quinta-feira, 30 de junho de 2016

Brasil, terra de contrastes [1]

Com o revezamento da tocha olímpica na cidade de Maracaju, no Mato Grosso do Sul, houve um fato inusitado. Marcelino Mateus Silva Proença, que aguardava a passagem do estafeta que levava “atocha olímpica”, munido de um balde d’água para apagar a “chama mágica”, não conseguiu seu intento, mas, considerando a grave ameaça que o ato representa à sociedade brasileira, homens da lei e da ordem rapidamente resolveram a querela – buscaram o cidadão em sua casa e o levaram preso, acusado de cometer crime de dano ao patrimônio cultural [2], previsto no artigo 62 da Lei nº 9.605/1998, cuja pena é de um a três anos e multa [3].

Nessa maré de desemprego em massa no país, o agora meliante desembolsou mil reais para não ficar preso, após confessar que não se tratou de um ato político, mas uma aposta ou brincadeira compartilhada no Facebook.

E não é que em 29/06/2016, além de uma professora de Maringá [4], outra jovem ameaça ao Estado brasileiro, munida de um extintor para tentar apagar esse símbolo da humanidade, foi presa em Cascavel, no Paraná, agora pela Força Nacional [5], organização criada para cumprir honrosas funções, como um dia o foram a SS nazista, os camisas negras do Duce (Benito Mussolini), e a Guarda Nacional bolivariana de Nicolás Maduro (herdada de Hugo Chávez, “o colibri”).


Segundo SIRVINSKAS, o patrimônio cultural protegido pela lei [6]:

... é formado por uma gama diversificada de produtos e subprodutos provenientes da sociedade. Esse patrimônio deve ser protegido em razão do seu valor cultural, pois constitui a memória de um país. Não se trata de interesse particular. O “interesse histórico e artístico responde a um particular complexo de exigências espirituais cuja satisfação integra os fins do Estado. É, em substância, uma especial qualificação do interesse geral da coletividade, como o interesse à sanidade, à moralidade, a (sic) ordem pública etc.”.
(...)
Protege-se, como se vê, o patrimônio cultural, ou seja, aquilo que possui valor histórico, artístico, arqueológico, turístico, paisagístico e natural.

     É importante salientar que a grafitagem de edificação ou monumento urbano, antes prevista no artigo 65 da mesma lei, foi descriminalizada. Para os bons entendedores, trata-se de arte.

Bom. Da confusa definição acima, é possível destacar que o artefato é considerado um produto ou subproduto advindo da sociedade, cujo interesse é comunal (não individual) e ligado à moralidade, além de possuir valor histórico.

Ora, o objeto do crime está ligado a um evento que, assim como a Copa do Mundo, não vai deixar legado algum e a cada dia envergonha mais o povo brasileiro (escarnecido pelos estrangeiros) pela falta de estrutura e competência de seus organizadores, políticos e construtores. Há ciclovia recém-inaugurada caindo como se de papelão (que papelão!); o local onde vários competidores mergulharão está altamente poluído, cheio de coliformes fecais; está prevista a conquista de poucas medalhas por nossos atletas; e foram feitos gastos gigantescos, que quebraram um Estado-membro e deu muito prejuízo à União. Cadê a moralidade e o valor histórico disso aí?

Mas, os contrastes dessa belíssima terra que tem palmeiras onde canta o sabiá (“sen A = cos B, sen B = cos A”) não param por aqui.

É impossível não pensar nesses acontecimentos e esquecer vários outros ocorridos nesses últimos tempos, especialmente a partir da derrocada do lulopetismo – ou, pelo menos, da exposição de seus males a quem quiser ouvir.

Para começar, as várias manifestações de coletivos, sindicatos etc., regados a dinheiro público para defender um governo que se mostra corrupto pelas inúmeras prisões realizadas no âmbito do Mensalão e da operação Lava Jato. Esse mesmo governo que quebrou a nação e suas desnecessárias, mas milionárias, empresas integralizadas com dinheiro público, como Petrobras, Correios, Caixa Econômica e Banco do Brasil. E não podemos esquecer as caixas de assistência dos servidores públicos, tungadas da mesma forma – a forma “democrática”.

Elas são sempre realizadas em dias úteis da semana, vindo pela “contramão, atrapalhando o tráfego” e também a locomoção de trabalhadores e de quem tem mais o que fazer, como ir para casa descansar depois de um dia de trabalho. A polícia protege.

Há também as porralouquizes zižekianas de “ocupai” (ou Inricristianas: Ocu-PAI???) qualquer coisa, o que não passa de uma invasão injusta de espaços públicos, como as escolas onde os eternamente mal atendidos alunos da rede pública são prejudicados por meia dúzia de crianças mimadas, baderneiras e de mente vazia, instigadas por sindicalistas e por um bando de come-dorme, todos financiados com o dinheiro público (olha ele aí de novo).

