Oito
horas da manhã toca o telefone. Do outro lado uma voz feminina pergunta se é a
minha esposa quem fala. Educadamente digo que não e que ela havia saído para
trabalhar.
Oito
e vinte da manhã o telefone toca novamente. A mesma voz pergunta se é a minha esposa e se
moro no endereço tal, de onde nos mudamos há cinco anos. Digo um não duplo. Então,
ela pergunta se o telefone ainda é de minha esposa. Respondo que sim e pergunto
se poderia ajudar. Ela fala que é um assunto particular e pergunta a que horas
chegaria. Digo que costuma chegar por volta de uma da tarde com as crianças,
faz o almoço correndo e retorna ao trabalho. Agradecimentos. Desligamos.
Meio
dia e meia toca o telefone. A mesma senhora pergunta se minha mulher, que chegaria
à uma da tarde, estava em casa. Digo que não e peço para ajudá-la. Então descubro
que o “assunto particular” era a arrecadação de fundos para ajudar a alguém
acometido de problemas de saúde. Respondi pela enésima vez, dentre ligações
quase cotidianas, que nós não doamos mais dinheiro a nenhuma instituição que faz
contato via telefone, e falei que contribuímos com quem queremos à nossa
maneira, com o pouco que o Estado deixa sobrar. Depois contei uma conversa que tive
com minha esposa há alguns dias atrás, sobre a quantidade de lares, associações
e organizações que nos procuram e que desperdiçam muito mais que aproveitam as
doações recebidas.
Ela
ligava pela terceira vez só naquela manhã. A instituição que representa – se é
que existe e se é que representa – gasta uma fortuna com instalações, contas de
serviço público, como de telefone, os tributos embutidos e até salários. Por
fim, falei que o dinheiro utilizado para pagar tantas ligações faz falta à
pessoa necessitada ou faminta, dependendo da campanha do dia, a quem chegam
meros trocados. Ela desligou, não sem antes se despedir num misto de surpresa e
indignação.
Refletindo
sobre o assunto, dois fatos me vêm à lembrança. Primeiramente, o discurso do
partido dos trabalhadores, que está há mais de doze anos instalado no governo
federal. Um partido de discursos ambíguos: um para dentro, de caráter
totalitário e fisiológico, e outro para fora, pautado em mentiras e que prega a
desunião. Um partido que conta com a docilidade de sua suposta oposição, com a
ignorância e a fragilidade da população brasileira e com o talento populista de
seu maior representante.
Para
dar uma ideia dessa simbiose com a mentira, Paulo Henrique Amorim, um lulista
inveterado, fez duas postagens em seu blog com os seguintes títulos: “Lula e Dilma
acabaram com a fome”
1 e “Lula: acabar com a
fome desperta o ódio”
2. Ambas são reproduções
de dois textos: “Este
é o problema – o ‘déficit estomacal’, vulgo ‘fome’ – que os neoliberais
esquecem”,
de Fernando Brito, originalmente reproduzido no blog Tijolaço, e “Lula abre
conferência da FAO e diz que fim da fome é essencial para a construção da paz”, um discurso de Lula publicado
por seu Instituto.
De
início, vale dizer, embora pareça um mero repetidor de matérias produzidas para
outros sites, revistas etc., Amorim utiliza uma tática muito comum da esquerda
mundial, que é reproduzir e indicar obras e escritos daqueles que comungam da
mesma ideologia, bem como defender as mesmas teses em outros livros, artigos
etc., para dar ares de autoridade à ideia apresentada. No caso, ele ainda deu uma
“ajeitadinha” nos títulos, insinuando algo grandioso que efetivamente não
aconteceu.
No
primeiro post o blogueiro afirma que a fome “acabou”, embora não esteja escrito
no artigo. Fernando Brito criticou as reportagens do Globo, que disse que “mais de sete milhões
de pessoas ainda passam fome no país”, e da Folha, que destacou o aumento do “percentual de
famílias sem comida, mas com internet”, segundo pesquisa do IBGE. Afirmou que o Globo
sonegou a informação de que há alguns anos mais que o dobro dessas pessoas
passava fome no país, e que a Folha foi parcial porque “no mundo do consumo
e da informação querem o quê? Que as pessoas pobres não desejem as ferramentas
da vida moderna?”.
