Usa a técnica de elaborar regulamentos
em abundância para inviabilizar o cumprimento de tantas obrigações e acuar o
infrator, que não pode sequer alegar que desconhece o ordenamento jurídico, em
razão de uma ficção jurídica segundo a qual a mera publicação no Diário Oficial
dá ciência da norma e obriga seu cumprimento. E, assim, os inimigos são silenciados
sob a ameaça de investigação, fiscalização ou qualquer outra demonstração de
força do Estado, que poderá promover uma devassa capaz de aniquilar qualquer
meio de ação de um desafeto. Trata-se da representação do brocardo: “aos amigos os favores da lei,
e aos inimigos os rigores da lei”.
O mecanismo será
também usado para acabar com a concorrência e favorecer aos amigos do rei – o empresariado
que dará apoio financeiro aos ocupantes do poder em troca do credito fácil, de
incentivos legais e da manutenção dos privilégios. A matéria da Veja ilustra isso muito bem:
“Um escândalo silencioso: governo e
Congresso articulam perdão de multas e a transferência de milhares de bens dos
contribuintes a empresas de telefonia” [2].
Por fim, um Estado forte e
policialesco é forjado para explorar pessoas físicas e jurídicas com uma
altíssima carga tributária para, entre outras coisas, fortalecer ainda mais o
Estado, patrocinar o elevado padrão de vida de políticos e burocratas, com seus
altos salários, regalias e poder, e investir em propaganda e em políticas
públicas com o fim de alterar o modelo civilizacional dos países de Cultura
Ocidental.
No Brasil de FHC, os mercados de
setores estratégicos foram abertos para a exploração por empresas privadas, a
fim de atrair investimentos. Contudo, para manter tais setores sob o jugo do
Estado, e permitir sua exploração por quem o governo quisesse, foram criadas autarquias
chamadas Agências Reguladoras.
Era tudo um engodo, mas a esquerda mais radical aproveitou para colar nos tucanos o termo “neoliberal” e dizer que são “de direita”. Então, a partir daí foi dado início à “estratégia das tesouras” [3] por tucanos e petistas.
Exemplificando a simbiose entre
governo, Agências Reguladoras e empresas privadas, além da notícia da nota nº
2, que trata da doação de bens públicos às empresas de telefonia pelo governo
federal, seguem as análises de duas questões recentes.
A primeira é uma regra esquecida pelo público, que trata da limitação da internet de banda larga fixa, e ainda é um fantasma que nos ronda, pois é do interesse das operadoras.
A primeira é uma regra esquecida pelo público, que trata da limitação da internet de banda larga fixa, e ainda é um fantasma que nos ronda, pois é do interesse das operadoras.
Em
abril de 2016, os usuários da internet tiveram uma surpresa com a declaração de
João Rezende, então presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), de que a “era da banda larga fixa ilimitada
acabou”
[4]
por causa do congestionamento da rede,
o que impede as operadoras de manterem o serviço
ilimitado em todos os planos. A solução é a alteração dos contratos, com as
franquias passando a funcionar como a internet móvel. Assim, quando o volume de
dados contratados chegar ao fim, o serviço será suspenso ou cairá a velocidade
de conexão.
A
reclamação foi geral e, em 22/04/2016, o Conselho Diretor da Anatel
proibiu as operadoras de limitarem o acesso à internet de banda larga fixa, até
que fosse julgada a questão [5]. Mesmo assim, em 31/05/2013,
a Anatel publicou a Resolução nº 614/2013, que permite, no artigo 63,
inciso III e §§ 1º e 3º [6],
que as operadoras adotem a franquia de consumo em seus planos de serviço.
Foram
protocolados alguns projetos no Congresso, com o intuito de barrar a medida,
dos quais se destacam o Projeto
de Decreto Legislativo do Senado Federal (PDS) nº 14/2016, do senador Cássio
Cunha Lima, que visa a sustar alguns dispositivos
legais; e
o Projeto de Lei (PL) nº 174/2016, do senador Ricardo Ferraço, que insere o
inciso XIV no artigo 7º da Lei nº 12.965/2014, com vistas a “vedar a implementação de
franquia limitada de consumo nos planos de internet banda larga fixa”. O PDS aguarda a designação de relator, enquanto o PL
tramita na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática
(CCT).
Como até o presente momento a questão
não está decidida, as operadoras fazem forte lobby na Anatel para permitir que implantem
a conexão limitada, nos termos da Resolução nº 614/2013.
O atual presidente da
Anatel, Juarez Quadros, afirmou que não há previsão para decidir o tema, pois a
Anatel ainda não decidiu qual o melhor modelo de cobrança da banda larga no
país. Já o secretário das telecomunicações do Ministério da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações, André Borges, disse que muitas exigências
do governo estão ultrapassadas, e que a privatização do setor não foi
acompanhada de sua desregulamentação [7].
