quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Como um passarinho


Naquele ano as coisas não andavam bem. Seus pais haviam se separado. E os professores reclamavam de seu comportamento – iria ficar em recuperação, se não perdesse o ano direto.
Era muito novo para pensar em namorada, até porque as meninas de sua idade pensavam em rapazes mais velhos – ainda estava entrando na puberdade.
Sua mãe, preocupada, disse que ia levá-lo a um médico, para ver se ele estava com “problema de cabeça”. Poderia utilizar o plano de saúde de funcionário público do seu pai. Então, lá se foi o menino conhecer o doutor.
Ao chegar, começou a percorrer o espaço com os olhos. Não havia secretária. Na parede do consultório, vários diplomas pendurados. Um senhor de aparência de estrangeiro, com nome de estrangeiro, atendeu e falou:
- Entre, por favor.
O consultório ficava do outro lado da cidade. As consultas seriam às segundas-feiras, das dez às onze da manhã, para dar tempo de chegar ao colégio estadual. O horário ruim era fruto do plano, que cobria as sessões, “mas não cobria muito” – o dinheiro é sempre mais bem vindo.
Comprava o jornal de esportes na banca em frente ao prédio do médico – começava a adquirir esse hábito. Futebol aos domingos, o Flamengo de Zico quase sempre ganhava. Analisava o jogo junto com o jornalista. Discordava das notas abaixo de 9 dadas ao jogadores do seu time, da mesma forma que ficava em polvorosa quando via um 6 ou mais para os perebas do time adversário.
Já na sala, ficava calado, e o psiquiatra também. Se falasse alguma coisa, o doutor apertava os olhos, demonstrando interesse, e esperava por mais permanecendo calado – o menino tinha a impressão de que em algum momento seria sacado um cachimbo, e que um violino seria tocado, produzindo um lindo som aveludado como incentivo. Mas, ele não sabia o que falar.
Chegou uma fase em que começou a ler o jornal no meio da sessão, pensando que seria chamado à atenção, levaria uma bronca.
Que nada! O psiquiatra ficava tentando olhar seu rosto por trás das folhas, e quando o menino abaixava o jornal para facilitar sua vida, percebia que ele mexia a cabeça igual a um passarinho, com leves meneios: ora para a direita, ora para a esquerda, para cima e para baixo. Dava vontade de rir, mas não podia, por educação.
Mais algum tempo se passou e aquela situação começou a aborrecê-lo. Não abria mais a boca. Ora, o cara tinha estudado, era médico... Por que não perguntava as coisas?
Nada mudava, e o incômodo era cada vez maior. Não sentia nenhum progresso.
De outro lado, havia coisas que o agradavam bastante... Não queria perder as experimentações a que se submetia naqueles dias – verdadeiras aventuras. Adorava almoçar sozinho na rua, onde escolhesse (que era sempre o mesmo lugar, diga-se). Com a grana liberada comia dois “cheese tudo”, cada um com um copão de refri, e ainda sobrava para o milk shake e umas cinco fichas de space invaders no fliperama ao lado da lanchonete (não gostava de pimball).
No colégio, dizia que tinha ido ao psiquiatra por causa da falta do pai em casa. Dava status ser vitimista, assim como hoje. Poucos ali eram filhos de pais separados. No máximo filhos de mães solteiras ou de viúvos, o que também era raro.
Vários meses depois sua mãe teve o mesmo sentimento sobre o progresso do tratamento. O pai achava que psiquiatra era “médico de maluco”. Talvez fosse mesmo.
Então, as sessões foram interrompidas. E assim acabou a aventura das viagens de dois ônibus para sair da periferia e chegar à zona sul. Junto, ficaram para trás o almoço de sandubas, o fliperama... Até o hábito do jornal foi esquecido.
O menino finalmente ficou sabendo que frequentava um psicólogo e fazia terapia freudiana – pelo menos foi o que achou tempos depois.
No ano seguinte tudo se acertou. Mas, até hoje ele não descobriu qual problema, comportamental ou não, havia adquirido em razão das circunstâncias externas, da separação de seus pais. Não sabia sequer se tinha problemas ou se era algo inerente ao crescimento normal e sadio dos jovens – seu “envelhecimento”, a entrada na puberdade, a juventude e a rebeldia. O que valeu foram as idas e vindas, sozinho, para um local distante e pela primeira vez em sua vida; a preocupação de se alimentar, divertir-se e cumprir horários. Coisas simples que não tinha tido tempo de aprender até então porque havia a sua mãe a lhe direcionar.


Ah! As garotas começaram a se interessar por ele...


Fernando César Borges Peixoto


Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta, contista, cronista e, de certa forma, saudosista.

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