Gracinha era uma moça legal. Apesar da
cabeça semi-descomunal, era das mais bonitas do bairro Areal, e frequentava
humanas na Federal.
Andava com o pessoal da bebida, mas não
bebia; andava com o pessoal da maconha, mas não fumava (hahaha!). Tudo no finzinho
da década de 70, início da de 80, o período chamado de “redemocratização”.
Os anos passaram... Já no quarto
casamento: pós-doutorado, livros publicados, monografias e dissertações
orientadas, e o cacete... Tudo às mil maravilhas, bem melhor que o futuro que
imaginara, há muito, deitada, ob-observando as estrelas, ao lado do primeiro e
grande amor da sua vida, em Lumiar.
Até que vieram as trevas: tudo começou com
o movimento do impeachment da então presidenta ex-guerrilheira, com mestrado em
falsificação de diploma e muitas coisas desconexas a dizer. Era o caos! Era o gópi!
Em pouco tempo, o revide: vingava a
narrativa que acusava (para quê fundamento?) a elite branca opressora de
zóio-azul, de querer tirar a esperança do oprimido preto-pobre-mulher-trans-criança
viada, então protegido da mãe de todos, poste do filho do Brasil, o santo protetor
da manguaça. Não importava se se tratava da pessoa com maior dificuldade em articular
ideias e frases que tenha chegado ao poder sem o uso da força armada, na história
da humanidade. Se os canalhas queriam servir a cabeça dela na bandeja, era necessário
mover o mundo (e os fundos).
Tempos depois da derrota para os
golpistas, para piorar (e muito!), chegou o período de campanha para as
eleições presidenciais; e a vitória do coiso parecia inevitável.
Gracinha, nossa heroína, embora baqueada,
não perderia a ternura jamais. Eterna defensora do bom-mocismo, das minorias e
da manutenção do Estado-democrático-de-direito-do-bem-estar-social, virou uma
guerreira nas vidas real e virtual... Uma leoa, meu chapa!
O Brasil não seria entregue a fascistas
que amputariam o sonho dos pobretões, realizado a duras penas graças ao regime
democrático lulo-petista, que erradicou a pobreza e permitiu que ex-pobres comprassem-carro-e-viajassem-de-avião-e-colocassem-os-filhos-estudando-com-os-filhos-da-zelite.
Valia tudo para defender esses avanços;
promover um UFC Antifas, com direito a dedo no olho, ofensas, cuspidas, defecadas,
murros, muros, boas balas e boas covas. Valia escorraçar e humilhar fascistas,
capitães-do-mato, pobres e bichas de direita, gente burra que (sabe-se lá por que)
apoiava o fim da maravilhosa era da hegemonia da esquerda no poder. Essa gente precisava
“estudar” e aprender com os livros autorizados, para não repetir os erros do
passado. Iam longe demais.
A campanha de retomada de consciências admitia
o ódio do bem, e o imbecil que chamasse o neo-liberal FHC de esquerdista também
poderia ser atacado (embora apenas verbalmente, pois tucanos eram parceiros “táticos”).
Nas redes sociais, Gracinha alcançou o
posto de superintendente do patrulhamento do amor e da verdade, e denunciava e
atacava memes, postagens ou ideias que jamais deveriam ser criados, escritas ou
pensadas.
Fascistas! Machistas! (Passistas! ôps!)
Não passarão!!! Mas, no fim, passaralho; e os filhotes da ditadura cantaram ¡Ya
hemos pasao! Sim, cantou na moleira... da moça que trás um (navio) cruzador
sobre o pescoço.
Mas nem tudo estava perdido. Surgia o reforço
de sub-celebridades, que montaram barracas para um bate-papo e um café da
manhã, na tentativa de inverter votos do povão. Também foram realizados maconhaços,
apitaços, bundaços, enfio-o-dedo-no-funringaços, cagadaços, cuspidaços e mormaços.
Havia uma longa caminhada até as urnas, e o coiso que se cuidasse...
Ele se cuidou e, putz!, saiu vitorioso.
Era hora da resistência... Ligada por
fios desencapados, é verdade. Apesar do cansaço, não esmoreça e “tente outra
vez”, dizia Raulzito. Todo dia, toda hora, todos os segundos, dizia outrx. Bastaria
o apoio de artistas, da imprensa, de coletivos e de padrinhos políticos. Antes,
porém, convinha conferir se havia uma verbinha estatal ou de ONG estrangeira,
pois ninguém é de ferro. A militância é Flórida quando teleguiada pela mídia (exercida
por escraviários e militantes), pela MPB limpinha, pela sociedade civil organizada
e por políticos bacanas, premiados pelo Congresso em foco, e que toda semana pagam
de especialistas na emissora de TV que não deveria existir.
Gracinha, qual a sua identidade? Muitas,
deveria responder, porque é necessária uma personalidade camaleônica quando se
milita em prol de determinado espectro político extremista, para o qual não importam
os acontecimentos, mas o lado que praticou ou sofreu a ação. Só a partir daí é que
se toma “partido”, o que justifica que alguns tenham licença poética para serem
sexistas, machistas e o baguio doido todo, enquanto outros mereçam a morte pelo
simples fato de discordarem dos que lutam por um mundo melhor.
E lá veio um novo revés: já no terceiro
mês de governo, a artilharia pesada não foi suficiente para descoisar o poder
ou tirar o crush-com-cachaça do exílio forçado no quadrado gradeado em Curitiba.
Tudo bem, desde que continuasse a narrativa para retirar o poder de quem se fecha
ao diálogo: a previdência é linda, a insegurança é linda, as estatais são lindas...
Cadê o Cunha e o Aécio? Quem mandou matar a Marielle? (Já descobriram e é
melhor deixar quieto? Ok.) Então: Cadê o Queiroz? O coiso é nazista de
extrema-direita, aliado aos nazistas de Israel. Hahaha, o prefeito de Nova Iorque
(polo turístico do socialista brasileiro) odeia o coiso...
Desgraça pouca é bobagem, e apesar dos
bombardeios diários contra o inimigo, chegou a hora de contabilizar as baixas:
Tiburi correu para a França, em razão de ameaças sofridas no país – feitas pelo
marido, que disse que tudo bem ficar sozinho em Paris, junto a Zébreu e Buraque;
e o congressista baiano, auto-proclamado intelectual, arregou, dizendo-se ameaçado
de morte pelo Darth Vader. Tudo comprovado e documentado. Inclusive, após a facada
que levou no bucho. (Perdão, acho que não foi ele, não.)
Depois de tudo isso, é bom lembrar, que nada
mudará tão cedo, porque os derrotados continuam estrebuchando, infiltrando, difamando
e conspirando. Tomara que Gracinha acorde logo. Pensar e saber dela era mais interessante
na juventude. Hoje ela está chata bagarai.
Fernando César Borges Peixoto
Advogado,
niteroiense, conservador, gosta de escrever e, de certa forma, é um saudosista.