Naquele ano as
coisas não andavam bem. Seus pais haviam se separado. E os professores reclamavam
de seu comportamento – iria ficar em recuperação, se não perdesse o ano direto.
Era muito novo
para pensar em namorada, até porque as meninas de sua idade pensavam em rapazes
mais velhos – ainda estava entrando na puberdade.
Sua mãe,
preocupada, disse que ia levá-lo a um médico, para ver se ele estava com “problema
de cabeça”. Poderia utilizar o plano de saúde de funcionário público do seu pai.
Então, lá se foi o menino conhecer o doutor.
Ao chegar,
começou a percorrer o espaço com os olhos. Não havia secretária. Na parede do
consultório, vários diplomas pendurados. Um senhor de aparência de estrangeiro,
com nome de estrangeiro, atendeu e falou:
- Entre, por
favor.
O consultório
ficava do outro lado da cidade. As consultas seriam às segundas-feiras, das dez
às onze da manhã, para dar tempo de chegar ao colégio estadual. O horário ruim
era fruto do plano, que cobria as sessões, “mas não cobria muito” – o dinheiro é
sempre mais bem vindo.
Comprava o
jornal de esportes na banca em frente ao prédio do médico – começava a adquirir
esse hábito. Futebol aos domingos, o Flamengo de Zico quase sempre ganhava.
Analisava o jogo junto com o jornalista. Discordava das notas abaixo de 9 dadas
ao jogadores do seu time, da mesma forma que ficava em polvorosa quando via um
6 ou mais para os perebas do time adversário.
Já na sala, ficava
calado, e o psiquiatra também. Se falasse alguma coisa, o doutor apertava os
olhos, demonstrando interesse, e esperava por mais permanecendo calado – o menino
tinha a impressão de que em algum momento seria sacado um cachimbo, e que um
violino seria tocado, produzindo um lindo som aveludado como incentivo. Mas, ele
não sabia o que falar.
Chegou uma
fase em que começou a ler o jornal no meio da sessão, pensando que seria chamado
à atenção, levaria uma bronca.
Que nada! O
psiquiatra ficava tentando olhar seu rosto por trás das folhas, e quando o
menino abaixava o jornal para facilitar sua vida, percebia que ele mexia a
cabeça igual a um passarinho, com leves meneios: ora para a direita, ora para a
esquerda, para cima e para baixo. Dava vontade de rir, mas não podia, por
educação.
Mais algum
tempo se passou e aquela situação começou a aborrecê-lo. Não abria mais a boca.
Ora, o cara tinha estudado, era médico... Por que não perguntava as coisas?
Nada mudava, e
o incômodo era cada vez maior. Não sentia nenhum progresso.
De outro lado,
havia coisas que o agradavam bastante... Não queria perder as experimentações a
que se submetia naqueles dias – verdadeiras aventuras. Adorava almoçar sozinho
na rua, onde escolhesse (que era sempre o mesmo lugar, diga-se). Com a grana
liberada comia dois “cheese tudo”, cada um com um copão de refri, e ainda
sobrava para o milk shake e umas cinco fichas de space invaders no fliperama ao
lado da lanchonete (não gostava de pimball).
No colégio,
dizia que tinha ido ao psiquiatra por causa da falta do pai em casa. Dava
status ser vitimista, assim como hoje. Poucos ali eram filhos de pais separados.
No máximo filhos de mães solteiras ou de viúvos, o que também era raro.
Vários meses
depois sua mãe teve o mesmo sentimento sobre o progresso do tratamento. O pai
achava que psiquiatra era “médico de maluco”. Talvez fosse mesmo.
Então, as
sessões foram interrompidas. E assim acabou a aventura das viagens de dois
ônibus para sair da periferia e chegar à zona sul. Junto, ficaram para trás o
almoço de sandubas, o fliperama... Até o hábito do jornal foi esquecido.
O menino
finalmente ficou sabendo que frequentava um psicólogo e fazia terapia freudiana
– pelo menos foi o que achou tempos depois.
No ano
seguinte tudo se acertou. Mas, até hoje ele não descobriu qual problema,
comportamental ou não, havia adquirido em razão das circunstâncias externas, da
separação de seus pais. Não sabia sequer se tinha problemas ou se era algo inerente
ao crescimento normal e sadio dos jovens – seu “envelhecimento”, a entrada na
puberdade, a juventude e a rebeldia. O que valeu foram as idas e vindas,
sozinho, para um local distante e pela primeira vez em sua vida; a preocupação
de se alimentar, divertir-se e cumprir horários. Coisas simples que não tinha
tido tempo de aprender até então porque havia a sua mãe a lhe direcionar.
Ah! As garotas
começaram a se interessar por ele...
Fernando
César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta,
contista, cronista e, de certa forma, saudosista.
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