Desde muito cedo
descobriu que seu coração era grande. Luzias, Luísas, Cláudias, Carlas,
Beatrizes, Lúcias, Marias, todas tinham morado dentro dele (seu coração) antes
de completar 12 anos de idade. Mas, tudo foi diferente com Verônica, o terceiro
ou quarto “primeiro amor” de sua vida.
O enamorado compulsivo
apontara seu radar para a mocinha vistosa e pujante que, na realidade, era uma
cavala, com uma diferença de idade significativa nessa época de nossas vidas:
completaria 15 anos até o fim do ano. Sim, estava atrasada na escola. Culpa dos
pais, que não paravam em lugar nenhum.
Era um menino
tímido, mas obstinado, e logo deu um jeito de se aboletar para o lado dela e das
amigas, desenvolvendo a amizade para curtir o amor platônico mais de pertinho.
Um dia, criou
coragem e perguntou se ela gostava de alguém (naquele tempo, era isso que se
perguntava: “você gosta de alguém?”). Ela disse que não e foi inconveniente o
bastante para devolver a pergunta. Ela, sabida, sabia. A seu turno, ele enrolou
o quanto pode, até que num dia, diante da insistência dela, aproveitou que seu
ônibus estava parado no ponto recolhendo passageiros para sussurrar em seu
ouvido:
- Você,
Verônica.
Fingindo-se
surpresa, ela falou algo enquanto ele corria:
- Eu? Jamais
poderia imaginar.
Entrou no ônibus
envergonhado – após aquela que não seria a única amarelada que daria em sua
vida. Tinha certeza que ela não era para ele. Muita coisa, muito tudo. Pensou
em nunca mais voltar à escola, mas não teve jeito.
O tempo passou.
Ela nada mais falou. Lógico! Ele se afastou sem conseguir superar a vergonha.
Lógico! Mas, não sem antes sair para bater com seu coração volúvel noutras
freguesias.
Os dias se
arrastaram até que, finalmente, acabou o ano letivo. A potranca saiu da escola
porque foi morar na capital com o pai, recém-separado de sua mãe.
Três anos se
passaram, e lá estava ele deslocado, numa festa americana muito louca – quem
frequentou bem sabe como ficavam as almas depois do mix de frutas, empadão, pastel,
biscoitos, refrigerante, cachaça, vinho de 5ª e vodca de 10ª.
Tinha a galera
da maconha tocando músicas “cabeça” no violão, e os boyzinhos que saíam à caça
das meninas que ficaram a noite toda com alguém que já tinha ido embora àquela
altura – quando rolava o famoso “beijar homem por tabela”. Depois de meia-noite
já começava “no woman, no cry”, seguida de músicas de Beto Guedes, 14 Bis, Rita
Lee, Luiz Melodia, e seguia para Ultraje, Paralamas, Barão, Repemê e o grandioso
Lobão, com a indefectível “Me chama”. Quantas vezes, nas madrugadas, vozes
embriagadas não desafinaram aos berros e aos quatro ventos que: “nem-sem-pre-se-vê
lágrimas no escuro”?
Voltando ao
nosso herói, ele não acreditou quando olhou para o lado e viu seu “ex-inesquecível
primeiro amor”, que continuava linda. Foi em sua direção e se preparou para fazer
a clássica pergunta (idealizada por um amigo): “viste alguém que te interessaste?”
(dessa forma, ou “sic”), quando um velho conhecido chegou por trás, abraçou e
beijou a musa.
Cebola era o seu
nome, um Zé Mané convencido, fedido, mas que era mais velho, fumava e
trabalhava. Quase causou uma síncope no agora desolado adolescente, que não
acreditava que o maior mentiroso, trambiqueiro, metido a pegador e difamador de
meninas estava ali no bem-bom com Verônica. Inveja? Ciúme?
Cumprimentos
trocados, suas vidas seguiram. Até que ela foi ao banheiro e Cebola, aproveitando
para ser insuportável como sempre, mandou a letra:
- Conhece?
Facinha...
O agora rapaz
ficou sem voz. Já havia se apaixonado ao menos umas seis vezes naquele período
em que perderam o contato, mas isso não dava a ela o direito de “fazer aquilo
com ele” – aquela volta triunfal às avessas. No momento em que a avistou seu
coração bateu mais rápido e forte. Agora, era só decepção.
Bebeu de uma só
golada uma cuba-libre feita de refrigereco e três fazendas, tomou o violão do
maconheiro que acabara de dizer que “amigo é coisa pra se guardar do lado
esquerdo do peito” e tocou “Canção da despedida”. Cada acorde, um sofrimento: “Já
vou embora, mas sei que vou voltar...”.
Não. Ele não
iria voltar. Aliás, quase não chegou. Engatou na birita, foi a pé pra casa e
não soube nem como foi parar só de cuecas em sua cama.
A música que
tocou não fala de “dores de amores”, mas de exílio. Só que, sem querer, acertou.
Estava no exílio, afastado e saudoso, não de uma terra, mas daquele tempo da
paixão platônica, em que, no fundo, nutria esperanças em ter para si uma
mocinha ingênua com mais idade que ele. A realidade, àquela altura, era por
demais cruel.
Estranhamente,
entrava na adolescência com saudades da infância, daquela inocência de um
eterno apaixonado.
E só havia
passado três anos...
Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, metido a
escritor, ensaísta, cronista, contista e, de certa forma, saudosista
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