Em “Comida,
ocupação de espaços e doutrinação” [1], lembrei que “Antonio Gramsci falava da necessidade da
ocupação de espaços para difusão da ideologia marxista e a conquista de
corações e mentes”,
e que, em razão disso, “somos
alvo de doutrinação até mesmo quando assistimos a um programa”
de culinária.
O texto tratava da temporada do Masterchef amadores, em que que
foi criada uma narrativa em torno das minorias étnicas, inicialmente com a atenção
voltada à candidata negra, pobre, que perdeu o irmão para a violência,
e cujo talento limitado na cozinha foi posto em segundo plano. Porém, bastou sua
desclassificação para que as câmeras se voltassem para um participante oriental
que fazia intervenções recheadas de vitimismo barato e canalha. Uma pessoa que ressaltava
sua origem humilde e “acusava” os adversários de serem pessoas bem nascidas, enquanto
escondia que era oncologista e pesquisador [2].
Como era de
se esperar, na primeira versão da disputa entre Chefs profissionais da franquia,
as pautas
do marxismo cultural não foram abandonadas, e a
partir da edição dos episódios, o tema do “machismo na
cozinha” foi bastante
explorado. A mídia adotou a narrativa, que
“está na moda”, e o assunto tomou conta das redes sociais.
Um exemplo sutil
da abordagem do tema ocorreu na final, quando a Chef Paola Carosella, que já
apoiou o movimento de invasão de escolas em São Paulo [3],
disse à concorrente do sexo feminino [4]:
Assim como eu e a Ana, você escolheu entrar em uma
profissão dominada pelos homens. Às vezes a gente tem que ouvir umas idiotices
que... vou te falar. Mas você não está aí por ser mulher, mas por ter um
talento incrível. Nós, jurados, não vemos gênero, religião, se é fofinho,
carismático. Nós vemos pessoas, e nosso trabalho é julgar pratos que nos
surpreendam.
E
ela ainda acrescentou o seguinte [5]:
“[Dayse,] você abriu os olhos das pessoas para que elas olhem
sem gênero”.
Já a
apresentadora Ana Paula Padrão, fundadora da “Escola de Você”, que oferece gratuitamente
o curso “autoconhecimento, empoderamento
e empreendedorismo para mulheres”, no endereço https://www.escoladevoce.com.br/, disse que o
machismo é algo que mexe com ela porque está ligado a sua vida, e continuou [6]:
Ver machismo até onde não tem ajuda a fomentar a
discussão sobre a igualdade de gênero na cozinha e em outros ambientes (...).
Quando você fala muito sobre um assunto, você tende a ver viés dele em todas as
discussões. Às vezes, as pessoas veem machismo naquilo que não é. Mas isso não
é ruim. É sinal de que a discussão está aí e as pessoas querem e precisam falar
sobre isso. Finalmente ganhou espaço. O importante é vir à tona.
Por sua
vez, o Chef Erick Jacquin não aderiu à narrativa do machismo na cozinha, e foi
bastante feliz em seu comentário, sobre não ceder privilégios a um ou outro em
razão do gênero [7]:
- Quem é machista aqui? Eu adoro
minha mulher, não consigo viver sem minha mulher. Não existe machismo na
cozinha. Existe cozinheiro e o resultado é igual. Não é porque é mulher ou
homem que eu vou tratar diferente. Na cozinha não tem diferença nenhuma, todo
mundo é igual. O importante é a comida, o prato.
Registre-se que
pautas esquerdistas são abordadas no programa brasileiro, mas nos demais programas
da franquia Masterchef, pelo resto do mundo, isso não é comum, ou não é tão
explícito.
Vamos seguir
adiante.
Quando
restavam cinco participantes no programa, os quatro opositores, incluída a Chef
Fádia Cheiato, que foi eliminada nessa etapa, apontaram Dayse Paparoto como a
participante mais fraca.
No programa
seguinte o desclassificado foi Ivo Lopes, que fora mestre da Dayse no Due
Cuocci e havia declarado que era melhor cozinheiro que ela. Machismo? Não. Pode
ser questão de gosto, convicção, grande autoestima ou até arrogância.
Com Ivo
desclassificado, Dário Costa e Marcelo Verde acharam que fariam a final, porque
a cozinha deles é contemporânea, criativa. Machismo? Novamente não. Mas, o que
seria do mundo se não fosse a visão dialética de tudo e, a reboque, a
necessidade de criar conflitos, contraposições, tensões?
