Tempos atrás, escrevi um ensaio sobre
a ocupação de espaços de cunho gramsciano num programa de
culinária
exibido na TV [1].
Com a 1ª Temporada
do Masterchef Profissionais escrevi outro [2],
e agora publico sua continuação.
A discussão
não tomou conta das redes sociais como a questão do machismo, ficando restrita
aos participantes, mas ganhou corpo nos programas finais: o embate entre
progressismo e conservadorismo, e a adoção do discurso da esquerda de “obsolescência” do tradicional.
No curso do programa,
os jurados e os próprios participantes enfatizavam a “criatividade” e a “loucura”
dos contemporâneos e criativos Marcelo e Dário, enquanto não havia o mesmo
entusiasmo nos comentários aos tradicionalistas Ivo e Dayse.
Então, a
eliminatória disputada entre Dayse, Dário e Ivo, com Marcelo já classificado,
foi um momento marcante em razão de uma peculiaridade: Dayse deveria combinar
fraldinha e vieira num prato. Até os jurados a davam como eliminada, e Marcelo se
contorcia no mezanino, advertindo: “Se
essa mina ficar é a maior roubalheira da face da Terra. (...) Está horrível!
(...) Não tinha técnica nenhuma”.
Só que os
jurados elogiaram o prato, enquanto Marcelo dizia que era palhaçada, ridículo e
não acreditava. A jurada Paolla Carosella perguntou se queria provar, e ele
aceitou, provou, gostou e disse que Dayse tinha seu respeito [3]
- como se fizesse diferença.
Dário também
não acreditou que o prato estava bom, o que deixa claro que isso não bastou
para perceberem a qualidade da moça.
Ivo foi
eliminado, e veio o Top 3.
Por sua culinária
contemporânea, criativa, revolucionária, os Chefs Dário Costa e Marcelo Verde
acharam que fariam a final (justificaram na Reunião pós-final que tiveram esse
comportamento porque entenderam que o campeão seria o Chef mais inovador).
Ao final da
prova, foram dignas de nota as palavras da Chef Paola ao eliminado, Dário Costa.
Segundo disse, para quebrar as regras, é necessário conhecê-las antes, ou seja,
só quem domina as técnicas antigas, clássicas é capaz de inovar com sucesso [4].
Tome-lhe!
Afinal, foi outro que se vangloriou de sua cozinha moderna, em contraposição ao
“atraso” da colega.
Mas, sempre
é possível piorar.
Quando viu
que disputaria a final com a Dayse, Marcelo Verde fez jus ao nome e falou em
voz alta que venceria a disputa. Ele ainda repetiu isso quando estava ao lado
dela, “como se a finalista não estivesse
ali, exatamente ao seu lado para ouvir o colega cantar vitória antes da hora”
[5]. Era um
show de prepotência e imaturidade.
Chegava a
final. E a maior ironia é que, se ambos possuíam o mesmo número de vitórias,
Marcelo tinha disputado a eliminação mais vezes. Ou seja, a trajetória de Dayse era superior.
Mas, o rapaz achava que sua cozinha inovadora
passearia na final.
Dayse havia
trabalhado no Hotel Fasano,
no Due Cuocci e com o Chef Laurent Suaudeau [6]. Além disso, a 1ª eliminatória que disputou
foi justamente a prova que a levaria à final. E ela foi.
Ficou muito
claro o comportamento conservador de Dayse, que ainda disse que:
(i) “não considera que
seus adversários tenham menosprezado sua competência pelo fato de ser mulher”
[7];
(ii) “O ambiente na cozinha é muito duro. É
quente, machuca, é pesado. Por isso é que os homens se destacam mais. As
mulheres não podem ser mulherzinhas, ter mimi. É um ambiente masculino por esse
motivo. Ela precisa ser tão forte quanto os homens. Precisa ser ogra, durona.
(...) Tem mulheres que são muito sonsas, não pode ser tão assim devagar.
Acaba prejudicando a imagem das outras” [8];
(iii) não queria se tornar
um símbolo do feminismo [9];
(iv)
A rispidez do mestre com os comandados era algo que funcionava quando era aprendiz,
mas hoje ela acha que não dá mais certo, em razão das pessoas serem ressentidas
demais e se magoarem por qualquer coisa [10];
(v)
Venceu, em primeiro lugar, pela honra e glória de Jesus, deixando clara a sua religiosidade.
Considerando
que a edição do programa decide o que vai ao ar, na 1ª temporada dos profissionais
o marxismo cultural foi abordado de forma escancarada na questão do gênero (feministas
atacando o “machismo” na cozinha), e de forma mais sutil no desprezo e no repúdio
ao que é conservador. Veja que qualquer coisa relativa ao conservadorismo é
digna de rechaço e de ridicularização, pois confronta a agenda progressista,
revolucionária. E isso não se estendeu ao público porque a sociedade foi estimulada
a se opor ao conservadorismo, apesar de, mesmo sem saber, a ampla maioria dos
brasileiros defender princípios conservadores, ao mesmo tempo em que, como num
sincretismo, abraça pautas da esquerda.
Marcelo adotou
um comportamento tosco por se sentir superior com sua cozinha contemporânea. E
para piorar, ao final de sua participação marcada pela arrogância e ar de
superioridade, mostrou-se um péssimo perdedor, exatamente porque foi vencido por
uma conservadora que, pela sua ótica, “copia
pratos” [11].
