Naquele dia, o tempo amanheceu nublado, as chuvas pareciam um choro pelos últimos acontecimentos. Era como se a natureza traduzisse as
emoções que tomavam conta da maioria da população.
O enésimo ditador da história, antigo líder stalinista,
era reconduzido ao poder e, de imediato, imergia o país nos piores momentos
de sua existência.
Voltou garantido pelas armas, nos braços de antigos
aliados, saudosos dos favores do Estado, mas também com apoio da grande mídia, da
Academia, de intelectuais (apenas os orgânicos haviam sobrado), de oportunistas recém-egressos na política e de antigos “adversários
de mentirinha”, que sempre fingiram um antagonismo para desviar a atenção e impedir
que uma verdadeira oposição se organizasse.
Embora defenestrada do poder por ter desarrumado o
país, a esquerda mostrava força, provando que ainda era capaz de manipular a
opinião pública e divulgar as ideias revolucionárias.
Uma aliança foi formada para conter os avanços e apear
do poder o governo conservador eleito democraticamente, que trabalhou em benefício
da população e mudou o paradigma político das últimas décadas, ao acabar com a
corrupção, o desvio de dinheiro e o compadrio; e promover a meritocracia.
Enquanto isso, os traidores minavam a base de
sustentação do governo, apesar da grande popularidade que o governante gozava
no país “profundo”, que havia se organizado organicamente para conter a pouca-vergonha que dominava a política do país. E, infelizmente, conseguiram concluir a tarefa depois de quase 20 meses de ataques
diuturnos a quem, num breve espaço de tempo, deu alento e esperança àquela população
sofrida, e colocou o país rumo ao desenvolvimento, deixando pra trás as décadas
em que amargou o atraso e os piores lugares nos indicadores socioeconômicos medidos por
organismos internacionais.
Desde a campanha, era nítida a necessidade de um movimento
conservador robusto, uma militância organizada que sustentasse o governo, e se
opusesse à militância carnívora adversária (essa, paga). Foi a sua falta que permitiu que
o líder conservador acabasse cercado de figuras de caráter duvidoso, com intenções totalmente desconhecidas, e que em pouco tempo se mostraram as piores possíveis.
Muitos buscavam poder e dinheiro, e aproveitaram a insatisfação
geral com a política da época para, em peles de cordeiros, esconderem os corpos
de lobos. Então, fingiram-se aliados do líder das pesquisas.
Entre os oportunistas estavam os (falsos) liberais, ávidos por
ocupar o vácuo deixado pela velha política, mas personificando a própria incoerência:
pregavam um Estado mínimo enquanto promoviam a ocupação de cargos
com o núcleo duro do seu grupo e também com amigos e amigos dos amigos. Para piorar, chegaram ao ponto de propor a criação de leis restritivas de liberdade, como uma que regulava opiniões em redes sociais.
Isso deveria ser divulgado desde seu surgimento no cenário político, pois já iniciaram sequestrando as manifestações de rua espontâneas,
que pediam a destituição dos antigos governantes - diziam que foram "eles" que organizaram, "eles" que fizeram e aconteceram... e como se fruto de uma trama, quase de imediato assumiram um protagonismo inexistente, viabilizado pela imprensa parceira do antigo governo, que os alçou ao posto de oposição permitida.
A falta de uma organização dos conservadores não permitiu a difusão de análises mais profundas sobre os liberais quererem substituir os donos do poder (establishment), e não desinchar
o Estado para o reconstruir, como haviam prometido em campanha.
Poucas vozes denunciavam a mentalidade revolucionária dos
liberais, que os torna aliados de primeira hora de comunistas e socialistas. E foi por isso que, mal
iniciado o governo conservador, seguiram sua sina, abandonando a base e deixando
claro que só o apoiaram por falta de um candidato próprio, carismático, que
pudesse guindá-los ao poder, e fosse capaz de enfrentar os profissionais da administração
comunista anterior. Assim, com a autoestima atingindo os píncaros, acharam-se aptos
a entrarem no jogo político, e então traíram o governo, que sucumbiu num impeachment de cartas marcadas,
quase um “julgamento de Moscou”. Não lhes importava serem usados, nem servirem
de ferramenta para aplainar o terreno da volta do regime autoritário que antes
diziam combater. E desse modo contribuíram com a funesta retomada do poder pela esquerda.
