sábado, 29 de outubro de 2016

A difícil arte da despedida


A vida quase nunca é para nós aquilo o que pensamos que seria quando éramos crianças – e até adolescentes. Minha mãe dizia que meu sonho, na infância, era ser trocador – não sei se era para manipular “tanto dinheiro” ou porque, naquela época, ele nos entregava fichas coloridas, referentes ao trajeto da viagem, para depositarmos num recipiente de vidro ao descermos do ônibus.
Eu demorei muito para decidir a profissão que realmente iria abraçar, fui dando cabeçadas por aí, e quando estava quase me formando, a vida me pregou uma peça: conheci minha esposa pela internet, fui parar no tal do Espírito Santo com uma proposta de emprego e ali (ou aqui) formamos a nossa família.
Mas, isso sempre tem um preço alto. A felicidade não é barata não.
No meu caso, eu perdi o contato com pessoas que poderiam me ajudar profissionalmente, com os conhecidos, com os amigos e, principalmente, com os familiares. A perda do contato com meus pais é a que mais me afetou, e me aflige mais a cada dia, porque já estão bem idosos, passando da média de vida do brasileiro.
É bem verdade que nem todos fazem falta, como eu também sei que não faço falta para muitos, mas a impossibilidade de presenciar alguns fatos e circunstâncias, envolvendo certas pessoas, traz graves aborrecimentos e até dores lancinantes, como no dia em que a minha sobrinha e afilhada deixou sua vida aqui na Terra, o que se deu no final de outubro de 2011.
Nesse dia, nós jogamos qualquer roupa em qualquer mala, e entramos no carro – porque as passagens de avião estavam caras além da conta –, mas não andamos 30 km, quando o carro meio que “bateu o motor”. Era um carro novo, com poucos quilômetros rodados – foi um livramento, talvez. E a partir daí foi um verdadeiro inferno. Ligações para amigos, para familiares, para corretor, para empresas de viagens... E de lá do meio da BR 101.
Enfim, fomos socorridos e embarcamos. Chegamos em cima da hora do enterro, mas conseguimos nos despedir.
Contudo, isso nem sempre é possível. Muitas vezes não consegui sequer me mobilizar para ir a celebrações e a enterros de amigos e parentes, em razão de compromissos e também da falta de grana e de tempo hábil. Não esqueço que não pude me despedir da minha madrinha, que foi uma das pessoas que mais me amou nessa vida.
Hoje nos deixou o irmão mais novo de meu pai. Curiosamente, eles eram vizinhos, mas se viam muito pouco, assim como nós aqui em casa, quando viajávamos para o lugar onde nasci e me criei. O engraçado é que, quando me via, já ia gritando: “- Ô, capixaba! Ô, capixaba!”. Hehehe.
Kiko era aquele tio com quem eu gostava de encontrar. Na casa da vó, onde quase nunca estava; no bloco do Arrasta-Tudo do Barreto, no último dia do carnaval, quando eu vestia a fantasia de “sujo”. Era aquele tio solteirão (só casou depois dos 50, com uma vizinha que conheceu em um de meus aniversários)...
Certa vez, ele me levou, ainda muito pequenino, para passar um dia com ele, num clube onde me diverti tanto que lembro até hoje. Lembro também da sua insistência para que eu dirigisse seu fusquinha de estimação, quando eu tinha tido apenas duas aulas de direção: “- Vai dirigir sim, sem medo. É meu sobrinho, é inteligente. Não se preocupe, você tira de letra”.
Eu enjoado que só, fiquei com “ele” na seringa, mas o tio ficou todo bobo (ou aliviado?), porque não causei nenhum acidente.
É bom lembrar que meu pai não faria isso, não com duas aulas de condução, mas ele era caçula, o mais “irresponsável” por assim dizer, e podia fazer isso à vontade. Talvez essa independência dele tenha chamado a atenção desse que sempre foi um rebelde.
Um legado que me deixou foi a responsabilidade de ser o único a levar o nome do meu avô adiante, segundo as antigas regras do Direito Civil, já que não teve filhos e é o único irmão homem do meu pai. Eu sou o único filho homem também, mas já consegui jogar a “batata quente” no colo do meu filho.
A vida é feita desses pequenos momentos significativos, e a gente não deve deixar que a crueldade lá de fora nos contagie e tire isso também.
A distância novamente tira a oportunidade de me despedir de uma pessoa querida. Então, me despeço daqui.
Vá com Deus, tio Kiko, que Ele conforte sua esposa e o receba para o convívio dos eleitos.


Fernando César Borges Peixoto

Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta, cronista contista e, de certa forma, saudosista

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