Então, Dário
foi desclassificado, e chegava a final...
A maior ironia
é que, se os dois que chegaram ali possuíam o mesmo número de vitórias, Marcelo
tinha disputado a eliminação mais vezes. Ou seja, a trajetória de
Dayse era superior.
Dayse se
sagrou vencedora e, quando tomou a palavra, falou de Chef batendo em sua cara
para “acordar”, ou cobrando a entrega do prato enquanto ela sofria as dores de
uma queimadura. Disse que era algo muito duro, mas isso a fez perceber que a
cozinha não é lugar de deixar de soltar um prato por qualquer machucado, porque
o cliente está lá esperando, e é do dinheiro dele que sai o alimento de 20
famílias que dependem do restaurante [8].
Em
entrevista à TVeja [9],
Dayse falou que na época em que aprendeu – e foi outro dia, pois é muito nova
–, o fato do Chef ser ríspido com os comandados funcionava. Hoje ela acha que
não dá mais certo, mas em razão das pessoas serem ressentidas demais e se magoarem
por qualquer coisa. É o mundo vitimista, é a “agenda” na cozinha...
Quem quer
trabalhar com gastronomia deve necessariamente saber que não pode interromper um
serviço cronometrado e exauriente para ter uma crise existencial, por não saber
por onde começar; ou para pedir que alguém pegue em seu lugar uma panela pesada
ou quente; ou para que todos sofram juntos consigo as dores da sua queimadura
ou do seu corte no dedo.
E se faz
isso e leva um chega-pra-lá, qual o direito de se fazer de ofendido? Ou de
alegar que foi “vítima” de machismo?
Há muita
pressão nessa profissão que requer a execução de pratos com perfeição e num
curto espaço de tempo, apresentações refinadas, a obsessão com a limpeza...
Por isso não
sobra tempo para dramas pessoais. É um ambiente em que não há espaço para o
politicamente correto. Pelo contrário, é o tipo de profissão que requer uma
liderança, e uma liderança firme, que aos sensíveis soa bruta, grosseira, “machista”.
Aliás, é
muito comum encontrar pessoas egocêntricas, brutas, arrogantes e/ou prepotentes
nesse meio. Daí não haver lugar para os sensíveis.
Ora, eu não
possuo talento para a dança. Logo, não posso me candidatar a uma vaga numa
companhia de dança para impor a minha vontade e me fazer de vítima se não for
aceito ou levar bronca a cada movimento errado. Cada macaco no seu galho. Ninguém
é obrigado a respeitar nossas vontades ou idiossincrasias.
Em verdade,
a exploração desse tema foi uma forçação de barra para criar uma narrativa de
vitimismo da mulher completamente descabida e só abraçada por tolos. Tanto que
até a própria Ana Paula Padrão afirmou, de forma enviesada, que viram machismo
onde não houve, apesar de, segundo ela, isso ser algo positivo. Ela não falou,
mas o “machismo que
marcou a sua vida” não a impediu de crescer em sua
profissão. Acaba parecendo autopromoção: “apesar de..., eu venci”.
Houve, sim, broncas
em quem não tinha iniciativa, ou preferia parar e reclamar – algo indesculpável
numa cozinha – enquanto os outros trabalhavam na pressão. Houve, também, lições
de como comandar uma cozinha com firmeza, o que o politicamente correto
transforma em ato discriminatório, pois, para pessoas afetadas, o grito fere
mais que demonstrações de birra ou de melindre. E houve, ainda, falta de
educação e arrogância de quem se sente superior aos demais, mas nada disso foi
direcionado a uma pessoa ou “minoria”. Não pode ser tratado por machismo.
Ninguém falou: “‘Faça isso’ ou ‘cale a boca’ porque você é mulher”.
Aliás, pau
que bateu em Chico bateu em Francisco também, porque teve homem tomando bronca
de mulher [10].
Em relação ao fato de Ivo mandá-la pegar
uma vassoura e varrer o chão, e ao ser questionado sobre o episódio ter dito
que “mulher é mais sensível”, a própria Dayse
respondeu que já está “calejada com o tratamento ríspido dos colegas
de trabalho e não considera que seus adversários tenham menosprezado sua
competência pelo fato de ser mulher” [11].
Ora, ela estava tirando a concentração dele com as interrupções.
