ouve como resposta: - Porque eu
tenho pregui...;
[2] Essa
proteção, infelizmente, está no papel, porque não foram poucas as vezes que
militantes do movimento LGBT vandalizaram, atacaram e humilharam religiosos,
dogmas, símbolos e locais de culto dos cristãos. Eles ainda chamam os
religiosos de intolerantes, o que demonstra que o problema dos militantes é
mental e moral. Um militante escalafobético chegou a dizer que pegaria em armas
se preciso fosse, numa comissão no Congresso Nacional;
[3] O Plenário do STF, no HC 87.585/TO,
reconheceu que o Pacto de San Jose da Costa Rica (ou Convenção Americana sobre Direitos Humanos) possui caráter
de norma supralegal, tendo em vista que sua
internalização no Brasil, pelo Decreto nº 678, de 06/11/1992,
não seguiu o rito do artigo 5º, §3º, da CRFB/1988. Logo, hierarquicamente, está
acima das leis e abaixo da Constituição Federal;
[4] A resposta começa nos 20 minutos da
transmissão, aproximadamente (-
1:11:30). (Borges,
Alexandre. Eleições Americanas – Trump! Transmissão ao
vivo no perfil de Alexandre Borges no facebook, 10/11/2016, às 20h12m. Acesso em
12/11/2016);
[5] Um exemplo, no Brasil, foi o lobby do
movimento LGBT para a edição da “Lei da Homofobia”. Dizia-se que a luta era
pela liberação do casamento entre pessoas do mesmo sexo – quando já existia o
instituto da união estável, que atendia à demanda. O real objetivo era promover
o silêncio de líderes religiosos contra qualquer afronta à doutrina da fé
cristã. A punição prevista era de crime inafiançável contra quem violasse
direitos dos homossexuais, ou seja, a prisão do sacerdote que se negasse a
realizar o casamento na Igreja Cristã, ou admoestasse uma dupla gay que fosse
se beijar no templo ou no átrio. Outro exemplo, mas não tão escancarado,
envolve as clínicas de aborto nos EUA, presentes nos bairros pobres, com o
sugestivo nome de “planejamento familiar”. O que se busca, na verdade, é
interromper o crescimento da população carente, especialmente a negra, já que a
mentora intelectual, a eugenista Margareth Sanger, era envolvida com a Ku Klux
Klan. (Conheça a feminista que defendia o
aborto como meio de exterminar a população negra. Portal Conservador.
Disponível em https://portalconservador.com/conheca-a-feminista-que-defendia-o-aborto-como-meio-de-exterminar-a-populacao-negra/.
Acesso em 17/11/2016);
[11] WOODS JR., Thomas Edward. Como
a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental. 8. ed. São
Paulo: Quadrante, 2013, p. 206;
[12] DALRYMPLE, Theodore. Podres de mimados – As consequências do sentimentalismo tóxico. São
Paulo: É Realizações, 2015, p. 32.
Fernando César Borges
Peixoto
Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta, cronista contista e,
de certa forma, saudosista