quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Cinema com a miss


Finalmente, Tonny Doido conseguiu marcar um cineminha com Miss Pancake, uma das meninas da escola, numa época em que a divisão se dava por séries, e não por anos. No lugar de ensino fundamental, médio e superior, havia o 1º grau, dividido em primário e ginásio, o 2º grau e o 3º grau (faculdade).
Sessão das três da tarde...
Naquele dia, ele almoçou antes do meio dia. Viu as roupas de “bagagem” que estavam limpas. Não sabia se ia com a camisa da Giló ou da Hot Stick, acompanhando a calça carpinteiro da Company e tênis Cantão 4. Não queria ser chamado de arigó ou “mal arrumado” novamente, como fizeram os playboys da Moreira César, em Icaraí, na última vez que batera pernas por aquelas paragens.
Olhou a carteira.  O dinheiro dava para as passagens, as duas entradas, a pipoca, o refri e sobrava para a caixinha de mentex. Nada mais.
Marcaram em frente ao Cinema Central, às duas e meia, para conversarem um pouco antes de começar o filme.
No caminho, uma menina lindinha estava no mesmo ônibus, sentada um pouco mais à frente, do outro lado do corredor. Cabelinho louro, encaracolado, parecia uma carneirinha. Já haviam se esbarrado em algum lugar, mas não lembrava onde. Provavelmente em alguma “festa americana” em que deve ter entupido as fuças de batida de pêssego, cerveja barata e vinho de garrafão, comido uns pastéis queimados e sacanagem (petiscos servidos num “palito de dente”), e ouvido Raul e Legião, com os caras mais velhos no fim tocando Leãozinho e Beto Guedes para ficarem com as minas.
Começou a caminhar do ponto final do ônibus em direção ao cinema, e notou que ela, a carneirinha, estava ao seu lado.
Atravessou a Rio Branco e ela também. Passaram pela lanchonete, atravessaram a Rua da Conceição e pronto. Um monte de gente em frente ao cinema. Chegaram às duas e vinte e dois, oito minutos antes do horário marcado.
Buscou com os olhos, ficou na ponta dos pés para ver se encontrava a Miss Pancake, e nada.
A carneirinha, a seu lado, fazia o mesmo, como que repetindo seus passos.
Minutos depois, ficou na ponta dos pés novamente, enfurnou-se no meio do povo e... nada (de novo!).
Não sabia se comprava as entradas.
Nervoso, olhava para o lado; andava de um canto a outro, por toda a extensão do cinema indo até à esquina próxima aos Correios. Nada!
A fila para entrar começava a se formar. O local já apresentava certa organização. Abriram-se as portas do Cinema. Saiu uma renca de gente, enquanto outra leva começava a entrar.
Ele perguntou na bilheteria se ainda havia ingressos e obteve sim como resposta. O velhinho míope informou ainda que a galeria não estava cheia.
A frente do cinema ficou vazia. Faltava dez para as três e apenas Tonny Doido e a carneirinha estavam na calçada, enquanto casais e avulsos esporádicos entravam já sem a confusão. Cruzaram o olhar pela primeira vez. Trocaram um sorriso sem graça, de canto de boca, envergonhados.
Resolveu comprar os ingressos. Sabia que o dinheiro ia fazer falta, mas não podia arriscar, porque depois das três não seriam vendidos mais para aquela sessão.
Olhou de novo a carneirinha. Vestido branco, corpo queimado de sol, marca de biquíni aparecendo. Linda. Preferia tê-la convidado no lugar da Miss Pancake. Pelo menos era pontual.
Faltavam cinco para as três.
Ambos caminhavam de um lado a outro no lado de fora do cinema, em passos apertados, e se cruzavam no meio.
Ele resolveu arriscar o início de uma conversa, para matar o tempo:
- Levamos um bolo.
Ela assentiu com a cabeça:
- Parece que sim. E o filme é tão interessante. Rock Estrela. Adoro Léo Jayme.
- Eu também. Comprei o LP. Não tem essa música, mas é muito bom.
Ela falou que não tinha o LP – era mais "papo" de menino comprar essas coisas.
A conversa animou. Seu plano de fazer o tempo passar dava certo. E aí ele pensou se deveria convidá-la para entrarem juntos. Era estranho, mas faltavam dois minutos para as três.
E aí, convido ou não convido? Remoía em sua cabeça de adolescente.
Ainda conversavam quando resolveu dar a última olhada para os lados do ponto de ônibus.
Lá vinha a Miss Pancake: passos desleixados, bem devagar, com uma marra que não lhe convinha.
Ele olhou para o lado e falou:
- Acho que não vou levar mais bolo. A gente se vê por aí?
- Sim. Bom filme. Vou para a Mesbla ou andar pelas galerias de Icaraí. Não vou entrar sozinha no cinema.
Talvez ela não tivesse dinheiro, e contava com o da sua companhia para pagar a entrada. Mas, de seu lado, Tonny não tinha dinheiro para pagar mais uma, infelizmente. Teria feito de bom grado.
- Então, tá. Tchau.
- Tchau.
Caminhou apressado para a entrada e apresentou as entradas. Eram três e um, e já se encaixava na roleta, ainda sozinho. Voltou um pouco, colocou a cabeça de fora, estivou o bração e fez assim com a mão para Miss Pancake apressar o passo.
Deu a última olhada na carneirinha que se afastava, com passos de gazela.
Eles nunca mais se viram.


Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta, contista e cronista, além de saudosista


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