segunda-feira, 26 de outubro de 2015

De quem é a razão?


Oito horas da manhã toca o telefone. Do outro lado uma voz feminina pergunta se é a minha esposa quem fala. Educadamente digo que não e que ela havia saído para trabalhar.
Oito e vinte da manhã o telefone toca novamente. A mesma voz pergunta se é a minha esposa e se moro no endereço tal, de onde nos mudamos há cinco anos. Digo um não duplo. Então, ela pergunta se o telefone ainda é de minha esposa. Respondo que sim e pergunto se poderia ajudar. Ela fala que é um assunto particular e pergunta a que horas chegaria. Digo que costuma chegar por volta de uma da tarde com as crianças, faz o almoço correndo e retorna ao trabalho. Agradecimentos. Desligamos.
Meio dia e meia toca o telefone. A mesma senhora pergunta se minha mulher, que chegaria à uma da tarde, estava em casa. Digo que não e peço para ajudá-la. Então descubro que o “assunto particular” era a arrecadação de fundos para ajudar a alguém acometido de problemas de saúde. Respondi pela enésima vez, dentre ligações quase cotidianas, que nós não doamos mais dinheiro a nenhuma instituição que faz contato via telefone, e falei que contribuímos com quem queremos à nossa maneira, com o pouco que o Estado deixa sobrar. Depois contei uma conversa que tive com minha esposa há alguns dias atrás, sobre a quantidade de lares, associações e organizações que nos procuram e que desperdiçam muito mais que aproveitam as doações recebidas.
Ela ligava pela terceira vez só naquela manhã. A instituição que representa – se é que existe e se é que representa – gasta uma fortuna com instalações, contas de serviço público, como de telefone, os tributos embutidos e até salários. Por fim, falei que o dinheiro utilizado para pagar tantas ligações faz falta à pessoa necessitada ou faminta, dependendo da campanha do dia, a quem chegam meros trocados. Ela desligou, não sem antes se despedir num misto de surpresa e indignação.
Refletindo sobre o assunto, dois fatos me vêm à lembrança. Primeiramente, o discurso do partido dos trabalhadores, que está há mais de doze anos instalado no governo federal. Um partido de discursos ambíguos: um para dentro, de caráter totalitário e fisiológico, e outro para fora, pautado em mentiras e que prega a desunião. Um partido que conta com a docilidade de sua suposta oposição, com a ignorância e a fragilidade da população brasileira e com o talento populista de seu maior representante.
Para dar uma ideia dessa simbiose com a mentira, Paulo Henrique Amorim, um lulista inveterado, fez duas postagens em seu blog com os seguintes títulos: “Lula e Dilma acabaram com a fome1 e “Lula: acabar com a fome desperta o ódio2. Ambas são reproduções de dois textos: “Este é o problema – o ‘déficit estomacal’, vulgo ‘fome’ – que os neoliberais esquecem”, de Fernando Brito, originalmente reproduzido no blog Tijolaço, e “Lula abre conferência da FAO e diz que fim da fome é essencial para a construção da paz”, um discurso de Lula publicado por seu Instituto.
De início, vale dizer, embora pareça um mero repetidor de matérias produzidas para outros sites, revistas etc., Amorim utiliza uma tática muito comum da esquerda mundial, que é reproduzir e indicar obras e escritos daqueles que comungam da mesma ideologia, bem como defender as mesmas teses em outros livros, artigos etc., para dar ares de autoridade à ideia apresentada. No caso, ele ainda deu uma “ajeitadinha” nos títulos, insinuando algo grandioso que efetivamente não aconteceu.
No primeiro post o blogueiro afirma que a fome “acabou”, embora não esteja escrito no artigo. Fernando Brito criticou as reportagens do Globo, que disse que “mais de sete milhões de pessoas ainda passam fome no país”, e da Folha, que destacou o aumento do “percentual de famílias sem comida, mas com internet”, segundo pesquisa do IBGE. Afirmou que o Globo sonegou a informação de que há alguns anos mais que o dobro dessas pessoas passava fome no país, e que a Folha foi parcial porque “no mundo do consumo e da informação querem o quê? Que as pessoas pobres não desejem as ferramentas da vida moderna?”.
No caso, a vigarice disfarçada de argumentos é tamanha que, contradizendo as palavras do próprio Lula, segundo o qual “quem tem fome tem pressa3, ele afirma que é irrelevante o fato de que pessoas investem no acesso à internet sem ter o que comer. Para ele, esse dado apresentado na reportagem tem por finalidade macular a imagem do programa e da propaganda oficial, ao passo que parece achar normal tal atitude – provavelmente culpa a “elite branca ocidental golpista de olho azul” –, embora ao menos não afirme que a fome acabou no Brasil.
O outro post é um discurso do ex-presidente Lula na FAO, em junho de 2015, no qual, com sua usual falsa modéstia, supervalorizou seus feitos e teceu loas aos seus comandados. Aliás, esse discurso apresenta uma série de preciosidades, como: “Eu nunca pensei que dar comida aos pobres causasse tanta indignação”. Mas sempre há espaço para mais. Vejamos:
O maior obstáculo que enfrentamos sempre foi o preconceito por parte da imprensa brasileira e de alguns setores privilegiados, da sociedade. Diziam que o Bolsa Família iria estimular a preguiça. Que não passava de esmola do governo, ou pior: de compra de votos.

