segunda-feira, 25 de abril de 2016

Esto es tutto do torcedor: futebol e política na mesma perspectiva


Assistindo ao jogo do meu time de futebol de coração nas semifinais do campeonato carioca contra um dos seus rivais – de quem não ganha há não sei lá quantas partidas –, vem à minha mente aquela velha máxima de Blaise Pascal: “o coração tem razões que a própria razão desconhece”.
Há pouquíssimo tempo, de 2004 a 2014, foram onze competições estaduais, das quais meu Flamengo venceu seis. Enquanto isso, o rival que virou seu calo momentâneo não ganhou nenhuma. Logicamente, seus torcedores diziam à época que o campeonato tinha perdido o charme e a graça – “não é mais como antes”, “não vale mais nada”, repetiam. Para pior sorte desses infelizes torcedores, o time foi rebaixado três vezes à segunda divisão do principal campeonato brasileiro, aquele campeonato que diziam ser “o que conta”. E, por fim, seu "maior" dirigente foi acusado de enriquecer desviando dinheiro do clube [1] e, coincidentemente, passou por dificuldades financeiras enquanto esteve afastado do clube pela diretoria que assumiu em seu lugar [2].
Estavam abaixo de porão de minhoca. Mas, agora que seu time ganhou uma taça e está vencendo aquele que consideram o maior rival, o campeonato voltou a ter charme, “o ‘gigante’ voltou”, “cadê a freguesia?” e blá-blá-blá.
Isso é mal? Não! Sempre pode piorar. Está assim na política.
A “torcida” perdedora já gozou de grandes momentos no cenário nacional, especialmente nas seguidas derrotas no pleito, quando fazia um belo trabalho na oposição. À época, arrogava para si, seus “jogadores” e “dirigentes” o monopólio de todas as virtudes, do amor ao próximo, da inteligência, da militância política etc.
Contudo, depois de ganhar o “campeonato nacional” por quatro vezes seguidas, vimos que “suas ideias não correspondem aos fatos” [3]. No período em que frequentou e ganhou tudo na primeira divisão, o clube subornou jogadores dos adversários e juízes para não perder partidas, e também comentaristas, que enalteciam suas virtudes e amenizavam ou escondiam seus deslizes.
Ficou muito claro que nunca houve amor ao próximo. Esse amor era “amor ao próprio”. Seus dirigentes enriqueceram indevidamente a olhos vistos, mas a torcida retruca, afirmando que os dirigentes dos outros clubes também enriqueceram e que não foram os dirigentes de seu clube que inventaram o enriquecimento indevido.
É amor, amor cego, surdo, mudo e doente.
Se seus jogadores são pegos no exame antidoping, afirma que os jogadores dos outros times também jogam dopados. Alguns da torcida até fariam xixi para um jogador do time não ser pego no doping. Vale mentir para ganhar.
Descobriu-se que a torcida “gigantesca” nos jogos nada mais é do que os “sem-clube”, pessoas contratadas com dinheiro desviado da federação e do clube para ocuparem os espaços das arquibancadas. Para gritarem o nome do time e cantarem hinos, recebem o ingresso, alguns poucos reais, a camisa do time e um hot-dog da geneal.
Outros jargões repetidos pelos fanáticos na guerra de torcidas informam que a culpa é: do Presidente da Federação pelo sorteio das chaves; do bandeirinha que marcou o impedimento (legítimo, diga-se); do juiz que apitou o pênalti (escandaloso) contra; do gandula que colocou rapidamente a bola em campo; do comentarista que narrou por mais tempo o gol do adversário; e do jornalista esportivo que criticou o time na resenha. Não assumem os erros, e se porventura forem pegos em flagrante, como seu estatuto os libera de qualquer culpa, bradam que os outros erram também, que seu time fez muito pelo campeonato ou, ainda, veja só!, que têm o direito de errar porque sempre agem com boas intenções. Afinal, milhões puderam comemorar os títulos que ganharam...
Ficou feio, muito feio, a ponto de as torcidas adversárias irem pressionar seus dirigentes, o presidente da federação e os julgadores competentes. Maracutaias foram investigadas e ainda são descobertas quase que diariamente pelos auditores; os fatos, revelados pela imprensa; e os ilícitos, julgados no TJD.
Em resposta, a “torcida fanática” começou a dizer: “é gópe”; a imprensa nunca gostou do time; as outras torcidas não aceitam dividir o estádio com os torcedores humildes do time; e o tribunal protege os times das elites.
O que acontece é que seus membros estão furiosos com a possibilidade de perderem os privilégios que gozam com a atual diretoria, como nunca antes gozaram na história desse país. Mentem e querem matar o mensageiro para não enfrentarem os fatos.
Bom. A intenção da diretoria em relação àqueles coitados dos “sem-clube”, que iam aos estádios mediante mesada, era mantê-los eternamente dependentes de doações e subsídios. E acontece que essas pessoas que foram supostamente beneficiadas, agora estão sofrendo na lanterna da 2ª divisão da vida, sem técnico e sem campo de treinamento.
A cúpula administrativa, no lugar de contratar diretores profissionais, investir no time, na qualidade de seus jogadores e nas instalações do clube, apenas deu boa vida aos torcedores e os ensinou a odiar. Convenceu-os de que suas vidas eram um eterno Fla x flu, um clássico contra todos os que não amassem seu clube. Para mostrar serviço, deveriam fechar as vias de chegada aos estádios, humilhar, desprezar, constranger, bater, cuspir e escarrar nos adversários, que “queriam entregar o futebol a clubes estrangeiros”.
Acabada a fantasia (deveria, ao menos) com a “falência do futebol” e do modelo de disputas, alguém deveria ter a decência e a grandeza de perceber seus erros, assumir a culpa e dizer que esse comportamento beira o ridículo. Sabemos que os dirigentes, sempre envolvidos com atividades à margem das leis desportivas, continuarão criando histórias fantásticas enquanto fumam seus charutos cohibas e pensam como negar sua responsabilidade. Eles, que nunca veem ou sabem de nada, nem se preocupam com questões morais... Só incentivam os torcedores a serem violentos.
Temos que esperar que essa mudança parta da legião de histéricos que os torcedores se transformaram ao longo da história.
O campeonato iria melhorar muito.

NOTAS
[1] Eurico Miranda nega desvio de 20 milhões do Vasco. Folha de São Paulo, 07/12/2001. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/esporte/ult92u30708.shtml>. Acesso em 24/04/2016;
[2] Eurico voltou ao Vasco. Mas antes teve que superar tumor e crise financeira. UOL, 12/11/2014. Disponível em <http://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2014/11/12/eurico-voltou-ao-vasco-m//as-antes-teve-que-superar-tumor-e-crise-financeira.htm>. Acesso em 24/04/2016;
[3] Trecho de “O tempo não para”, de Cazuza e Arnaldo Brandão.


Fernando César Borges Peixoto. Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta, cronista, contista e, de certa forma, saudosista.

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