Ou seja, as mudanças virão, e certamente o povo irá pagar a conta.
A segunda questão envolve a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que em 13/12/2016 publicou normas estabelecendo direitos e deveres aos
consumidores, na prestação de serviços por companhias aéreas.
A vigência começa a partir de 14/03/2017, e a mais significativa das
mudanças estabelecidas foi a permissão para cobrar pela bagagem despachada.
Como contrapartida, o peso máximo da bagagem de mão foi majorado de 5 para 10
quilos por passageiro.
Segundo as empresas, a flexibilização “vai baratear as passagens de quem não
despachar mala” [8], mas na realidade ela
vai prejudicar o consumidor, em razão do baixo número de empresas que disputam
o mercado. Ora, num ambiente de livre concorrência, para disputar os
passageiros, muitas empresas não cobrariam pela bagagem e ainda baixariam o
preço da passagem. Porém, com poucas empresas, o valor do serviço é quase padronizado.
Esse mercado também é altamente
regulamentado pelo Estado, e o número excessivo de leis novamente acaba, de um
lado, gerando o protecionismo, pois só atua quem o Estado quer; e, de outro,
escancarando as portas para a corrupção, pois é impossível cumprir tantas
regras, o que gera multas pesadas, um prato cheio na mão de burocratas e
políticos desonestos, uns com o poder de “esquecer” de multar ou de cobrar o
débito, outros com o poder de votar uma isenção, uma anistia ou uma desoneração.
O prejudicado é o consumidor, como
demonstra a declaração do proprietário da companhia Ryanair, que atua no
seguimento de voos de baixo custo, ao jornal “La Nación”. Ele disse que a
empresa atuaria em toda a vizinhança, exceto no Brasil: “Iniciamos negociações em todos
os países da região, menos no Brasil, já que há muita corrupção” [9].
Mas, o brasileiro acostumou com a
falácia de que o Estado deve conferir, por lei, direitos e benefícios à
população. Aliás, sobre os direitos e benefícios, ele sabe de cor, na exata
medida em que desconhece seus deveres.
Acontece que o Estado não dá nada a
ninguém: ele tira de alguém, fica com uma grande fatia e depois distribui o
resto. Não dá para todos, e isso custa caro...
Pagamos tributos demais, e o Estado
oferece em troca um serviço ruim, seja diretamente, através de escolas,
hospitais, segurança pública, Judiciário etc., ou indiretamente, fazendo com que
as empresas privadas se preocupem mais em cumprir um rigoroso ordenamento
jurídico do que em vender produtos ou prestar serviços com qualidade e a um
preço justo.
Outra falácia é que os legisladores (e
os juízes legisladores) criam esse emaranhado de leis (e jurisprudências) com vistas
a melhorar a vida em sociedade e a combater o retrocesso. É uma tolice pensar
que a produção industrial de leis está ligada aos “avanços da sociedade”, e que
a baixa edição de leis é um “retrocesso”.
Esse é um mecanismo que confere
vantagens a uma casta poderosa, formada por alguns que há gerações passam o
bastão a seus descendentes, e que cultiva o fortalecimento de um empresariado
subserviente que lhe dá suporte.
Gente demais faz leis, aprova leis,
trabalha com as leis, e ganha muito dinheiro e fortalece seu poder com isso,
enquanto o excesso de legislação reduz a liberdade dos sem poder.
Muitos pensam que o Código de Proteção
e Defesa do Consumidor (CDC) foi editado para proteger o consumidor, que os
Procons Estaduais e Municipais também, juntamente com as Agências Reguladoras.
Não é bem assim.
Muitas circunstâncias ligadas
diretamente ao produto ou serviço, são consideradas no cálculo do preço e do
lucro da atividade empresarial [10].
Além disso, há várias regras do estatuto que tratam das relações de consumo,
que devem ser cumpridas, gerando um grande custo ao empreendedor, e esse custo
vai entrar no cálculo do preço junto com a previsão de gastos com as ações
judiciais oriundas da “proteção” conferida pelo Estado. Ou seja, o dano moral
conseguido “na Justiça” já está embutido no preço de partida. Assim, quem paga
pelos “favores da
lei”
conferidos ao consumidor é ele próprio, utilizando ou não tais favores.
Já o interesse em criar as pessoas
jurídicas de direito público que “regulamentam e fiscalizam” o mercado está na geração
de inúmeros cargos que irão acomodar os companheiros de luta e a militância,
pessoas que vão ocupar os espaços nos vários escalões disponibilizados, e
também nas comissões instituídas para “discutir os temas, e trazer
soluções e melhorias para a população”.
