domingo, 15 de janeiro de 2017

Novamente a politização da culinária (II): clássico/conservador vs. contemporâneo/revolucionário


Tempos atrás, escrevi um ensaio sobre a ocupação de espaços de cunho gramsciano num programa de culinária exibido na TV [1]. Com a 1ª Temporada do Masterchef Profissionais escrevi outro [2], e agora publico sua continuação.
A discussão não tomou conta das redes sociais como a questão do machismo, ficando restrita aos participantes, mas ganhou corpo nos programas finais: o embate entre progressismo e conservadorismo, e a adoção do discurso da esquerda de “obsolescência” do tradicional.
No curso do programa, os jurados e os próprios participantes enfatizavam a “criatividade” e a “loucura” dos contemporâneos e criativos Marcelo e Dário, enquanto não havia o mesmo entusiasmo nos comentários aos tradicionalistas Ivo e Dayse.
Então, a eliminatória disputada entre Dayse, Dário e Ivo, com Marcelo já classificado, foi um momento marcante em razão de uma peculiaridade: Dayse deveria combinar fraldinha e vieira num prato. Até os jurados a davam como eliminada, e Marcelo se contorcia no mezanino, advertindo: “Se essa mina ficar é a maior roubalheira da face da Terra. (...) Está horrível! (...) Não tinha técnica nenhuma”.
Só que os jurados elogiaram o prato, enquanto Marcelo dizia que era palhaçada, ridículo e não acreditava. A jurada Paolla Carosella perguntou se queria provar, e ele aceitou, provou, gostou e disse que Dayse tinha seu respeito [3] - como se fizesse diferença.
Dário também não acreditou que o prato estava bom, o que deixa claro que isso não bastou para perceberem a qualidade da moça.
Ivo foi eliminado, e veio o Top 3.
Por sua culinária contemporânea, criativa, revolucionária, os Chefs Dário Costa e Marcelo Verde acharam que fariam a final (justificaram na Reunião pós-final que tiveram esse comportamento porque entenderam que o campeão seria o Chef mais inovador).
Ao final da prova, foram dignas de nota as palavras da Chef Paola ao eliminado, Dário Costa. Segundo disse, para quebrar as regras, é necessário conhecê-las antes, ou seja, só quem domina as técnicas antigas, clássicas é capaz de inovar com sucesso [4].
Tome-lhe! Afinal, foi outro que se vangloriou de sua cozinha moderna, em contraposição ao “atraso” da colega.
Mas, sempre é possível piorar.
Quando viu que disputaria a final com a Dayse, Marcelo Verde fez jus ao nome e falou em voz alta que venceria a disputa. Ele ainda repetiu isso quando estava ao lado dela, “como se a finalista não estivesse ali, exatamente ao seu lado para ouvir o colega cantar vitória antes da hora[5]. Era um show de prepotência e imaturidade.
Chegava a final. E a maior ironia é que, se ambos possuíam o mesmo número de vitórias, Marcelo tinha disputado a eliminação mais vezes. Ou seja, a trajetória de Dayse era superior. Mas, o rapaz achava que sua cozinha inovadora passearia na final.
Dayse havia trabalhado no Hotel Fasano, no Due Cuocci e com o Chef Laurent Suaudeau [6]. Além disso, a 1ª eliminatória que disputou foi justamente a prova que a levaria à final. E ela foi.
Ficou muito claro o comportamento conservador de Dayse, que ainda disse que:
(i)não considera que seus adversários tenham menosprezado sua competência pelo fato de ser mulher[7];
(ii)O ambiente na cozinha é muito duro. É quente, machuca, é pesado. Por isso é que os homens se destacam mais. As mulheres não podem ser mulherzinhas, ter mimi. É um ambiente masculino por esse motivo. Ela precisa ser tão forte quanto os homens. Precisa ser ogra, durona. (...) Tem mulheres que são muito sonsas, não pode ser tão assim devagar. Acaba prejudicando a imagem das outras[8];
(iii) não queria se tornar um símbolo do feminismo [9];
(iv) A rispidez do mestre com os comandados era algo que funcionava quando era aprendiz, mas hoje ela acha que não dá mais certo, em razão das pessoas serem ressentidas demais e se magoarem por qualquer coisa [10];
(v) Venceu, em primeiro lugar, pela honra e glória de Jesus, deixando clara a sua religiosidade.
Considerando que a edição do programa decide o que vai ao ar, na 1ª temporada dos profissionais o marxismo cultural foi abordado de forma escancarada na questão do gênero (feministas atacando o “machismo” na cozinha), e de forma mais sutil no desprezo e no repúdio ao que é conservador. Veja que qualquer coisa relativa ao conservadorismo é digna de rechaço e de ridicularização, pois confronta a agenda progressista, revolucionária. E isso não se estendeu ao público porque a sociedade foi estimulada a se opor ao conservadorismo, apesar de, mesmo sem saber, a ampla maioria dos brasileiros defender princípios conservadores, ao mesmo tempo em que, como num sincretismo, abraça pautas da esquerda.
Marcelo adotou um comportamento tosco por se sentir superior com sua cozinha contemporânea. E para piorar, ao final de sua participação marcada pela arrogância e ar de superioridade, mostrou-se um péssimo perdedor, exatamente porque foi vencido por uma conservadora que, pela sua ótica, “copia pratos[11].
Ele não percebeu que ela foi constante, não se desesperou e domina a arte de temperar, ao passo que ele, segundo os jurados, oscilava muito, ora alcançando o sublime, ora servindo um pesadelo. O simples fato de inovar sempre e se arriscar compulsivamente não garante o alcance de grandes resultados.
O conservador prefere manter o que deu certo e arriscar apenas quando for necessário. Ele não teme promover mudanças, mas o faz com cautela, evitando cair no erro da “mudança pela mudança”, tão comum no meio revolucionário/progressista.
Aliás, o fato de o conservador não ser refratário a mudanças prova que seus detratores atacam um espantalho, em especial ao acusar o conservador de reacionário, que é quem não admite mudanças e pretende voltar a viver como no passado.
A prova de quem está com a razão foi vista no resultado final. Havia os que tinham a necessidade de, a todo tempo, “testar seus limites”, e havia os desprezados, menos afoitos, que têm a exata noção de que algumas coisas devem ser preservadas, ao passo que mudanças necessárias devem ser feitas sem espetacularizações.
Os afoitos esqueceram (ou não sabem) que a inovação deve existir TAMBÉM, mas não apenas. A vencedora sabia que as ações devem ser realizadas no momento certo e com a devida prudência, que é “a maior das virtudes”.
Aplique isso em sua vida também.