Lula certamente conta com sua massa acrítica de seguidores, com o déficit intelectivo dos ouvintes e com o esquecimento ou o desconhecimento de seus pronunciamentos passados, inclusive aquele em que desqualificou os programas assistenciais que pariram seu bolsa família, propostos no governo de FHC 4:
Olha, lamentavelmente, no Brasil o voto não é ideológico; lamentavelmente, as pessoas não votam partidariamente; e, lamentavelmente, você tem uma parte da sociedade que pelo alto grau de empobrecimento, ela é conduzida a pensar pelo estômago, e não pela cabeça. É por isso que se distribui tanta cesta básica. É por isso que se distribui tanto tíquete de leite, porque isso, na verdade, é uma peça de troca em época de eleição. E, assim, você despolitiza o processo eleitoral; você trata o povo mais pobre da mesma forma que Cabral tratou os índios quando chegou no Brasil, tentando distribuir bijuterias e espelho (sic) para ganhar os índios... Eles distribuem alimento. Você tem como lógica manter a política de dominação, que é secular no Brasil. (grifei)

Esse é um belo exemplo da máxima atribuída a Lênin: “acuse-os de fazer o que você faz; xingue-os do que você é”. Quando se fala em mentiras, populismo, jogar sujo e subestimar a inteligência alheia tudo é possível para o lulo-petismo. Ainda assim é bizarra a propaganda do Fome Zero pelo ex-presidente que diz que “A FAO é dirigida por Francisco Graziano, que lançou o programa Fome Zero, em 2003”, quando ministro no primeiro mandato de Lula 5. O “programa” mal saiu do papel, mas é tratado como se existisse para fixar a importância de Graziano, um subordinado seu que indicou para a FAO, e para apagar a figura do ex-presidente FHC, quem começou a priorizar programas de veio assistencialista. Lembra as personalidades apagadas das fotos pelo ditador Stalin.
Desse discurso na FAO ainda colhemos as seguintes informações:
(i) “A superação da fome no Brasil, apontada pelo relatório da FAO ‘O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo’, é resultado da prioridade do estado brasileiro no combate à fome...”;
(ii) “... a própria FAO aponta o crescimento da renda da parcela mais pobre da população brasileira. Entre 2001 e 2012, a renda dos 20% mais pobres cresceu três vezes mais do que a renda dos 20% mais ricos”. Além disso, no período também cresceu a oferta de alimentos produzidos no País; e
(iii) O Mapa da Fome 2013 mostra que o Brasil reduziu a pobreza extrema, mas há ainda mais de 16 milhões vivendo na pobreza: 8,4% da população brasileira vive com menos de US$2,00 por dia.