O problema não está na ambição do
empresário, e sim na sanha arrecadatória e regulatória do Estado, e na busca de
vantagens por políticos e burocratas. A propalada preocupação com a população é
“da boca pra fora”. Preocupa-se com a
boa vida que um cargo político ou uma boa vaga no serviço público pode
proporcionar em países de matiz esquerdista. Aliás, há algo de muito errado no
país no qual quem vai para o setor público enriquece.
Quanto maior o Estado e mais regulado
o mercado, fica mais fácil determinar quais amigos do rei terão o “status” de grande
empresariado e fornecerão os produtos e serviços essenciais à população pobre que
paga a conta.
As empresas estarão sob o jugo de
agências reguladoras. Porém, são elas as campeãs de reclamação nos Procons e de
ações no Judiciário, como as do setor bancário, da aviação, da telefonia, de TV
por assinatura, de planos de saúde, todas tendo em comum a baixa concorrência e
a forte regulação estatal.
Já percebeu que poucas empresas atuam no
Brasil, nos grandes setores? Quantas aéreas existem? Quantas instituições
financeiras? Quantas do mesmo setor, ou de setores distintos, pertencem ao
mesmo grupo empresarial, diminuindo ainda mais a concorrência?
Quantas empresas investem e logo em
seguida abandonam o país? Quantas são incorporadas por empresas já
estabelecidas? Quantas não conseguem entrar ou não possuem interesse em
trabalhar no Brasil, em razão da corrupção e do “custo-Brasil”?
A intromissão de entes públicos como
as Agências Reguladoras na proteção do mercado é ótima para o “empresariado
amigo”, e péssima para os consumidores. E a falta de concorrência, em razão de
uma relação promíscua entre o Estado e o capital privado, gera um empresariado
indolente, dependente de subsídios. No Brasil, um exemplo foi o setor naval.
Não é à toa que vira e mexe vêm à tona
suspeitas e denúncias de uma casta de empresários beneficiados com a venda de
empresas estatais ou com financiamento a juros abaixo do mercado, facilitado
com pouca ou nenhuma garantia, para promover investimentos. A venda da Vale e o
gigantismo da Friboi servem de exemplos.
A desregulamentação
também é só “da boca pra fora”. Os projetos dos políticos e burocratas nunca incluem a
abertura do mercado para acabar com essa espécie de “ação entre amigos”, onde poucas
empresas dividem entre si o mercado, impedindo a verdadeira concorrência e beirando
a uma possível formação de cartel.
Eles sabem que é mais lucrativo criar
órgãos e agências, instituir comissões, contratar especialistas, elaborar
projetos, enfim, criar vários grupos de estudo e obstáculos que custam caro ao
erário, e só prejudicam os consumidores e os pagadores de tributos, para fingir
que vendem facilidades.
Na economia de mercado, o consumidor
estabelece se a empresa continuará suas atividades, ao prestigiar o bom
fornecedor, e deixar à míngua o fornecedor ruim e quem pratica preços aviltantes.
Quando não há um controle estatal que
atrapalhe o mercado, as coisas funcionam e sobra dinheiro na mão de quem
trabalha e produz, e ele vai procurar a melhor oferta, a melhor da relação
custo vs. benefício. Mas, então, lá vem o Estado e... POW! Veja os exemplos da
tributação sobre Netflix, Spotify e Uber, e a ameaça ao Nubank, que quase teve
que “fechar as portas” [11].
A solução seria deixar a concorrência
“comer solta”. A partir desse momento, fornecedores de produtos e prestadores
de serviços começariam a brigar por uma fatia do mercado, seja melhorando a
qualidade, seja baixando o preço. Todos ficariam felizes, com a exceção dos que
lucram com o atraso e a regulação.
Todavia, não podemos esquecer que tudo
isso é planejado, em razão do viés ideológico e dinheirista dos governantes.
Para alterar esse quadro, só trocando
o poder de mãos e alterando o viés ideológico de grande parte da classe
política, e essa é uma tarefa árdua, num país de analfabetos funcionais e de
viciados em “benefícios” estatais, que nem sabem o quanto neles estão
enraizados os fundamentos socialistas.
[1]
ROCKWELL, Lew. O
que é o socialismo fabiano – e por que ele importa. Instituto Mises Brasil, 01/03/2016. Tradução de
Leandro Roque. Disponível em http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2331. Acesso em 12/04/2016;
[2]
“... quando os contratos das teles
terminassem, em 2025, todas teriam a obrigação de devolver à União parte do
patrimônio físico que vinham usando e administrando desde a privatização. São
milhares de imóveis, além de carros, antenas, torres, cabos, instalações,
redes. Agora, sob as “regras modernizadoras”, todo esse patrimônio, em vez de
ser devolvido aos contribuintes como originalmente previsto, será incorporado
pelas teles, com a condição de que elas invistam o valor equivalente em seus negócios.