No
caso, a vigarice disfarçada de argumentos é tamanha que, contradizendo as
palavras do próprio Lula, segundo o qual “quem tem fome tem pressa” 3, ele afirma que é irrelevante o fato de que pessoas investem
no acesso à internet sem ter o que comer. Para ele, esse dado apresentado na
reportagem tem por finalidade macular a imagem do programa e da propaganda
oficial, ao passo que parece achar normal tal atitude – provavelmente culpa a
“elite branca ocidental golpista de olho azul” –, embora ao menos não afirme
que a fome acabou no Brasil.
O outro post é um discurso do
ex-presidente Lula na FAO, em junho de 2015, no qual, com sua usual falsa modéstia,
supervalorizou seus feitos e teceu loas aos seus comandados. Aliás, esse
discurso apresenta uma série de preciosidades, como: “Eu nunca pensei que
dar comida aos pobres causasse tanta indignação”. Mas sempre há espaço para mais. Vejamos:
O maior obstáculo que enfrentamos
sempre foi o preconceito por parte da imprensa brasileira e de alguns setores
privilegiados, da sociedade. Diziam que o Bolsa Família iria estimular a
preguiça. Que não passava de esmola do governo, ou pior: de compra de votos.
Lula certamente conta com sua massa acrítica
de seguidores, com o déficit intelectivo dos ouvintes e com o esquecimento ou o
desconhecimento de seus pronunciamentos passados, inclusive aquele em que desqualificou
os programas assistenciais que pariram seu bolsa família, propostos no governo
de FHC 4:
Olha, lamentavelmente, no Brasil o
voto não é ideológico; lamentavelmente, as pessoas não votam partidariamente; e,
lamentavelmente, você tem uma parte
da sociedade que pelo alto grau de empobrecimento, ela é conduzida a pensar
pelo estômago, e não pela cabeça. É por isso que se distribui tanta cesta
básica. É por isso que se distribui tanto tíquete de leite, porque isso, na verdade, é uma peça de troca em
época de eleição. E, assim, você despolitiza o processo eleitoral; você trata o povo mais pobre da mesma
forma que Cabral tratou os índios quando chegou no Brasil, tentando
distribuir bijuterias e espelho (sic) para ganhar os índios... Eles distribuem
alimento. Você tem como lógica manter a política de dominação, que é secular no
Brasil. (grifei)
Esse
é um belo exemplo da máxima atribuída a Lênin: “acuse-os de fazer o que você faz;
xingue-os do que você é”.
Quando se fala em mentiras, populismo, jogar sujo e subestimar a inteligência alheia
tudo é possível para o lulo-petismo. Ainda assim é bizarra a propaganda do Fome
Zero pelo ex-presidente que diz que “A FAO é dirigida por Francisco Graziano, que
lançou o programa Fome Zero, em 2003”, quando ministro no primeiro mandato de Lula 5. O “programa” mal saiu do
papel, mas é tratado como se existisse para fixar a importância de Graziano, um
subordinado seu que indicou para a FAO, e para apagar a figura do ex-presidente
FHC, quem começou a priorizar programas de veio assistencialista. Lembra as
personalidades apagadas das fotos pelo ditador Stalin.
Desse discurso na FAO ainda colhemos as
seguintes informações:
(i) “A superação da fome no Brasil,
apontada pelo relatório da FAO ‘O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo’, é
resultado da prioridade do estado brasileiro no combate à fome...”;
(ii) “... a própria FAO aponta o
crescimento da renda da parcela mais pobre da população brasileira. Entre 2001
e 2012, a renda dos 20% mais pobres cresceu três vezes mais do que a renda dos
20% mais ricos”. Além disso, no período também cresceu a oferta de alimentos
produzidos no País; e
(iii) O Mapa da Fome 2013 mostra que o
Brasil reduziu a pobreza extrema, mas há ainda mais de 16 milhões vivendo na
pobreza: 8,4% da população brasileira vive com menos de US$2,00 por dia.
Falou como se a
prioridade nos últimos anos não fosse o enriquecimento da elite política, nem a
injeção de dinheiro público em republiquetas e países governados por ditadores
amigos. Falou como se o sucesso do agronegócio, tão
importante para nossa balança comercial, resultasse dos assentamentos de “trabalhadores
sem terra” efetivados em seu governo, e não do investimento de grandes produtores
e empresas, esses sim, responsáveis por levarem comida à mesa dos brasileiros.
