sábado, 10 de junho de 2023

Meu sovaco cresceu

 

Dia desses achei algumas velhas notas fiscais da farmácia. Constatei algo incomum, misterioso, catastrófico: meu sovaco cresceu.

Fiz contas de somar, multiplicar, diminuir e dividir, usei o bom e velho “novesfora”, e percebi que até pouco tempo eu comprava, mensalmente, um ou dois frascos a menos de desodorante.

No país em que notórios criminosos são tratados como suspeitos e inocentados mesmo após a decisão penal condenatória ratificada em várias instâncias, e onde vige o proveitoso e imprescindível Código de Defesa do Consumidor, seria impossível responsabilizar judicial e civilmente as instituições regulatórias, porque são democráticas de direito e continuarão funcionando para todo o sempre (amém!).

Muito menos será culpada a multinacional de produtos de higiene pessoal que, dentre suas inúmeras preocupações com as causas sociais, fez lobby para acabar com o sofrimento de militantes com a pobreza menstrual, exigindo de seus pupilos estrategicamente incrustados no Congresso, que lutem (como uma garota!) para que o Estado supra essa deficiência.

É só coincidência o fato desses produtos estarem disponíveis para pronto atendimento da grande demanda gerada, como todas as coincidências com as necessidades urgentes de um Estado preocupado com a população, como um dia foi a gloriosa tomada de três pinos.

Tudo, sempre, pelo bem da população e do consumidor!

Afinal, grandes empresas devem estar sempre alertas para tais situações.

Além disso, não se espera outra coisa do pessoal do marketing que prega o respeito à Amazônia, à humanidade, às tão sofridas minorias, que não o respeito aos direitos da clientela, até porque poderiam se ver submetidas à rigorosa admoestação das personalidades iluminadas e supremacistas que azeitam a máquina pública, cujas instituições, repito, funcionam muito bem, obrigado.

Sim, empresas que prezam pela filantropia estão acima de qualquer suspeita, elas exigem que o mundo seja um lugar melhor – pouco habitado, onde todo idoso para gozar do direito de viver deve ser milionário e poucos possuam propriedades, sem doenças, pois erradicadas por vacinas, sem religião, mas com religiosidade, e com pervertidos sem sexo definido.

Por isso é ilógico pensar em diminuição da quantidade dos produtos ante a manutenção de preços ou a lesão deliberada ao consumidor. Não custa relembrar a existência de instituições e do Código protetor, tão zelosos, além da agenda ESG aplicada pelas próprias organizações, extremamente éticas, atuando para desencorajar essa prática.

Voltando ao ponto inicial, após distração provocada por tanta bondade e generosidade, cabe a mim, mero mortal de uma vida miserável que espera a salvação em Cristo, ajoelhar e pedir a Deus para impedir que o sovaco (ou subaco) continue crescendo, pois não teria lugar para guardar tantos frascos em minha humilde residência. (Que em breve poderá deixar de ser minha.)

João Capado e o Benfica Freyre Club

 

- Priiiiii! Priiiiii! Priiiiiiiiiiii!

Maninho ouvia o apito final e saía de campo desolado: o Benfica Freyre Club acabava de levar outra piaba, agora de 5x1 para o Noroeste de Altos e Baixos.

Acabara de assumir o time, mal tivera tempo para conhecer os jogadores. Repetiu a escalação do técnico anterior por achar que o conjunto falaria mais alto na hora de enfrentar um dos lanternas do campeonato.

Não conseguia entender como aquele time, com um elenco formado de grandes jogadores, não conseguia emplacar.

João Carlos Marques, o técnico substituído, era endeusado pela imprensa local, e o presidente do time era o Prefeito, sem o qual o desenvolvimento jamais teria chegado àquelas bandas, e talvez nem houvesse um campeonato tão concorrido, dada a grandeza dos escretes que ele montava sem poupar dinheiro. O seu próprio dinheiro, diga-se.

Não havia como explicar que o time com os melhores jogadores, a maior estrutura, os melhores salários, as maiores regalias, os maiores patrocínios, pudesse patinar no meio da tabela, protagonizando apresentações vergonhosas em sua sede, talvez um dos melhores estádios – e gramados – do Estado.

No dia da reapresentação, antes mesmo do treino tático, ele chamou um por um dos jogadores e perguntou o que eles achavam do que estava acontecendo. Várias foram as informações colhidas, mas a principal veio de dois jogadores: Fubazinho, um garoto que era o craque do time, e Espeto, o jogador mais experiente.

Fubazinho disse que João Carlos Marques insistia em colocá-lo como segundo homem de campo, indo e voltando para marcar, quando a sua principal arma, aquilo que fizera a sua fama, era a visão de jogo, a enfiada de bola e o ataque fulminante, pois chutava com as duas, uma de cada vez, logicamente.