Quanto ao sentimentalismo exacerbado, ela
disse que ficou por conta do público, porque está acostumada [12]:
O ambiente na cozinha
é muito duro. É quente, machuca, é pesado. Por isso é que os homens se destacam
mais. As mulheres não podem ser mulherzinhas, ter mimi. É um ambiente masculino
por esse motivo. Ela precisa ser tão forte quanto os homens. Precisa ser ogra,
durona. (...) Tem mulheres que são muito sonsas, não pode ser tão assim
devagar. Acaba prejudicando a imagem das outras.
Por fim, em
muito boa ocasião, ela
ainda disse que esperava não ter se tornado um
símbolo do feminismo [13].
Isso enfureceu a feminista
Ana Paula Padrão, que na reunião pós-final revolveu o assunto e chegou a sair do
eixo para defender seu ponto de vista.
Ela afirmou que machismo e
feminismo não são contrários, em razão da semântica – embora o significado das
palavras seja um instrumento de doutrinação utilizado por esquerdistas –, mas não
apontou os movimentos feministas completamente distintos, igualando a luta pelo
sufrágio universal e outras ações voltadas para tornar melhor a vida das
mulheres, com essa aberração que se tornou o feminismo de hoje, o do marxismo
cultural, muito mais preocupado em dividir a sociedade e destruir a família
tradicional, que conquistar benefícios para as mulheres; o feminismo que acusa o
homem de estuprador, vê machismo em tudo, reivindica o direito de matar a
criança no ventre, ataca o cristianismo ao mesmo tempo em que faz ouvidos
moucos em relação aos muçulmanos...
Mas, ficou claro que, pelo
“padrão” Padrão,
tudo o que é negativo é machismo. Por isso ela foi ríspida com as participantes
que não adotaram seu discurso ideológico: disse que a Fádia teve uma atitude “machista” ao reclamar que dois
rapazes ficaram de braços cruzados enquanto ela, “uma mulher”, teria que desossar um cordeiro; e reclamou
da Priscylla, por não se voltar contra os colegas “machistas”. Só concordou ao final com a Izabela, que
não falou de machismo no programa, mas na profissão (curiosamente, Izabela também
é advogada, profissão recheada de esquerdistas).
Para a apresentadora,
também não é justo que apenas mulheres com personalidade forte consigam sucesso
numa profissão que exige... personalidade forte [14]-[15].
A apresentadora, que não
trabalha numa cozinha para ser tão veemente e intransigente, omitiu que há
Chefs famosas no Brasil. Junto aos jornalistas convidados, forçou tanto a mão que
os participantes acabaram entrando em espiral do silêncio [16],
deixando de se contrapor às acusações em face das interrupções grosseiras, e
não reclamando do feminismo radical demonstrado.
São essas
problematizações criadas que movem o marxismo cultural, responsável pela formação
de pessoas cada vez mais infantilizadas, que não assumem responsabilidades e procuram
imediatamente um acontecimento, ou alguém em quem possam colocar a culpa de não
conseguirem sucesso ou por terem feito algo errado. O marxismo cultural também
vive por meio das divisões que promove na sociedade, para tornar mais fácil
conquistá-la.
Os deslizes
ocorridos no programa estão muito mais ligados às qualidades e os defeitos do
ser humano, do que propriamente a algo de cunho discriminatório. Com efeito, a
arrogância e a prepotência estão ligadas ao caráter e à intimidade da pessoa, e
não podem – e não devem – ser confundidas com a autoestima, nem com o machismo,
apenas em razão de uma agenda, pois denota uma desonestidade intelectual muito
grande.
É preciso
separar as coisas para evitar o caos.
(Continua...)
(Continua...)
NOTAS
[1]
PEIXOTO, Fernando César Borges. Comida,
ocupação de espaços e doutrinação. Impressões e Confissões Expressas,
23/07/2016. Disponível em http://fernandopeixoto-es.blogspot.com.br/2016/07/comida-ocupacao-de-espacos-e-doutrinacao.html. Acesso em 14/12/2016;
[2]
PEIXOTO, Fernando César Borges. Comida,
ocupação de espaços e doutrinação...;
[3] Maselli, Juliana. Paola
Carosella cozinha em escola ocupada por estudantes em São Paulo. EGO, 07/12/2015.
Disponível em http://ego.globo.com/famosos/noticia/2015/12/paola-carosella-cozinha-em-escola-ocupada-por-estudantes-em-sao-paulo.html.