Tudo soa verdadeiro porque há uma militância
paga com dinheiro público e tratada com status de imprensa independente. Um exército
de blogueiros, revistas eletrônicas e afins compartilham os textos da “tchurma”,
quando não escrevem sobre a mesma notícia, para passar mensagens favoráveis ao
governo federal. Uma das ferramentas usadas é o método de alteração
de dados e da realidade para acusar adversários e promover o establishment. Vejamos um trecho da
entrevista coletiva cedida pelo ex-presidente a blogueiros progressistas no
Instituto Lula em 08/04/2014, quando confessou que mentia sobre dados e
pesquisas para fundamentar seus argumentos e atacar adversários 6:
Como eu
fui oposição muito tempo, eu cansei de viajar muito falando mal do Brasil, gente.
Era bonito a gente viajar o mundo e
falar: – No Brasil tem 30 milhões de crianças de rua.
A gente nem sabia...
Tem tantos milhões de abortos.
Era tudo clandestino, mas a gente ia chutando números, sabe?
Se o cara perguntasse a fonte, a
gente não tinha, mas ia citando números.
Eu não
esqueço nunca. Um dia eu estava debatendo eu (sic), o Roberto Marinho e o Jaime
Lerner em Paris. Aí eu “tava” lá falando... Eu tinha uns números, não sei de
que entidade que era, mas também não vou dizer aqui, porque eu já tenho 68 anos
e não vou dizer.
Mas eu “tava”
dizendo: porque no Brasil a gente tem 25 milhões de crianças de rua. Eu era
aplaudido calorosamente pelos franceses. Quando eu terminei de falar o Jaime
Lerner disse assim pra mim: – “Ô, Lula, não pode ter 25 milhões de crianças de
rua, Lula, porque senão a gente não conseguiria andar nas ruas, Lula. É muita
gente!”. (grifei)
A imprensa
fez vistas grossas e não denunciou esse comportamento antidemocrático e desleal.
Da mesma forma que se propagandeia o fim da fome, comenta-se que um sem-número
de pessoas ascendeu a classes sociais superiores. Só não fica claro que isso se
deu à custa de decreto, já que foram alçadas no papel, sem experimentar melhorias
na qualidade de vida. Ora, em a Secretaria de Assuntos Estratégicos
(SAE) da Presidência da República2013 definiu que indivíduos de famílias cuja
renda per capta varia entre R$ 291,99 e R$ 1.019,00 pertencem à classe média. E
isso não foi para fazer gracejo 7.
De outro lado, lembro as ações filantrópicas de
instituições que atuam a nível mundial, voltadas para a assistência de nossa população
carente, esquecida por esse governo falso provedor. Isso apesar de seus agentes
propagandistas afirmarem que não há mais fome no Brasil por obra e graça do
lulo-petismo. A ActionAid (apadrinhada pela atriz Julia Lemmertz) 8 e a Plan International
Brasil 9 exibem campanhas
na TV com o fito de aplacar a miséria das pessoas, em especial do Nordeste, tão
usado na propaganda do piedoso e humanista programa lulo-petista. É bom lembrar
que a região com tantos miseráveis é trocada por desvios bilionários do
dinheiro público para tocar um projeto de eternização no poder.
Para finalizar, quando terminava
esse ensaio assisti a uma entrevista com participações de Cândido Prunes e Olavo
de Carvalho 10, na qual Prunes
defendeu que os programas sociais mais eficientes são os que entregam o
dinheiro diretamente aos necessitados. É que o dinheiro arrecadado com a
finalidade de promover programas sociais, em regra proveniente do aumento da carga
tributária e da diminuição de investimentos em outras áreas (como
infraestrutura, saúde e educação), sempre acaba nas mãos de burocratas – e não apenas
no Brasil. No caso doméstico, sem produzir petróleo, sem possuir indústrias e com
um setor de serviços pouco desenvolvido, a renda per capta em Brasília é 30%
maior que no Rio de Janeiro e em São Paulo, e até 10 vezes maior que em Alagoas
e no Maranhão. Em suma, ele afirmou:
... a
burocracia fica com todos esses recursos e o dinheiro não chega ao pobre. Isso
acontece aqui no Brasil, isso acontece nos Estados Unidos, isso acontece em
qualquer país aonde o governo resolva ser o intermediador nesse processo de
transição da pobreza para a riqueza e a prosperidade.