Falou como se a prioridade nos últimos anos não fosse o enriquecimento da elite política, nem a injeção de dinheiro público em republiquetas e países governados por ditadores amigos. Falou como se o sucesso do agronegócio, tão importante para nossa balança comercial, resultasse dos assentamentos de “trabalhadores sem terra” efetivados em seu governo, e não do investimento de grandes produtores e empresas, esses sim, responsáveis por levarem comida à mesa dos brasileiros.
Tudo soa verdadeiro porque há uma militância paga com dinheiro público e tratada com status de imprensa independente. Um exército de blogueiros, revistas eletrônicas e afins compartilham os textos da “tchurma”, quando não escrevem sobre a mesma notícia, para passar mensagens favoráveis ao governo federal. Uma das ferramentas usadas é o método de alteração de dados e da realidade para acusar adversários e promover o establishment. Vejamos um trecho da entrevista coletiva cedida pelo ex-presidente a blogueiros progressistas no Instituto Lula em 08/04/2014, quando confessou que mentia sobre dados e pesquisas para fundamentar seus argumentos e atacar adversários 6:
Como eu fui oposição muito tempo, eu cansei de viajar muito falando mal do Brasil, gente. Era bonito a gente viajar o mundo e falar: – No Brasil tem 30 milhões de crianças de rua.
A gente nem sabia...
Tem tantos milhões de abortos. Era tudo clandestino, mas a gente ia chutando números, sabe?
Se o cara perguntasse a fonte, a gente não tinha, mas ia citando números.
Eu não esqueço nunca. Um dia eu estava debatendo eu (sic), o Roberto Marinho e o Jaime Lerner em Paris. Aí eu “tava” lá falando... Eu tinha uns números, não sei de que entidade que era, mas também não vou dizer aqui, porque eu já tenho 68 anos e não vou dizer.
Mas eu “tava” dizendo: porque no Brasil a gente tem 25 milhões de crianças de rua. Eu era aplaudido calorosamente pelos franceses. Quando eu terminei de falar o Jaime Lerner disse assim pra mim: – “Ô, Lula, não pode ter 25 milhões de crianças de rua, Lula, porque senão a gente não conseguiria andar nas ruas, Lula. É muita gente!”. (grifei)

A imprensa fez vistas grossas e não denunciou esse comportamento antidemocrático e desleal. Da mesma forma que se propagandeia o fim da fome, comenta-se que um sem-número de pessoas ascendeu a classes sociais superiores. Só não fica claro que isso se deu à custa de decreto, já que foram alçadas no papel, sem experimentar melhorias na qualidade de vida. Ora, em a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República2013 definiu que indivíduos de famílias cuja renda per capta varia entre R$ 291,99 e R$ 1.019,00 pertencem à classe média. E isso não foi para fazer gracejo 7.
De outro lado, lembro as ações filantrópicas de instituições que atuam a nível mundial, voltadas para a assistência de nossa população carente, esquecida por esse governo falso provedor. Isso apesar de seus agentes propagandistas afirmarem que não há mais fome no Brasil por obra e graça do lulo-petismo. A ActionAid (apadrinhada pela atriz Julia Lemmertz) 8 e a Plan International Brasil 9 exibem campanhas na TV com o fito de aplacar a miséria das pessoas, em especial do Nordeste, tão usado na propaganda do piedoso e humanista programa lulo-petista. É bom lembrar que a região com tantos miseráveis é trocada por desvios bilionários do dinheiro público para tocar um projeto de eternização no poder.
Para finalizar, quando terminava esse ensaio assisti a uma entrevista com participações de Cândido Prunes e Olavo de Carvalho 10, na qual Prunes defendeu que os programas sociais mais eficientes são os que entregam o dinheiro diretamente aos necessitados. É que o dinheiro arrecadado com a finalidade de promover programas sociais, em regra proveniente do aumento da carga tributária e da diminuição de investimentos em outras áreas (como infraestrutura, saúde e educação), sempre acaba nas mãos de burocratas – e não apenas no Brasil. No caso doméstico, sem produzir petróleo, sem possuir indústrias e com um setor de serviços pouco desenvolvido, a renda per capta em Brasília é 30% maior que no Rio de Janeiro e em São Paulo, e até 10 vezes maior que em Alagoas e no Maranhão. Em suma, ele afirmou:
... a burocracia fica com todos esses recursos e o dinheiro não chega ao pobre. Isso acontece aqui no Brasil, isso acontece nos Estados Unidos, isso acontece em qualquer país aonde o governo resolva ser o intermediador nesse processo de transição da pobreza para a riqueza e a prosperidade.

