sexta-feira, 17 de maio de 2019

O assassino que deixava provas




Desde menino, Reinaldo sentia atração por garotos. “Eu nasci assim”, dizia.
Não, não havia nascido assim, mas não compreenderia a verdade consumindo tanta propaganda da militância gay que, inclusive, ensinou-o a chamar de preconceituoso quem não pagasse pedágio à ditadura homossexual. Contestar era proibido.
Apesar de não fingir afetação para chamar a atenção, os trejeitos femininos saltavam aos olhos, junto a sua constituição física. Por ser filho único, apanhou muito de seu pai, um bronco e machista, mas que andou furando uns guris na infância. A mãe não fazia nada porque também era agredida e acusada: “o menino saiu assim por sua causa”, dizia o pai. Reinaldo ainda apanhava dos primos e dos vizinhos, principalmente após a prática de atos libidinosos, sendo essa a forma deles se livrarem da vergonha e da culpa pela saliência praticada, como fazia o seu pai na juventude.
Ele crescia e, para sobreviver, aprendeu a bater. Ao perceber a força que possuía, tomou gosto e passou ele a puxar brigas, para dar socos e pontapés violentos nos eleitos. Até no colégio vivia se estranhando com os colegas, apesar da quase totalidade não se importar com sua opção sexual. Era mais cruel com quem se negava a satisfazer sua libido; e embora estivesse se desenvolvendo fisicamente, não conseguia entender que não era agressão ou preconceito, negar-se a praticar sexo com ele, ou não reconhecer que o homossexual deve gozar de privilégios apenas por ser homossexual.
Ao entrar na faculdade de Direito, ainda se vestia com roupas masculinas, apesar da fala macia, que alterava radicalmente ao se exasperar. Lá aprendeu que é quem detém o poder de decidir que determina o que é justiça; e que é possível definir de cara o vencedor da demanda, e só depois fundamentar a decisão, pois os princípios jurídicos admitem deformações ao gosto do freguês. Compreendeu que os direitos humanos e o princípio da dignidade da pessoa humana seriam a grande panaceia dos operadores do Direito; e percebeu o enorme prestígio do ativismo judicial, que transforma julgadores das altas Cortes em plenipotenciários e, grosso modo, respalda a usurpação do poder conferido pelo povo aos representantes políticos, por magistrados progressistas que, sem alcançarem seus cargos pelo voto, impõem mudanças até de cunho civilizacional à sociedade. Ouviu deles, que são garantidos pela vitaliciedade, que estão livres para implementar as mudanças exigidas pela sociedade (como se a sociedade inteira, e não pequena parte dela, o pedisse), porque não devem satisfações a eleitores.
Estudou com afinco a ideologia de gênero, endossada por disciplinas de ciências humanas, que joga no lixo as ciências biológicas para explicar o sexo como construção social, e não um fenômeno natural – segundo seus teóricos, qualquer um pode se autodeterminar em relação ao sexo, e exigir o reconhecimento do outro, independentemente do que os olhos (do outro) enxergam; ou do que diz a ciência natural; ou, ainda, dos valores e princípios formadores da nossa cultura. E com muita satisfação viu o poder constituído abraçar tal teoria, em franco desprezo ao direito individual de quem a entende anticientífica; de quem a ela se opõe por motivos pessoais ou de crença religiosa; ou de quem quer conhecer verdadeiramente a pessoa com quem mantém laços sociais e/ou afetivos, incluindo seu sexo biológico. Reinaldo, a cada dia aumentava suas convicções, pautado em decisões judiciais baseadas no princípio da dignidade humana e no direito de personalidade, como a que admitiu a alteração do nome civil, cuja principal função é individualizar e identificar o ser humano nas relações sociais.
Ele estava de pleno acordo com a ideia de o desejo pessoal do homossexual sobrepujar o interesse público. E mais ainda: sabia que há regras e exceções, mas sabia também que quem decide o que é regra e o que é exceção, é quem possui o poder de decidir. E é por isso que defendia a urgência da ocupação de espaços-chaves, para solidificação das pautas progressistas na sociedade.