Espeto disse que o antigo treinador parecia escalar o time para perder. Ele entendia que o “professor” agia assim apenas para atingir o Prefeito, que era um político conservador muito querido na região, mas adversário político do Sr. Tobias, um trotskista inveterado que ajudara a criar João Carlos Marques, cujo pai era alcoólatra, batia em sua mãe e não evitou que alguns de seus irmãos morressem de inanição.

O seu Tobias cuidara bem do menino, mas sentia um ódio figadal do Prefeito, simplesmente por ódio à burguesia que o Sr. Jonas Modesto Braga representava para ele.

Espeto era cria da cidade e conhecia a história de todos dali. Gozava de muito respeito perante a sociedade e possuía inteligência acima da média. Era, enfim, um homem muito perspicaz e observador.

E assim Maninho, continuou ele, outra atitude não poderíamos esperar de Marques; e concluiu: ele sabotava o time, perseguia o craque, Fubazinho, para prejudicar a atuação do time, desmoralizar o prefeito e arruinar sua carreira política, esperando que o partido extremista do Sr. Tobias assumisse a Prefeitura Municipal.

Diante disso, chamou os dois jogadores de volta e perguntou a ambos quais as modificações entendiam que ele deveria fazer para melhorar a performance do time. Fez o mesmo com os olheiros.

Colhidas as informações, já no treino com bola dividiu os coletes promovendo algumas alterações – todas certeiras.

A zaga seria formada por Casagrande e Senzala. Mocambo seria o segundo homem de meio de campo, em razão do passe acertado, do vigor físico e a forte marcação.

Sobrado, que era lateral-esquerdo, mas vinha atuando deslocado na lateral-direita, voltou a sua posição como titular, e passou a destruir pela esquerda, cortando por dentro e por fora no ataque, desconcertando os marcadores adversários.

Progresso, que jogava à frente, no meio de campo, substituindo Fubazinho na criação e na chegada, passou para a lateral-direita, sua posição de origem.

O time mostrou uma evolução muito grande já no primeiro jogo, e acabou sendo o campeão da temporada, mas a conquista veio apenas na última rodada, quando conseguiu ultrapassar o Dínamo de Amendoeira no jogo que valia seis pontos. Apesar da enorme diferença aberta pelo Dínamo, quase impossível de alcançar nos tempos de Carlos Marques à frente do clube, o trabalho de Maninho surtiu efeitos.

Fubazinho, que passou a jogar um pouco mais solto, escalado do jeito que gostava de atuar, mas com o compromisso de não descuidar da marcação, foi artilheiro do campeonato e o jogador que deu mais assistências. Garantiu o “bicho” da rapaziada nos jogos seguintes e passou a ser ainda mais admirado por isso.

Aquela temporada jamais saiu do imaginário dos torcedores do Benfica Freyre Club, apesar da indiferença da imprensa local e do silêncio sepulcral de seus jornalistas políticos, incapazes e invejosos. Várias gerações conheciam os feitos daquele esquadrão liderado por Espeto e Fubazinho.

Sobrado virou técnico do time, que jamais foi rebaixado ou andou mal das pernas sob sua batuta, como um dia havia acontecido no campeonato aqui lembrado.

Espeto montou uma escolinha de futebol e enviou jogadores para os maiores times de futebol do país, além de manter contato direto com clubes da Ásia e dos Estados Unidos, que vez por outra levava alguns de seus jogadores.

Fubazinho foi jogar no Flamengo, levado por Maninho, que virou auxiliar-técnico do Mais Querido do Brasil. Por lá ele jogou quatro temporadas – duas como titular –, antes de fechar um contrato com o time de um sheik árabe. Ficou rico.

O Prefeito Jonas, já falecido, emplacou a candidatura do seu vice na Prefeitura e elegeu mais de 80% das cadeiras da Câmara dos Vereadores na eleição seguinte.

Hoje, o filho mais velho de Jonas é o maior empresário da cidade; ele gera mais empregos que a Prefeitura e financia vários projetos sociais nos quais é proibido pregar ou impor ideologias políticas. Sua irmã caçula, que foi estudar fora do país buscando a melhor formação possível e se preparar para continuar o desenvolvimento do Município, é a atual Prefeita. É uma gestora muito dedicada e responsável, e elege e reelege quem quiser. Os vários filhos de Jonas são bem sucedidos, criaram uma enorme família feliz e trabalham em prol da comunidade, sem práticas ilícitas. 

João Carlos Marques continuou sendo chamado de o melhor filho que a cidade produzira para o futebol, incensado pela imprensa esportiva local, formada por companheiros de ideologia do Sr. Tobias. Tinha fama de ser alguém à frente de sua época, o que não fazia jus a sua trajetória.

Mas nem todos engoliam essa notícia falsa. Muitos que viveram aqueles tempos diziam que “João Capado” jamais deixou de ser um burro enaltecido por jornalistas de meia-tigela. Capado, um homem invejoso, mau-caráter e saudosista, contador de histórias gloriosas que jamais existiram no plano da realidade, morreu de cirrose pouco tempo depois de passar pelo segundo trintenário.