segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A merda só fica pronta depois das seis



Uostergleysson ia ao banheiro, diária e pontualmente, às seis e trinta da manhã, para exercitar o intestino. Naquele dia, porém, precisava fazer um exame de sangue bem cedo, e acabou saindo de casa antes do horário do hábito - às 5h45 -, em jejum, rumo ao Centro da Cidade para encontrar o “vampiro”.
Ele até foi ao banheiro, sentou no bocão, e por quase dez minutos tentou dar uma aliviada, mas não conseguiu, por falta de material pronto.
Saiu de casa, pegou o coletivo, andou um tanto e chegou ao laboratório dentro do horário, sendo liberado pouco mais de sete da matina, quando foi procurar algo para o desjejum.
Enquanto entrava num local aparentemente limpo e saudável, sentiu um primeiro deslocamento de ar dentro da barriga. A nebulosa saiu de um ponto a outro como um raio e parou pertinho do escapamento. A violência com que aquilo ocorreu o deixou em estado de alerta, mas continuou fazendo o que tinha que fazer.
Só que, poucos segundos depois, sentiu-se novamente incomodado e, prevendo o que estava por acontecer, viu-se obrigado a usar o banheiro da lanchonete na qual já havia se sentado e tinha acabado de pedir uma coxinha e um suco, o que seria seu café da manhã.
Correu para a casinha e, lá chegando, não achou o vaso. Só havia um mictório de chapa de aço, daqueles compridos, desnivelados para escorrer o líquido, que pegam a parede de fora a fora, com o interior cheio de rodelas de limão e bolinhas de naftalina, um ralo ao final da parte mais baixa, que desemboca num cano de pvc exposto e depois some debaixo do assoalho, e que na parte superior há um cano furado, de onde pingam gotas de água para facilitar o descarte da ureia.
O segundo deslocamento de ar, mais violento, convenceu-o de que não havia como voltar; e fez o serviço ali mesmo, empesteando não apenas o cômodo já não muito cheiroso, mas todo o estabelecimento.
Não havia papel higiênico e ainda era muito cedo para o proprietário encher o depósito de toalhas de papel. Não restou outro jeito senão fazer a limpeza com a cueca zazá velha de guerra, que tombou heroica e definitivamente, lambrecada de bosta, dentro da lixeira. Pelo menos havia uma lixeira...
Ao proprietário não restou alternativa, senão expulsar da lanchonete o mau-freguês e, em seguida, chamar dona Semíramis, a faz-tudo (inclusive os salgados), para jogar pinho-sol no banheiro, trocando uma catinga por outra.
Saindo dali, Ostinho, hipocorístico pelo qual era chamado, cumprindo o programado, foi buscar um equipamento no conserto, imprescindível para bem cumprir o próximo contrato de trabalho, no dia seguinte. Ele era fotógrafo.
Lembrou que, pelo menos, havia marcado com a cliente às oito da manhã, e isso o fez sentir alívio, pois dava para ir ao banheiro em casa, no horário oficial.
Ao chegar à oficina, ouviu do técnico que o serviço só estaria pronto depois das seis, mas que ficasse tranquilo, porque a loja fecharia após esse horário.
Desolado por ter que voltar mais tarde da periferia em que morava, repetiu para si mesmo, com raiva, uma frase que invariavelmente lhe ocorria: “A merda só fica pronta depois das seis”.


Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, gosta de escrever e, de certa forma, é um saudosista.


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