Quem não adoraria um presente assim? A questão, neste momento, é avaliar o
exato valor desse patrimônio. Uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da
União informa que o valor total pode passar de 100 bilhões de reais — uma
fortuna capaz de aliviar em um ano até o déficit da Previdência” (Frazão,
Felipe. Planalto
dará presente bilionário às teles. Veja, 18/12/2016. Disponível em http://veja.abril.com.br/brasil/planalto-dara-presente-bilionario-as-teles/. Acesso em 18/12/2016);
[3]
A estratégia das tesouras é
uma tática usada por dois grupos cujo posicionamento político possui o mesmo
viés (não importa a denominação do partido), um mais radical e o outro mais
moderado, fingindo fazer oposição um ao outro para isolar e calar possíveis
adversários, até extinguir a verdadeira oposição e dividirem entre si o domínio
político. Como comungam de ideologias análogas, o que há entre eles é apenas a
disputa por cargos;
[4]
COSTA, Machado da. Era da banda larga fixa
ilimitada acabou, diz presidente da Anatel. Folha de São
Paulo, 18/04/2016. Disponível
em http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/04/1762387-era-da-banda-larga-fixa-ilimitada-acabou-diz-presidente-da-anatel.shtml. Acesso em 14/12/2016;
[5] Anatel
proíbe limites na internet de banda larga 'por prazo indeterminado'. G1,
22/04/2016. Disponível
em http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/04/anatel-proibe-limites-na-internet-de-banda-larga-por-prazo-indeterminado.html. Acesso em 13/12/2016;
[6] “Art. 63 - O Plano de Serviço deve conter, no
mínimo, as seguintes características:
(...)
III - franquia de consumo, quando aplicável.
§ 1º - O Plano de Serviço que contemplar franquia de consumo deve
assegurar ao Assinante, após o consumo integral da franquia contratada, a
continuidade da prestação do serviço, mediante:
I - pagamento adicional pelo consumo excedente, mantidas as demais
condições de prestação do serviço; ou,
II - redução da velocidade contratada, sem cobrança adicional pelo
consumo excedente.
(...)
§ 3º - As prestadoras de SCM devem, em seus Planos
de Serviços e em todos os demais documentos relacionados às ofertas, informar
a(s) velocidade(s) máxima(s), tanto de download quanto de upload, de maneira
clara, adequada e de fácil visualização, bem como as demais condições de uso,
como franquias, eventuais reduções desta(s) velocidade(s) e valores a serem
cobrados pelo tráfego excedente”;
[7] Minozzo, Paula. Cobrança por franquia de dados em banda larga
ainda é impasse. Zero Hora, 21/10/2016. Disponível em http://zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/tecnologia/noticia/2016/10/cobranca-por-franquia-de-dados-em-banda-larga-ainda-e-impasse-7865663.html. Acesso em 13/12/2016;
[8] Lis, Laís. Anac
aprova regra que autoriza aéreas cobrarem por bagagem despachada. G1,
13/12/2016. Disponível
em http://g1.globo.com/economia/noticia/anac-aprova-regra-que-autoriza-aereas-cobrarem-por-bagagem-despachada.ghtml. Acesso em 13/12/2016;
[9] Cavalheiro, Rodrigo. Aérea de baixo custo não vem ao Brasil devido à “corrupção”. Exame, 21/06/2016.
Disponível em http://exame.abril.com.br/negocios/ryanair-chega-a-argentina-e-evita-brasil-por-corrupcao-diz-proprietario/. Acesso em 14/12/2016;
[10]
Como viabilidade da atividade,
custo do material empregado, tributos incidentes, procura do produto ou serviço
pelo consumidor, local onde será feita a oferta, valores da concorrência,
perdas de material, gastos com publicidade e prejuízos;
[11]
Nubank pode fechar as portas se BC confirmar mudanças.
Veja, 19/12/2016. Disponível em http://veja.abril.com.br/econo/mia/nubank-pode-fechar-as-portas-se-bc-confirmar-mudanca-amanha/.
Acesso em 20/12/2016.
Fernando César Borges
Peixoto. Advogado, pós-graduado
em Direito Público e em Direito Civil e Processual Civil, niteroiense, metido a escritor, ensaísta,
cronista, contista e, de certa forma, saudosista.
* Texto originalmente publicado no Portal Mídia Inversa
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