Ao conhecer a velha máxima dividir para conquistar, compreendeu por que alguns se esforçam para causar fissuras na sociedade através do discurso do nós contra eles, instigando a hostilidade de negros e índios contra brancos, e entre homens e mulheres, gays e héteros, ricos e pobres, veganos e carnívoros... Percebeu a propaganda e a manipulação de relatórios que afirmam que o Brasil é o país onde mais se matam homossexuais, mulheres e negros, enquanto, na realidade, é o lugar do mundo onde morrem mais pessoas assassinadas, mais que na guerra: superior a 60 mil homicídios por ano. Portanto, morrem mais homossexuais, mulheres e negros, e também mais heterossexuais, homens e brancos. O mesmo se diga da falsa perseguição a homossexuais no país, pois eles estão no Congresso, no Executivo, no Judiciário, na mídia, nas FFAA e na Academia, em suma, em todas as instituições. Mas ele entendia a necessidade de manter a farsa que viabiliza o discurso.
Pois bem. Naquele momento, só quem se submetesse à operação de mudança de sexo poderia alterar o nome e o sexo sem qualquer referência à situação de transexual no registro civil. Mas em seguida, as instituições reconheceram que os avanços eram insuficientes para promover a dignidade da pessoa humana, e atender às exigências de cada indivíduo em seu direito de personalidade. Então, primeiramente, através de decreto, foi estabelecida a adoção do nome social por travestis e transexuais, sem alterar os documentos oficiais. Depois, decisões das mais altas Cortes do Judiciário, com base nas mesmas normas jurídicas que fundamentavam a antiga regra geral da imutabilidade do nome, reconheceram a desnecessidade de ajuizar ação nem realizar operação de adequação sexual para alterar o nome e o sexo no registro civil, e proibiram qualquer remissão à expressão transexual, ao sexo biológico ou aos motivos que levaram à modificação do registro civil. Por fim, decisão de órgão administrativo ligado ao Judiciário, sem a anuência do Poder competente, o Legislativo, emitiu normativo determinando tais providências aos cartórios extrajudiciais.
Ainda na Universidade, conheceu o pessoal da área de Psicologia, e manteve relacionamentos afetivos com dois deles, de quem soube que alguns governantes tiranos haviam usado a Psicologia e a Psiquiatria para perseguir opositores, internando-os em manicômios, isolando-os com loucos de toda a espécie, ou enviando-os a campos de concentração ou gulags. Soube também de certa flexibilidade na elaboração de postulados dessas áreas fundamentais para a sedimentação da teoria de gênero no ordenamento jurídico, e entendeu por que não importavam os inúmeros casos de arrependimento posterior à cirurgia de mudança de sexo, que geravam, inclusive, suicídios. Esse efeito colateral não deveria, de forma alguma, aparecer nas estatísticas.
Depois de formado, Reinaldo passou a exibir as conquistas profissionais e seu talento, e a repetir o discurso da superioridade financeira e intelectual dos homossexuais, embora não dispensasse os favores conferidos pelo Estado às minorias – explorava o vitimismo no coletivo de negros homossexuais, onde atuava desde o tempo da graduação, para manipular a militância, servindo-se também dessa grande massa de manobra comumente manejada por políticos, intelectuais e outros líderes. Havia-se transformado naqueles benfeitores que, de forma fingida, tutelam as minorias com o objetivo de obter vantagens, mantendo-as cativas. Demonizava e desumanizava quem se opunha à ditadura do politicamente correto, abusando de termos como preconceituoso, homofóbico, fascista e nazista. Sabia que, com esse discurso, tornava o inimigo alguém execrável aos olhos da militância, o que justifica, para mentes vazias e criminosas, a agressão ou até a remoção física dessas pessoas. Extremamente inteligente e arrogante, sua empatia era desajustada.
A forma de encarar sua homossexualidade ia modificando com o tempo, mas não queria mudar o sexo. Passou a se vestir como mulher e alterou a documentação, trocando o prenome por Renilda, e tirando o patronímico do pai, para assumir o de solteira da mãe. Também fez algumas aplicações de silicone e botox.
Mais adiante, já mulher na documentação, foi aprovada em prova de admissão num escritório de advocacia de renome, de uma cidade grande de outro estado, e foi para lá de mala e cuia. Agradava-lhe o fato de ninguém conhecer sua vida pregressa. Já instalada, foi galgando postos rapidamente na empresa, pois, além de inteligente e esforçada, não tinha o menor pudor em atropelar quem se pusesse como obstáculo. Possuía admiradores, mas também desafetos.
Fora do trabalho, como mulher, porque assim se sentia, frequentava bares e boates para azarar rapazes e fazer sexo casual. Estranhamente, enquanto se apresentava como homem homossexual, mantinha relacionamentos com homens homossexuais. Mas ao virar a chave, como mulher, só buscava relações com homens heterossexuais. Ia para a cama apenas depois que o parceiro se embriagasse, ou usasse maconha ou cocaína; e agia como o personagem de M. Butterfly, de David Henry Hwang, ou aproveitava o apagamento ou a falta de freios morais do parceiro, já inebriado. Após a relação sexual, costumava inventar uma desculpa para dispensá-lo, com o objetivo de evitar surpresas ao fim do torpor. Apesar dos cuidados, mantinha sempre por perto um instrumento que a protegesse. Embora reprimisse, não havia perdido a agressividade.