Estavam convictos de que, se se esforçassem para arruinar
os programas conservadores, ocupariam espaços no novo governo, e por isso propagaram narrativas de enfrentamento e
ajudaram a sabotar as pautas da segurança, da economia e dos costumes; quando
não votavam contra, retalhavam os projetos enviados pelo governo, ou criavam
outros que contrariavam as promessas de campanha do governante. Não perceberam
os valores em jogo, os mesmos que levaram as pessoas comuns a participarem do “levante
conservador” que destituiu a esquerda do poder.
Ao mesmo tempo, convocavam comícios para desestabilizar
o governo; e com discursos fortes, perseguiam os servidores públicos que caíram
nas graças do povo ao ajudarem a mudar o estado de coisas e ao agirem como peças fundamentais no despertar do desejo de mudanças, enfrentando criminosos aliados do ditador, e ele próprio, partícipes de uma quadrilha que, enquanto dividia o povo (para
melhor conquistá-lo), dividia também o butim.
Por essa razão, os membros da direita permitida foram corretamente pechados de Nova Esquerda.
Bancaram a aposta traindo o próprio eleitorado, que
embarcou na campanha liberal convencido pelo discurso do individualismo, do
empreendedorismo e do Estado mínimo.
Não se importaram com o fato de que o governo comunista
promoveria achaques generalizados, através de um ordenamento jurídico
estapafúrdio; nem com a evidente fuga de capitais, que atingiria em cheio a
economia que mal se recuperava.
Demonstraram que, além dos comunistas e dos socialistas,
os liberais também não se preocupavam com o país, mas com o poder – e o
dinheiro e as regalias que ele proporciona.
* * *
Seguindo a cartilha, logo que empossado, o ditador agiu
com rapidez e rigor; radicalizou e, com isso, evitou que a oposição se
reorganizasse e oferecesse resistência ou, quiçá, tentasse voltar ao poder.
De um lado, tomava medidas para aprofundar a submissão
da população – miséria moral, espiritual, social e material; e de outro, perseguia,
prendia, torturava e matava os membros do governo deposto e seus simpatizantes.
Aliás, a perseguição estatal aos apoiadores do líder destituído foi implacável –
alguns empresários e a difusa militância, formada por meia dúzia de abnegados acusados
de formarem uma “milícia” –, e já ocorria em pleno governo conservador, através
dos burocratas das instituições públicas infestadas de radicais revolucionários,
que rejeitavam a nova filosofia implantada no país.
E quando muitos acreditavam que o país andaria, porque
os inimigos do governo haviam fugido, ou sido silenciados, ou estavam presos ou
mortos, uma surpresa: os expurgos continuaram, e alcançaram os próprios
liberais, antes anestesiados pela crença cega de que a economia funcionando pacifica
a sociedade. Eles acreditavam que aproveitariam seu “know how” na geração de empregos
e na produção de riquezas, porque entendiam serem necessárias para viabilizar
os investimentos na área social, tão cara aos comunistas, que aproveitariam para
promover as (falsas) propagandas de serviços públicos de qualidade oferecidos à
população e da erradicação da pobreza.
Eles não haviam compreendido a brutalidade dos
regimes ditatoriais, que propositalmente produzem a fome, a miséria e o
desemprego, e mantêm a população sob o jugo para se eternizarem no poder, impondo
o silêncio, o medo, gerando a incapacidade de revolta (até em pensamento), o pavor
da acusação de traição ao Estado, a eterna desconfiança entre amigos e familiares...
Por fim, os expurgos alcançaram a população, que perecia
diante da escassez provocada (dizia o governo) pelo capitalista inimigo
opressor, e engrossada pela política de “bocas a menos a alimentar, gente de
menos a controlar”. Então, além de fuzilamentos de supostos traidores do partido
ou da nação, eram disseminadas práticas como o aborto e a eutanásia, para diminuir
o número de pessoas improdutivas, como crianças, idosos e doentes, um estorvo
para o governo.
Estabelecido o controle total, pôs-se em prática o
plano comum em todo país dominado por uma estrutura ditatorial, onde o
“Establishment”, a “Nomemklatura” e os “amigos do rei” vivem de forma
diferenciada, num lugar em que a propaganda, inimiga da realidade, afirma: “todos
são iguais”.
Fernando
César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, gosta de escrever e, de
certa forma, é um saudosista.