A finalidade desse ensaio é estabelecer que sempre
que existe algo ou alguém entre o dinheiro destinado a programas sociais e o
beneficiário desses programas, ou há campanhas desenvolvidas por defensores de
causas humanitárias, a maior parte das vezes custeadas com dinheiro público,
muito pouco ou quase nada chega ao seu destino final, sendo pulverizado das
formas mais distintas possíveis – o que vai desde o pagamento de aluguel, de
serviços e de salários até o desvio, para encher os bolsos de quem vive de
fraudes e de lesar o Estado.
Esse é um dos grandes triunfos do ideal marxista:
acabou-se ou reduziu-se muito o exercício da caridade e o trabalho voluntariado.
Instituições foram fechadas principalmente por não atenderem a legislações
absurdas de um Estado regulador, que cria dificuldades intencionalmente para
dizer “deixa comigo” (ou “deixa que eu chuto”) e assumir a tarefa, que não executará
a contento, para depois utilizar a falta de verba como entrave para o avanço dos
programas sociais e, com isso, justificar novos aumentos de impostos (tributação,
melhor dizendo). Quando não é assim, terceiriza o serviço, entregando-o a fieis
companheiros, não sem antes despejar um monte de dinheiro público para tornar o
negócio atraente –foi assim com os estádios de futebol para a Copa do Mundo,
hoje administrados pela iniciativa privada.
Esse dinheiro, logicamente, jamais será realmente
revertido em prol dos necessitados. Ademais, esse sistema perverso, que
estabelece tamanha injustiça aos “pagadores de impostos”, faz com que muito
pouco sobre para o exercício da caridade, prática que estreita laços e aflora a
misericórdia, a humanidade e o amor das pessoas. O Estado não precisa disso.
Ele precisa de dinheiro. O povo que se lasque.
NOTAS
[1] AMORIM, Paulo
Henrique. Lula e Dilma acabaram com a
fome! Conversa Afiada, 18/12/2014. Disponível em < http://www.conversaafiada.com.br/economia/2014/12/18/lula-e-dilma-acabaram-com-a-fome
>. Acesso em 14/10/2015;
2 AMORIM, Paulo
Henrique. Lula: acabar com a fome
desperta ódio. Conversa Afiada, 08/06/2015. Disponível em < http://www.conversaafiada.com.br/economia/2015/06/08/lula-acabar-com-a-fome-desperta-odio
>. Acesso em 14/10/2015;
3 Parte do
discurso de Lula publicado por seu Instituto e reproduzido pelo blog Conversa
Afiada: “Lula e Dilma acabaram com a fome!”, referenciado na nota de rodapé nº
2 e destacado em seguida;
4 Lima, Anderson.
Lula
diz que o povo pensa com o estomago e não com a cabeça. Youtube, 14/03/2013. Disponível
em < https://www.youtube.com/watch?v=CTMckO9i53A
>. Aceso em 15/10/2015;
5 FAO/ONU: Brasil sai do mapa da fome mundial.
Limpinho e cheiroso, 17/09/2014. Disponível em < http://limpinhoecheiroso.com/2014/09/17/faoonu-brasil-sai-do-mapa-da-fome-mundial/
>. Acesso em 14/10/2015;
6 Lula admite que mentia e falsificava dados
quando era de oposição. Ficha Social, 17/09/2014. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=ekfxhw6thb8
>. Acesso em 18/10/2015;
7 Governo define que a classe média tem renda entre R$
291 e R$ 1.019 (Cidade Verde, em 24.07.2013).
Disponível em
< http://www.sae.gov.br/imprensa/sae-na-midia/governo-define-que-a-classe-media-tem-renda-entre-r-291-e-r-1-019-cidade-verde-em-24-07-2013/
>. Acesso em
26/10/2015;
8 ActionAid. A história de Paloma. 17/03/2015.
Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=4sHEJ5c2Mgk
>. Acesso em 07/10/2015;
9 Plan International Brasil apresenta
campanha para arrecadar fundos. Repense, 12/05/2015 Disponível em < http://propmark.com.br/anunciantes/plan-international-brasil-apresenta-campanha-para-arrecadar-fundos >. Acesso em 07/10/2015;
10 O que é o MST?
Um exército. Mídia sem Máscara, 30/08/2014. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=2YNWboJCNt4
>. Acesso em 19/10/2015.
Fernando
César Borges Peixoto é advogado, especialista em Direito Público pela Faculdade de
Direito de Vila Velha e em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade
Cândido Mendes de Vitória.