Certa vez, porém, ela dormiu, e acordou, no dia seguinte, com o rapaz aos gritos, indignado por Renilda possuir um pênis, e ainda maior que o seu. Indagava o que teria acontecido: Fora dopado com Rohypnol, ou outra droga de efeito similar? Enrabado? Beijou a boca de outro homem?
Ela deu uma coça de porrete no infeliz, e só parou por medo dos vizinhos ouvirem os gritos. Enquanto o rapaz agonizava, inerte, esperou a hora mais conveniente para transportar aquele corpo todo moído até o porta-malas do carro, e deixá-lo, quase morto, num lixão da periferia. Foi encontrado por um miserável e, após recuperar-se, tamanha era a vergonha, que inventou que havia sido roubado e espancado por bandidos.
Ela submergiu. Passou a fazer sexo apenas com profissionais e, em pouco tempo, aceitou proposta de emprego em outro Estado, feita por uma advogada para quem, há tempos prestava serviços de correspondência em casos complexos. Foi-se.
Enquanto se dedicava fulltime ao novo emprego, conheceu Geraldo, jovem cristão ligado às formalidades da religião, com quem embalou um relacionamento. De início, conseguiu dominar a satiríase, fazendo-se de santa. Mas encarava a quebra da abstinência sexual dele como um jogo que queria vencer, o que não demorou a acontecer. Aos 3 meses de relacionamento, estava pronta para seduzir o rapaz, e preparou um clima favorável: um vestido bastante sensual, e um jantar à luz de velas, numa espécie de garçonnière que mantinha em lugar retirado. Fazia isso Para evitar passar por outro susto daqueles, e manter o sigilo, registrou o imóvel em seu antigo nome.
Após umas taças de vinho, Geraldo cedeu, para em seguida ser tomado por imenso espanto, ao notar o membro enrijecido de Renilda. Num acesso de fúria, empurrou-a, aos berros, perguntando por que fizera aquilo. Ela pegou a garrafa de champanha que estava sobre a mesa e a quebrou na cabeça de Geraldo, causando um corte profundo, de onde o sangue jorrava. Ele ficou zonzo, seu corpo emborcou já desmaiado. Nesse momento, ela enfiou-lhe várias vezes a parte afiada que segurava pelo gargalo. Nenhuma lágrima correu de seus olhos, não sofreu um minuto sequer. Ao contrário, imediatamente começou a pensar em se livrar do cadáver e das provas, com a certeza de que a polícia não chegaria àquele lugar, nem a ligaria ao imóvel.
Usou um rolo de plástico estrategicamente guardado, para enrolar o cadáver. Levou-o ao carro e depois a um lugar ainda mais isolado, onde ateou fogo com gasolina. No dia seguinte, voltou ao local para destruir as arcadas dentárias e jogar o que sobrou num lago; e em outro lugar incendiou as roupas e a parca mobília do garçonnière, onde poderia ter respingado sangue. Lavou o cômodo com água sanitária e, vestida de homem, falando com voz grave, contratou um pedreiro para reformar o imóvel: mudar o piso e o rodapé, e pintar das paredes, que previamente havia lixado.
Voltou à vida rotineira, e esperou dois dias para ligar à família do namorado e perguntar por ele. Fingiu saudades e disse que ele estava sumido desde o jantar em sua casa. Logicamente, ligou várias vezes para o celular que jazia no fundo do lago.
Renilda foi investigada por não conseguir provar que Geraldo estivera em sua casa. Porém, como o cadáver não apareceu, e não foram encontradas evidências de crime, o rapaz foi engrossar a estatística dos desaparecidos. Sem corpo, sem crime.
Esse foi o start para uma mudança mais radical daquela vida sem laços de amizades fieis e sem rastros deixados. Pretendia dar frescor àquela figura escondida dentro de si: fria, perversa, manipuladora, que não tinha família, não frequentava redes sociais, e costumava se infiltrar em grupos, associações e coletivos, apenas para manipular as pessoas que, em verdade, desprezava. Sim, era por puro interesse que interagia com as pessoas, fazendo-as se sentirem especiais, sempre dizendo o que queriam ouvir.