Nas faculdades – as públicas, que são as que sustentamos –, há a afronta à autoridade de professores, o que mostra a nítida inversão de valores que tomou conta do país nos últimos anos. Bichos-grilos e aluados, que querem impor a todos que adiram a suas ideologias e/ou imbecilidades. Para tanto, interrompem aulas e enchem o saco de quem quer estudar e se formar para encarar o mercado de trabalho – e não ficar vinte anos na universidade cultivando pelos, defecando e urinando nas escadas, e colecionando e alimentando espécies de piolhos ou contribuindo para surto de sarna (pra se coçar).

Logicamente, não há paralisação quando o assunto é a venda de drogas de consumo proibido nos campi das universidades Brasil afora [7].

Por fim, voltando às OlimPIADAS – esse sonho megalomaníaco, mas também rentável –, há gastos superfaturados, obras mal feitas, inacabadas e nem iniciadas, como a descocorização (ou desbostalização) da Baía de Guanabara [8], e ninguém é preso por isso... Pela Força Nacional... Ao vivo, em flagrante.

Não. E sabe por quê? Porque:

a) É o país dos embargos de declaração em embargos de declaração em embargos de declaração no Recurso Extraordinário; do julgador que suprime instâncias e concede “habeas corpus” de ofício em Reclamação Constitucional à qual negou a liminar, liberando da prisão o político que tem coragem de cobrar uma “mesada” sobre empréstimos consignados obtidos por aposentados que vivem em petição de miséria, nesses tempos de governo social de grandes conquistas negativas e que se diz golpeado; da censura judicial descabida que quer punir a fala de parlamentar marcado para ser destruído no congresso de um partido político, enquanto no dia imediatamente anterior a mesma Corte eximiu de simples prestação de contas uma parlamentar aliada ao referido partido, após sugerir que um Senador da República (um falso adversário, diga-se) é o traficante responsável por meia tonelada de cocaína encontrada num helicóptero;

b) É o país onde a corrupção foi elevada a enésima potência por um grupo de “humanistas humanitários” que “quer porque quer” levar adiante um projeto criminoso de poder para instaurar uma ditadura do proletariado no Brasil, estender a uma união de repúblicas socialistas no continente e escravizar todo o povo;

c) É o país onde a apuração de escândalos milionários de corrupção por um juiz de 1ª instância, que visa a acabar com a impunidade, sofre diversos ataques das classes política e empresarial, encalacradas por esquemas, esqueminhas e esquemões revelados a cada operação policial de nome criativo que abastece o processo;

d) É o país onde infrações que afrontam as idiossincrasias do estamento burocrático são fácil e rapidamente combatidas – vai apagar “atocha” para ver uma coisa. Porém, se ocorre crime mais violento, que imputa danos à sociedade, mas praticado por certos atores dessa sociedade (como apologia ao crime e tráfico de drogas por mulas ou traficantes de ficha limpa), uma brandura angelical toma conta de legisladores e julgadores, o que, consequentemente, deixa as autoridades policiais de mãos atadas e a sociedade desprotegida;

e) Por fim, é o país onde um hospital público, onde se espera que vidas sejam salvas, recebe o nome de um assassino covarde e preconceituoso.

É ou não é uma terra de contrastes?


NOTAS
[1] O título é uma homenagem ao Casseta & Planeta, grupo de humoristas que alcançaram grande destaque numa época em que as piadas eram engraçadas;

[2] KATAYAMA, Juliene. Homem é preso ao tentar apagar tocha olímpica com balde de água. G1, 26/06/2016. Disponível em http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2016/06/homem-e-preso-ao-tentar-apagar-tocha-olimpica-com-balde-de-agua.html. Acesso em 27/06/2016;

[3] A Lei nº 9.605/1998, que em sua seção IV trata dos Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural, assim dispõe em seu artigo 62:

Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:
I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;
II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

[4] Cordeiro, Luciane. Duas pessoas são presas por tentar apagar chama olímpica no Paraná. G1, 29/06/2016. Disponível em http://g1.globo.com/pr/norte-noroeste/noticia/2016/06/professora-e-presa-ao-tentar-apagar-chama-olimpica-com-cartaz-no-pr.html. Acesso em 30/06/2016;

[5] Jovem é preso ao tentar apagar a Tocha Olímpica em Cascavel. TN on line, 29/06/2016. Disponível em http://tnonline.uol.com.br/noticias/cotidiano/67,377984,29,06,jovem-acaba-preso-ao-tentar-apagar-a-tocha-olimpica-com-extintor-em-cascavel.shtml?cmpid=fb-uol. Acesso em 30/06/2016;

[6] SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 490;

[7] Calcagno, Luiz. Documento prevê proibição da venda de bebida alcoólica e fim dos CAs na UnB. Correio Braziliense, 19/01/2011. Disponível em http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2011/01/19/interna_cidadesdf,233096/documento-preve-proibicao-da-venda-de-bebida-alcoolica-e-fim-dos-cas-na-unb.shtml. Acesso em 28/06/2016;

[8] Despoluição da Baía de Guanabara já gastou R$ 10 bi e prevê mais R$ 20 bi. G1, 30/07/2015. Disponível em http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/07/despoluicao-da-baia-de-guanabara-ja-gastou-r-10-bi-e-preve-mais-r-20-bi.htmlAcesso em 28/06/2016.


Fernando César Borges Peixoto
Advogado, especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito de Vila Velha-ES e em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória-ES.