Ele não
percebeu que ela foi constante, não se desesperou e domina a arte de temperar,
ao passo que ele, segundo os jurados, oscilava muito, ora alcançando o sublime,
ora servindo um pesadelo. O simples fato de inovar sempre e se arriscar compulsivamente
não garante o alcance de grandes resultados.
O
conservador prefere manter o que deu certo e arriscar apenas quando for
necessário. Ele não teme promover mudanças, mas o faz com cautela, evitando
cair no erro da “mudança pela mudança”,
tão comum no meio revolucionário/progressista.
Aliás, o
fato de o conservador não ser refratário a mudanças prova que seus detratores
atacam um espantalho, em especial ao acusar o conservador de reacionário, que é
quem não admite mudanças e pretende voltar a viver como no passado.
A prova de
quem está com a razão foi vista no resultado final. Havia os que tinham a
necessidade de, a todo tempo, “testar
seus limites”, e havia os desprezados, menos afoitos, que têm a exata noção
de que algumas coisas devem ser preservadas, ao passo que mudanças necessárias devem
ser feitas sem espetacularizações.
Os afoitos
esqueceram (ou não sabem) que a inovação deve existir TAMBÉM, mas não apenas. A
vencedora sabia que as ações devem ser realizadas no momento certo e com a
devida prudência, que é “a maior das
virtudes”.
Aplique isso
em sua vida também.
NOTAS
[1] PEIXOTO, Fernando
César Borges. Comida, ocupação de espaços
e doutrinação. Impressões e Confissões Expressas, 23/07/2016. Disponível em
http://fernandopeixoto-es.blogspot.com.br/2016/07/comida-ocupacao-de-espacos-e-doutrinacao.html. Acesso em 14/12/2016;
[2] PEIXOTO, Fernando
César Borges. Novamente a politização da
culinária (I): feminismo vs. machismo. Mídia Inversa, 02/01/2017.
Disponível em http://midiainversa.com/novamente-politizacao-da-culinaria-i-feminismo-vs-machismo/. Acesso em
02/01/2017;
[3] Masterchef
profissionais. Temporada 01, Episódio 09, Parte
04. Masterchef Brasil, 29/11/2016. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Y3AzQzgih7c&t=1431s. Acesso em 15/12/2016;
[4] Masterchef
profissionais. Temporada 01, Episódio 10, Parte
05. Masterchef Brasil, 06/12/2016. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=_kTcjfQVWjk&t=225s. Acesso em 14/12/2016;
[5] Semi-final
do Masterchef tem choro de Paola Carosella e Marcelo cantando vitória antes da
final, veja o que rolou!. Slide 10. Estrelando, 14/12/2016.
Disponível em http://www.estrelando.com.br/foto/2016/12/07/semi-final-do-masterchef-tem-choro-de-paola-carosella-e-marcelo-cantando-vitoria-antes-da-final-veja-o-que-rolou-211093. Acesso em
14/12/2016;
[6] Masterchef
Profissionais. Site oficial. Disponível em http://entretenimento.band.uol.com.br/masterchef/profissionais/2016/participantes/dayse-paparoto. Acesso em
14/12/2016;
[7] Perline, Gabriel. Irmã de Marcelo xinga
jurados; veja o que rolou nos bastidores da final do “MasterChef
Profissionais”. Estadão,
14/12/2016. Disponível em http://emais.estadao.com.br/blogs/gabriel-perline/irma-de-marcelo-xinga-jurados-veja-o-que-rolou-nos-bastidores-da-final-do-masterchef-profissionais/. Acesso em
14/12/2016;
[8] Aloi, Rafael.
Dayse, do “MasterChef”: “Tem
mulher sonsa, cozinha pede ogra”.
Veja, 14/12/2016. Disponível em http://veja.abril.com.br/entretenimento/dayse-a-masterchef-tem-mulher-sonsa-cozinha-pede-ogra/. Acesso em 14/12/2016;
[9] PESSOA, Gabriela Sá. “Não quero ser
símbolo do feminismo”, diz Dayse após final do “MasterChef”. Folha de São Paulo, 14/12/2016.
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/12/1841288-nao-quero-ser-simbolo-do-feminismo-diz-dayse-apos-final-do-masterchef.shtml. Acesso em
14/12/2016;
[10] A campeã “tchururu” do
primeiro Masterchef Profissionais. Bons de
Garfo. Veja.com, 15/12/2016. Disponível em http://veja.abril.com.br/tveja/bons-de-garfo/a-campea-tchururu-do-primeiro-masterchef-profissionais/. Acesso em 15/12/2016;
[11] Masterchef
profissionais: A Reunião, Parte 04.
Masterchef Brasil, 20/12/2016. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=G2YBubEzb5k. Acesso
em 21/12/2016.
Fernando César Borges Peixoto. Advogado,
pós-graduado em Direito
Público e em Direito Civil e Processual Civil, niteroiense,
metido a escritor, ensaísta, cronista, contista e, de certa forma, saudosista.
Originalmente publicado no Portal Mídia Inversa: http://midiainversa.com/novamente-politizacao-da-culinaria-ii-classicoconservador-vs-contemporaneorevolucionario/