Embora insistisse em ser desejada como mulher por heterossexuais, percebeu a dificuldade de encontrar um que aceitasse sua condição de mulher com pênis, e resolveu iniciar o tratamento de transição para mudar o sexo. Não seria difícil, conhecia a estrutura de suporte à ideologia de gênero. Sabia ser quase impossível o contrário, pois acompanhou a célebre perseguição que o conselho profissional promoveu contra psicólogos que ofereciam terapias de reversão sexual. Lutou com a militância para impedir até que o tratamento, ofensivamente chamado de cura gay, fosse oferecido a homossexuais que buscavam ajuda para se livrar daquela condição, que se tornara incômoda, e viver como heterossexuais.
Não haveria a necessidade de se submeter a um tratamento hormonal severo, em razão da sua constituição física favorável.
O pênis foi retirado, e uma linda vagina, com desenhos e contornos perfeitos, foi esculpida em seu lugar. Renilda fez intervenções cirúrgicas no rosto e passou a usar um cabelão pintado de loiro, além da prótese colocada no bumbum.
Era outra pessoa, mas culpava a sociedade, que não a aceitava do seu jeito, e a obrigara a sofrer uma amputação. Negava-se a reconhecer que o fato de não gostar de se relacionar com homossexuais, e de que esconder que possuía um pênis, causavam a rejeição. Então, resolveu dar vazão, metódica e regularmente, ao ódio que sempre trouxe consigo. Enquanto uns relaxam na academia, e outros batem em sacos de pancada, ela queria matar.
Para zerar tudo, e não gerar desconfianças, pediu transferência para uma filial da empresa, numa cidade grande e distante. Era o quarto estado em que morava.
Resolveu escolher as vítimas sem nenhum padrão, e contar com as facilidades da ocasião. Usaria um expediente diabólico para dificultar as investigações: deixar mostras do seu DNA nas cenas dos crimes, pois os registros que poderiam ligá-la ao sexo biológico haviam sido apagados. Não deixaria digitais. Imitava um caso estudado na faculdade, de um serial killer que deixava provas de DNA de terceiros, recolhidos em lixos, nas ruas, e em casas e locais onde prestava serviços, e cuja prisão fora resultado de uma fatalidade. A polícia procuraria um homem, e ela passaria incólume pelas investigações. Não existia polícia científica, nem registros de seu DNA em arquivos públicos. Além disso, tinha conhecimento de que menos de 10% dos crimes praticados no país são solucionados pela polícia.
Em 5 anos, foram 30 mortos – uma vítima a cada dois meses. A referência era sua idade quando matou Geraldo, a primeira vítima: 31 anos. Na cena do crime, deixava fios descoloridos de seu cabelo, pelos do púbis e do nariz, saliva, cotonetes usados... Não deixou esperma porque não produzia mais. Entre as vítimas, pessoas de variadas espécies: mendigo, prostituta, taxista, casada(o) em busca sexo casual (lésbico ou hétero), líder religioso e empreendedor.
Encerrada a carreira criminosa, planejada em detalhes, preparou-se para arranjar alguém para estar ao seu lado pelo resto da vida. Não teria dificuldades em encontrar: era uma advogada vistosa e bem sucedida. Beirava os 40 anos, seria fácil dizer que não poderia ter filhos, e que gostaria de adotar. Montou uma triste história de vida: foi abandonada e sofreu abusos; um casal de idosos cuidou dela e teve um final trágico, com câncer e parkinson; o homem com quem se casaria desapareceu sem deixar rastros, levando-a a viver para o trabalho; e mudara de estado para esquecer as perdas suportadas em sua triste vida. Calculou que não seria difícil dar vazão a todo o seu apreço por manipular as pessoas.
Assim o fez. Casou com Astolfo, e juntos adotaram as gêmeas Lucy e Luma, que sofreram um bocado nas mãos da mãe, que não sabia amar, enquanto cresciam. O pai, porém, as amava pelos dois.
O tempo passou, e ela levava a vida de casada do jeitinho que havia programado. Além disso, Lucy estava casada e engravidara; e Luma estava na Espanha, fazendo Doutorado.
Quando Renilda pensava que tudo estava resolvido, e que seria feliz para sempre, teve uma síncope e parou no hospital, onde foi atendida e realizou uma bateria de exames. Um sangramento estranho deixou uma marca no lençol do leito em que ela ficava deitada, enquanto aguardava os horários de fazer os exames e buscar os resultados. Preocupado, o médico, sob muitos protestos da paciente, empreendeu uma análise detida para, então, diagnosticar o problema: câncer de próstata.


Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, conservador, gosta de escrever e, de certa forma, é um saudosista.