Acesso em 14/12/2016;
[4]
Vitória de Dayse, “alfinetada” de Ana Paula Padrão e tensão marcam final
do “MasterChef Profissionais”. VejaSP, 13/12/2016. Disponível
em http://vejasp.abril.com.br/blogs/pop/2016/12/13/masterchef-profissionais-final-memes/. Acesso em 14/12/2016;
[5] No Masterchef Profissionais, Ana Paula Padrão e Paolla
Carosella falam sobre machismo e Erick Jacquin discorda: - Não existe isso na
cozinha. Estrelando, 14/12/2016.
Disponível em http://www.estrelando.com.br/foto/2016/12/14/no-masterchef-profissionais-ana-paula-padrao-e-paola-carosella-falam-sobre-machismo-e-erick-jacquin-discorda---nao-existe-isso-na-cozinha-211302. Acesso em 15/12/2016;
[6]
Pacheco, Paulo. Discurso na final do
“MasterChef” revolta participantes e mãe de Marcelo. UOL, 13/12/2016. Disponível
em http://tvefamosos.uol.com.br/noticias/redacao/2016/12/14/discurso-na-final-do-masterchef-revolta-participantes-e-mae-de-marcelo.htm. Acesso em 14/12/2016;
[8] Masterchef profissionais: Temporada 01, Episódio 11, Parte 04.
Masterchef Brasil, 13/12/2016. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=oInZ6G1830w. Acesso em 14/12/2016;
[9]
A campeã “tchururu” do primeiro Masterchef Profissionais. Bons
de Garfo. Veja.com, 15/12/2016. Disponível em http://veja.abril.com.br/tveja/bons-de-garfo/a-campea-tchururu-do-primeiro-masterchef-profissionais/. Acesso em 15/12/2016;
[10]
“Patada” de Ana Paula Padrão em
participantes chama a atenção no “MasterChef” desta terça (15). VejaSP,
16/11/2016. Disponível em http://vejasp.abril.com.br/blogs/pop/2016/11/16/masterchef-profissionais-15-11-2016/.
Acesso em 14/12/2016;
[11]
Perline, Gabriel. Irmã
de Marcelo xinga jurados; veja o que rolou nos bastidores da final do “MasterChef Profissionais”. Estadão, 14/12/2016. Disponível em http://emais.estadao.com.br/blogs/gabriel-perline/irma-de-marcelo-xinga-jurados-veja-o-que-rolou-nos-bastidores-da-final-do-masterchef-profissionais/.
Acesso em 14/12/2016;
[12] Aloi, Rafael. Dayse, do “MasterChef”: “Tem mulher sonsa, cozinha pede ogra”. Veja, 14/12/2016. Disponível
em http://veja.abril.com.br/entretenimento/dayse-a-masterchef-tem-mulher-sonsa-cozinha-pede-ogra/. Acesso em 14/12/2016;
[13]
PESSOA, Gabriela Sá. “Não quero ser símbolo do feminismo”, diz Dayse após final do “MasterChef”. Folha de São
Paulo, 14/12/2016. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/12/1841288-nao-quero-ser-simbolo-do-feminismo-diz-dayse-apos-final-do-masterchef.shtml.
Acesso em 14/12/2016;
[14] Masterchef profissionais: A
Reunião, Parte 01. Masterchef Brasil, 20/12/2016. Disponível
em https://www.youtube.com/watch?v=d6rYIi3K-SA&t=1515s. Acesso em 21/12/2016;
[15]
Masterchef profissionais: A Reunião, Parte 04. Masterchef Brasil, 20/12/2016. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=G2YBubEzb5k. Acesso em 21/12/2016;
[16]
A “Espiral do Silêncio” é uma teoria da comunicação criada por Elisabeth
Noelle-Neumann, segundo a qual as pessoas que não se posicionam junto à opinião
pública, em regra sobre temas estabelecidos pela ditadura do politicamente
correto e reproduzidos pelos meios de comunicação, reúnem grandes chances de
serem chamadas de fundamentalistas, intolerantes, fascistas e até nazistas. A
finalidade é calar as opiniões contrárias, dominar o debate e isolar os que
discordam do pensamento dominante.
Publicado originalmente no Portal Mídia Inversa: http://midiainversa.com/novamente-politizacao-da-culinaria-i-feminismo-vs-machismo/
Publicado originalmente no Portal Mídia Inversa: http://midiainversa.com/novamente-politizacao-da-culinaria-i-feminismo-vs-machismo/
Fernando César Borges
Peixoto. Advogado, pós-graduado
em Direito Público e em Direito Civil e Processual Civil, niteroiense, metido a escritor, ensaísta,
cronista, contista e, de certa forma, saudosista.
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