segunda-feira, 1 de maio de 2017

Três atos de escrotidão

1º Ato.
Feito o pregão, entro na sala de audiências com o preposto do banco, após dar passagem ao colega e a seu cliente, um idoso. O conciliador ainda se ajeitava na cadeira, quando me foi perguntado o valor da proposta.
- Não há proposta, Dr. - respondi ao advogado.
- O Dr. está de brincadeira comigo? - disse ele - V. Sª me fez vir aqui à toa?
Retruquei:
- Dr., eu marquei algum encontro com V. Sª? Sou obrigado a fazer propostas? Cuide do seu trabalho, e eu cuido do meu.
Uma voz fina e assustada invade o ambiente:
- Drs., dia 30 de maio, às 14 horas, está bom?
Era o conciliador, marcando a audiência de instrução e dispersando o clima ruim.

2º Ato.
Precisando comprar um colchão, fui a um lugar onde havia duas lojas, uma de cada lado da avenida – uma chique, outra “plebeia”.
Na loja “não chique”, uma vendedora enjoadinha me atendeu, e ao pedir para orçar o modelo que gostei, ela indagou a forma de pagamento e o número do meu CPF. Eu a questionei, e ela disse que era para eu levar logo, porque não encontraria mais barato. Respondi que não faria isso, pois era a primeira loja em que entrei.
Com o orçamento, parti para a loja em frente, onde uma vendedora simpática, bonita e bem vestida me atendeu, deixando-me à vontade.
- Resolvi ver esse e aquele - eu disse, depois de passear pela loja.
- Vou fazer o orçamento para o senhor - respondeu - qual a forma de pagamento?
Nesse momento, a vendedora chata, da outra loja, chega e me encara, com um sorriso sarcástico. Vai direto falar (alto) com o gerente, mostrando que as lojas pertenciam ao mesmo proprietário. Faltou me chamar de otário.
Virei para a simpática vendedora e disse:
- Moça, não perca seu tempo. Eu agradeço a atenção, mas você perdeu a venda por causa daquela que entrou, meio que debochando de mim. Ela me atendeu na loja em frente e disse que eu não encontraria nada mais barato quando falei que ia procurar outros orçamentos. Então, veio aqui atrás de mim, para me afrontar. Boa tarde!
Elas que se acertassem por lá.

3º Ato.
Acabei de almoçar e voltei andando para o escritório. Cheguei ao hall do prédio e o elevador de serviço estava bloqueado por alguém que carregava um material. Apertei o botão do outro e aguardei.
Chegou um senhor e, logo em seguida, um rapaz, que já foi perguntando se não entraríamos no elevador parado. Em voz alta, questionou o motivo de estar parado, ao mesmo tempo em que retirava o objeto que segurava a porta, dizendo que precisava subir. Era uma “marra” dos diabos, e um alvoroço danado por pouco.
Pensei o porquê da figura “chegar chegando”, inconvenientemente, com tanta arrogância.
Ao ouvir aquele furdunço, veio o porteiro, esbaforido, dizer, para mim, que ia liberar o elevador. Eu respondi que não havia a menor necessidade, pois enquanto o apressadinho já estava instalado no elevador de serviço - “péin” - soou a campainha e a porta do social se abriu.
Eu entrei, o senhor veio atrás, e o porteiro teve que avisar ao zé ruela que o outro elevador havia chegado. Ele saiu de um, entrou no outro e não apertou o botão...
Saltou no mesmo andar que eu. Era cliente do dentista que atende ao lado de minha sala. Não, ele não era o dono do mundo, não era sequer proprietário ou inquilino de uma das salas do edifício.
*     *     *
Meus pais diziam que gente assim “tem o rei na barriga”. Já na minha juventude, eu chamava de escroto mesmo.
Deve haver várias explicações para comportamentos assim, mas, como não estou nem aí para isso, quero mais é que essas pessoas se phodam.
Elas deixam o convívio em sociedade mais estressante, e servem de exemplo para o aprendizado de uns e de tema das mais variadas discussões para outros. Bom mesmo é que causam regozijo àqueles que possuem senso de ridículo, e a certeza de que tiveram uma boa educação.



Fernando César Borges Peixoto


Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta, cronista, contista e, de certa forma, um saudosista que agora inventou de escrever poesia.