Sempre ouvi dizer que
a pior hora é aquela em que se fecha o caixão, apertam-se as borboletas e alguém
começa a cantar: “Com minha mãe estare-ei, na Santa Glória um diiia...”.
Não para mim. A pior
hora foi aquela em que se fechou a parede de pedra, ergueu-se o muro isolando o
corpo palpável, presencial, agora inerte, mas que pouco antes possuía vida — e
uma vida tão importante —, para revelar a morte inapelável.
Ela se foi. A mulher
que mais me amou, a que fez mais do que qualquer outra faria; quem daria
facilmente a vida por mim.
Em seu lugar, um
vazio. Perdeu-se aquela alegria. Nunca mais verei o riso fácil que espantava a
saudade depois do encontro havido ao fim da longa viagem imposta pelo destino,
aquele ingrato que estabeleceu o considerável espaço físico que nos separava.
Falo do riso fácil que nem mesmo a doença covarde que apaga as pessoas aos
poucos conseguiu roubar.
Agora é impossível
rezar o Terço sem ouvir sua voz se destacando entre as demais. Para sua
tristeza, tenho certeza disso, infelizmente, poucas vezes a acompanhei nessa
demonstração de fé e da pequenez humana ao render graças ao metafísico, ao
nosso Deus, o responsável por nossas vidas e por nossa concepção da moral, da
fé, da esperança, da caridade e do amor.
É também impossível
esquecer os conselhos da infância, sobre respeito a limites, colegas, bens
alheios e pessoas mais velhas; e depois o timing dos novos conselhos na
adolescência, sobre honrar compromissos, ser caridoso com os necessitados –
confesso que aqui, por vezes, falhei –, e dos cuidados em relação a estudos, companhias,
locais frequentados, drogas, amizades e, novamente, sobre limites e respeito,
agora em novas perspectivas.
Apesar da rebeldia
incurável, prevalecia o respeito; as broncas eram aprendizado, e não um
incômodo, como de forma malfazeja percebem esses jovens das novas gerações de
geleia. Lição ensinada, lição aprendida — a ação reprovada não seria repetida.
Seu cantinho
preferido agora jaz vazio, e serve somente para machucar, lembrando a perda,
aguçando a saudade, e provocando o pranto e a pontada lancinante que alcança o
fundo da alma — há tanta coisa que poderia e deveria ser dita.
Dizem que uma criança
definiu a saudade como “o amor que fica”. Não sei da autoria, mas abraço o
conteúdo. No pós-facto, esse sentimento nos faz buscar, com urgência, imagens,
fotos, escritos e tudo o que atice a memória, como se a inércia implicasse o
esquecimento da vivência conjunta; ou como se fosse possível recuperar o tempo
perdido; ou, ainda, como se tais ações permitissem a repetição presencial daqueles
momentos.
Mas o tempo surpreende,
e quando e onde menos esperamos, percebemos que quem partiu transcendeu ao se fazer
reconhecer no jeito de sorrir dos filhos; no olhar da irmã; na careta de alguém
próximo, vista de soslaio no reflexo do espelho; nas histórias recontadas mil
vezes, e que a maior parte delas foi ouvida em sua companhia; nas músicas que
compunham sua trilha sonora e faziam seus olhos brilharem.
A maior lembrança eu
carrego comigo, a marca indelével deixada em meu próprio ser: a total
influência na formação do caráter, dos pensamentos às atitudes, passando pelo
gosto pela música até o tratamento dispensado ao próximo na melhor concepção da
reciprocidade. Algumas das convicções que carrego, e das quais não abro mão,
ainda me fazem pagar caro, pois não me permito cometer erros conscientemente
para evitar a fadiga ou alcançar vantagens. Uma delas é que, em tempos de acomodações
e de vitimismo, não é do seu tempo quem é ensinado a dar a cada um aquilo o que
é seu.
Por fim, não é
possível evitar aquela frase feita de consolo: “a vida continua”.
Para um cristão
católico que tenta evitar o lugar-comum, a frase utilitarista mais incomoda que
conforta; a humanidade, num movimento de retrocesso, volta à barbárie muito
influenciada por essa cultura do eu, não importando que mil caiam ao seu lado e
dez mil a sua direita. Basta que as circunstâncias promovam a felicidade
pessoal, e a qualquer custo; o importante é ser feliz, dizem. Porém, se isso é
o que importa para muitos, não importa para todos. Se a vida continua, falta-lhe
um pedaço; um pedação, na verdade.
Ela se foi. E levou
consigo algo de cada um dos que verdadeiramente se importavam. Eu fiquei, e
cônscio de que, mais dia menos dia, a única verdade absoluta do futuro de
qualquer um que nasça com vida vai bater à porta: “Ninguém veio para ser
semente; é importante é estar preparado”, ela ensinou. E ensinou com
propriedade; tinha toda a razão, pois está escrito na Palavra.
Ainda é difícil
esvaziar os olhos marejados de lágrimas...
(Deus sabe o quão
difícil foi escrever essas palavras.)
Fernando César
Borges Peixoto
Advogado,
niteroiense, até certo ponto saudosista, metido a escrever.
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