NOTAS




[1] PEIXOTO, Fernando César Borges. Comida, ocupação de espaços e doutrinação. Impressões e Confissões Expressas, 23/07/2016. Disponível em http://fernandopeixoto-es.blogspot.com.br/2016/07/comida-ocupacao-de-espacos-e-doutrinacao.html. Acesso em 14/12/2016;
[2] PEIXOTO, Fernando César Borges. Novamente a politização da culinária (I): feminismo vs. machismo. Mídia Inversa, 02/01/2017. Disponível em http://midiainversa.com/novamente-politizacao-da-culinaria-i-feminismo-vs-machismo/. Acesso em 02/01/2017;
[3] Masterchef profissionais. Temporada 01, Episódio 09, Parte 04. Masterchef Brasil, 29/11/2016. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Y3AzQzgih7c&t=1431s. Acesso em 15/12/2016;
[4] Masterchef profissionais. Temporada 01, Episódio 10, Parte 05. Masterchef Brasil, 06/12/2016. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=_kTcjfQVWjk&t=225s. Acesso em 14/12/2016;
[5] Semi-final do Masterchef tem choro de Paola Carosella e Marcelo cantando vitória antes da final, veja o que rolou!. Slide 10. Estrelando, 14/12/2016. Disponível em http://www.estrelando.com.br/foto/2016/12/07/semi-final-do-masterchef-tem-choro-de-paola-carosella-e-marcelo-cantando-vitoria-antes-da-final-veja-o-que-rolou-211093. Acesso em 14/12/2016;
[6] Masterchef Profissionais. Site oficial. Disponível em http://entretenimento.band.uol.com.br/masterchef/profissionais/2016/participantes/dayse-paparoto. Acesso em 14/12/2016;
[7] Perline, Gabriel. Irmã de Marcelo xinga jurados; veja o que rolou nos bastidores da final do “MasterChef Profissionais”. Estadão, 14/12/2016. Disponível em http://emais.estadao.com.br/blogs/gabriel-perline/irma-de-marcelo-xinga-jurados-veja-o-que-rolou-nos-bastidores-da-final-do-masterchef-profissionais/. Acesso em 14/12/2016;
[8] Aloi, Rafael. Dayse, do “MasterChef”: “Tem mulher sonsa, cozinha pede ogra”. Veja, 14/12/2016. Disponível em http://veja.abril.com.br/entretenimento/dayse-a-masterchef-tem-mulher-sonsa-cozinha-pede-ogra/. Acesso em 14/12/2016;
[9] PESSOA, Gabriela Sá.Não quero ser símbolo do feminismo, diz Dayse após final do MasterChef. Folha de São Paulo, 14/12/2016. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/12/1841288-nao-quero-ser-simbolo-do-feminismo-diz-dayse-apos-final-do-masterchef.shtml. Acesso em 14/12/2016;
[10] A campeã “tchururu” do primeiro Masterchef Profissionais. Bons de Garfo. Veja.com, 15/12/2016. Disponível em http://veja.abril.com.br/tveja/bons-de-garfo/a-campea-tchururu-do-primeiro-masterchef-profissionais/. Acesso em 15/12/2016;
[11] Masterchef profissionais: A Reunião, Parte 04. Masterchef Brasil, 20/12/2016. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=G2YBubEzb5k. Acesso em 21/12/2016.




Fernando César Borges Peixoto. Advogado, pós-graduado em Direito Público e em Direito Civil e Processual Civil, niteroiense, metido a escritor, ensaísta, cronista, contista e, de certa forma, saudosista.



Originalmente publicado no Portal Mídia Inversa: http://midiainversa.com/novamente-politizacao-da-culinaria-ii-classicoconservador-vs-contemporaneorevolucionario/

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