A finalidade desse ensaio é estabelecer que sempre que existe algo ou alguém entre o dinheiro destinado a programas sociais e o beneficiário desses programas, ou há campanhas desenvolvidas por defensores de causas humanitárias, a maior parte das vezes custeadas com dinheiro público, muito pouco ou quase nada chega ao seu destino final, sendo pulverizado das formas mais distintas possíveis – o que vai desde o pagamento de aluguel, de serviços e de salários até o desvio, para encher os bolsos de quem vive de fraudes e de lesar o Estado.
Esse é um dos grandes triunfos do ideal marxista: acabou-se ou reduziu-se muito o exercício da caridade e o trabalho voluntariado. Instituições foram fechadas principalmente por não atenderem a legislações absurdas de um Estado regulador, que cria dificuldades intencionalmente para dizer “deixa comigo” (ou “deixa que eu chuto”) e assumir a tarefa, que não executará a contento, para depois utilizar a falta de verba como entrave para o avanço dos programas sociais e, com isso, justificar novos aumentos de impostos (tributação, melhor dizendo). Quando não é assim, terceiriza o serviço, entregando-o a fieis companheiros, não sem antes despejar um monte de dinheiro público para tornar o negócio atraente –foi assim com os estádios de futebol para a Copa do Mundo, hoje administrados pela iniciativa privada.
Esse dinheiro, logicamente, jamais será realmente revertido em prol dos necessitados. Ademais, esse sistema perverso, que estabelece tamanha injustiça aos “pagadores de impostos”, faz com que muito pouco sobre para o exercício da caridade, prática que estreita laços e aflora a misericórdia, a humanidade e o amor das pessoas. O Estado não precisa disso. Ele precisa de dinheiro. O povo que se lasque.

NOTAS
[1] AMORIM, Paulo Henrique. Lula e Dilma acabaram com a fome! Conversa Afiada, 18/12/2014. Disponível em < http://www.conversaafiada.com.br/economia/2014/12/18/lula-e-dilma-acabaram-com-a-fome >. Acesso em 14/10/2015;
2 AMORIM, Paulo Henrique. Lula: acabar com a fome desperta ódio. Conversa Afiada, 08/06/2015. Disponível em < http://www.conversaafiada.com.br/economia/2015/06/08/lula-acabar-com-a-fome-desperta-odio >. Acesso em 14/10/2015;
3 Parte do discurso de Lula publicado por seu Instituto e reproduzido pelo blog Conversa Afiada: “Lula e Dilma acabaram com a fome!”, referenciado na nota de rodapé nº 2 e destacado em seguida;
4 Lima, Anderson.  Lula diz que o povo pensa com o estomago e não com a cabeça. Youtube, 14/03/2013. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=CTMckO9i53A >. Aceso em 15/10/2015;
5 FAO/ONU: Brasil sai do mapa da fome mundial. Limpinho e cheiroso, 17/09/2014. Disponível em < http://limpinhoecheiroso.com/2014/09/17/faoonu-brasil-sai-do-mapa-da-fome-mundial/ >. Acesso em 14/10/2015;
6 Lula admite que mentia e falsificava dados quando era de oposição. Ficha Social, 17/09/2014. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=ekfxhw6thb8 >. Acesso em 18/10/2015;

7 Governo define que a classe média tem renda entre R$ 291 e R$ 1.019 (Cidade Verde, em 24.07.2013). Disponível em < http://www.sae.gov.br/imprensa/sae-na-midia/governo-define-que-a-classe-media-tem-renda-entre-r-291-e-r-1-019-cidade-verde-em-24-07-2013/ >. Acesso em 26/10/2015;

8 ActionAid. A história de Paloma. 17/03/2015. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=4sHEJ5c2Mgk >. Acesso em 07/10/2015;

9 Plan International Brasil apresenta campanha para arrecadar fundos. Repense, 12/05/2015 Disponível em < http://propmark.com.br/anunciantes/plan-international-brasil-apresenta-campanha-para-arrecadar-fundos >. Acesso em 07/10/2015;

10 O que é o MST? Um exército. Mídia sem Máscara, 30/08/2014. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=2YNWboJCNt4 >. Acesso em 19/10/2015.


Fernando César Borges Peixoto é advogado, especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito de Vila Velha e em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória.

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