segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Os 3 porkim – uma fábula moderna




Insíncero, Dramático e Peidor, descendentes de personagens que, em algum lugar, em algum momento, passaram por maus bocados com um certo Lobo, viviam agora juntos, cada qual com sua própria família, num prédio moderno, urbano, muito bem construído, com sapatas e tudo.

Infelizmente (para eles!), tinham que conviver com outras famílias, de outros bichos, com quem nem sempre mantinham boa relação, pois gostavam de fazer articulações e subjugar a vizinhança a seus caprichos.

Quando uma família de cães mudou para um dos apartamentos – Sr. e Sra. Poodle, e seu filhotinho, o Poodinho –, como de praxe, o trio, hábil em fingir amizades para angariar simpatia e votos nas assembleias, foi dar boas vindas aos recém-chegados. Um levou ração, outro fez orações, e o terceiro presenteou o filhote com um osso de borracha.

Enquanto se congraçavam tomando cerveja, comendo tira-gostos veganos e acendendo incensos; os Porkim, sem deixar a bola cair, aproveitaram o clima para queimar o filme do Bode Velho da Cobertura e da Maritaca do 1º andar.

Os cães até tentaram manter um relacionamento amigável com os renegados, mas, com o tempo, perceberam que suas personalidades se adequavam mais às dos Porkim. Para ajudar, o azedume do velho Bode e a cantoria incômoda da Maritaca acabaram afastando de vez o casal de fifis, falsos que dói e donos de uma frescura que só a natureza da raça explica.

Os outros moradores do edifício AB Farm eram: o Sr. Pinscher, do 3º andar, um vida lôka metido a fashion, que não fedia nem cheirava, assim como o Seu Robalo, que vivia com a mãe, no 301; os jovens do 2º andar, Cervo, do 201 e Barrão, do 203, seguiam todas as recomendações dos Porkim, igual à Dona Foca, do 101, e a Srta. Marreca, do 204, duas solteironas amargas, uma velha e outra nova, que não suportavam o Bode, sua esposa – a Cabra –, e seus Cabritinhos. Havia, ainda, duas repúblicas de estudantes: no 102 moravam Galinhas e Pombos, e o 303 era dividido entre Gatos e Pavões. Os estudantes não se relacionavam com os demais condôminos.

Como é comum nas grandes cidades, formavam uma maioria de solitários, isolados das famílias e dos amigos, que conviviam intimamente com samambaias e pets. E os encontros esporádicos com esses amigáveis vizinhos, para deitarem falação sobre a vida alheia, dava-lhes a falsa sensação de ainda viverem em sociedade.

O desgaste da relação o Sr. Bode aumentou quando os Porkim marcaram uma assembleia para destituir a síndica, Dona Garça, que havia sido eleita pela providência divina, retirando deles o império de décadas. Além disso, ela não permitia que filhotes jogassem bola na garagem, nem que os conspiradores guardassem suas motocicletas num canto onde atrapalhariam a saída de outros condôminos, que eles consideravam “menos importantes”.

O Bode, indignado e avesso a maracutaias, mostrou o absurdo pretendido, mas eles contavam com o reforço da retórica do Sr. Poodle e os votos das marionetes. Foi voto vencido, com Dona Garça e Srta. Maritaca.

A partir desse dia, os Porkim e o Sr. Poodle desciam todas as noites para encontrarem meios de dificultar a convivência do desafeto, e levá-lo a se mudar de lá.

Por conversarem no escuro, ficaram conhecidos pelos moradores dos prédios vizinhos como Turma do Pacto das Catacumbas, mini-vingança do Bode, que criou o apelido como forma de protesto, em alusão aos comunistas do Clero Católico que, pretendendo implodir a Igreja tal como concebida através dos séculos, se reuniram em segredo, no curso de dois Sínodos realizados no Vaticano. Com eles pareciam por serem seres rastejantes que viviam nas sombras até alcançarem o poder.

Inventaram inúmeras reformas, jogaram o valor da taxa condominial lá em cima, e alguns realmente tiveram que sair, principalmente, o Velho Bode, cujos negócios iam mal e era o provedor da maior família do condomínio. Ele vendeu a unidade quando foi aprovada uma grande obra, que fez aumentar a taxa em 200%, e lá se foi, recomeçar a vida num bairro da periferia.

Bateu os sapatos ao sair, para sequer levar a poeira daquele lugar, e nem soube que contrataram a Lupus Malus Construções para reformar o prédio, cujo dono era descendente de você-sabe-quem.

Tempos depois, ouviu-se no noticiário que uma tragédia se abatera no Edifício AB Farm.

No lugar de reforçarem as estruturas e repaginar o edifício, como contratado, o empreiteiro e sua equipe literalmente puseram o prédio abaixo. Fecharam as saídas, derrubaram as portas das unidades e, em seguida, chacinaram os moradores, passando um a um no garfo, para depois baterem em retirada.

Pesaroso, o Bode chamou sua família para juntos rezaram por aquelas almas, e aproveitou a história para ensinar uma lição aos filhos.

Diferentemente do que ocorreu com os antepassados do trio de porquinhos, a moradia com estrutura sólida não adiantou dessa vez. Ninguém soprou, o prédio ruiu por dentro (que ironia!). Não havia ali ninguém sensato. Os líderes, vaidosos, orgulhosos e politiqueiros, não reuniam capacidade intelectual suficiente para perceberem que levavam todos à morte.

O Sr. Lupus Malus não foi punido, como era de se esperar, porque as leis locais eram progressistas, frouxas.

Na época, falava-se muito em desencarceramento, e a ação criminal foi distribuída ao Juiz competente, o mais graduado do Tribunal Aquático, o Sr. Bagre, um pulha odiado por todos porque não punia os das classes mais abastadas, mas brindava com sua severidade os menos assistidos.

Pouco tempo passou, e a sociedade nem lembrava mais disso.


Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, gosta de escrever e, de certa forma, é um saudosista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário