quinta-feira, 25 de outubro de 2018

A caça às filigranas bolsonarianas




Na última semana do segundo turno das eleições presidenciais, a nova narrativa da grande mídia para atingir a campanha de Jair Bolsonaro foi tirada de uma declaração de seu filho Eduardo, o deputado federal mais votado da história brasileira, em palestra proferida na AlfaCon Concursos Públicos 1.
Questionado se o Exército poderia agir mesmo sem ser provocado, com base na Constituição, caso o STF impedisse Jair Bolsonaro de assumir o cargo de Presidente da República, Eduardo respondeu, em suma, que a pergunta caminha para o Estado de exceção, em que o Judiciário teria que “pagar para ver” ao impugnar a vitória de um candidato eleito pelo povo, e que seria “o STF contra nós”. Disse que é algo que muitos falam que pode acontecer, mas pouco pode ser dito; e duvidou da força do STF para tanto. Lembrou que há quem brinque dizendo que para fechar o STF não é necessário o Exército intervir, basta enviar um soldado e um cabo. Também lembrou que os ministros da Corte não gozam de apoio popular; e que ninguém iria às ruas pedir a soltura de um deles que porventura fosse preso. Enfim, concluiu, essa é uma resposta que só pode ser dada se a campanha de Jair Bolsonaro for realmente impugnada, mas que não acredita que isso seja feito, porque uma coisa é fraudar 1% ou 2% dos votos nas urnas, outra é fraudar 40%.
A declaração não deveria causar espanto, principalmente pelo desdém direcionado a planos, ameaças e tentativas da esquerda de censurar o Judiciário, disfarçados por eufemismos como democratização, democracia participativa e submissão à vontade popular, p.ex. Quem não encara a resposta de forma enviesada, percebe que o apoio popular norteou o comentário, e não houve ameaça alguma às instituições, as quais, diga-se, funcionam muito bem para tocar a agenda progressista, apesar do falso discurso de algumas autoridades.
Mas, sim, essa foi a grande oportunidade que a imprensa, que aderiu a um lado, encontrou para atacar, e provocar a “instabilidade da vez”. E, como não poderia deixar de ser, a notícia foi reproduzida por todos os canais da mídia tradicional.
O Globo noticiou que Eduardo usou um “tom de ameaça” ao falar sobre a possibilidade de o STF impugnar a candidatura de seu pai 2. O veículo também afirmou que “ao longo de sua campanha, Haddad tem mostrado afirmações feitas por Bolsonaro em defesa da ditadura e da tortura”, e que a estratégia do PT é “mostrar que seu candidato representa a democracia” 3. (destaquei)
Fernando Haddad não perdeu a oportunidade. Disse que o filho do adversário “ameaçou fechar o STF (Supremo Tribunal Federal) com uma intervenção militar” 4; e assim se referiu a Bolsonaro e seus filhos: “Esse pessoal é uma milícia. Não é um candidato a presidente. É um chefe de milícia. Os filhos deles são milicianos, são capangas. É gente de quinta categoria”.
Haddad responde a 32 processos, acusado de receber dinheiro (na operação Lava Jato), de caixa 2, de improbidade administrativa e de superfaturar obras. Segundo a revista Isto É, “o candidato reproduz o modelo petista de malfeitos na gestão pública”. “Malfeito”, diga-se, foi o eufemismo utilizado pelo PT para amenizar o peso real dos crimes de corrupção e de formação de quadrilha, p.ex.
A revista chama a atenção também para o fato de que, além do seu envolvimento direto em várias irregularidades, a equipe de Haddad é formada por pessoas também processadas por crimes na Lava-Jato, o que dá indicativos concretos da reativação da máquina de corrupção petista; e continua: “além do risco de retrocesso ético, a eleição de um novo poste de Lula para o cargo de presidente resgatará a ameaça da ineficiência e da incompetência administrativa que marcou a gestão de Haddad tanto à frente da Prefeitura de São Paulo, como do Ministério da Educação” 5.
O parceiro de Estratégia das Tesouras, ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, usou a conta do Twitter pra dizer que: “as declarações do deputado ‘cruzaram a linha, cheiram a fascismo’”, e devem ser repudiadas pelos democratas, pois “ameaça o STF”.
Mas, cadê a grande repercussão sobre o Plano de Governo do PT para a Presidência, que fala da necessidade de democratizar “as estruturas do Poder Judiciário e do Ministério Público”, e que, para tanto, devem-se instituir medidas que estimulem “a participação e o controle social” no âmbito dessas instituições 6?
Matéria do site Consultor Jurídico, destacou que, após “o PT, ser duramente atingido pela operação ‘lava jato’ e ter seu líder – Lula – condenado, preso e declarado inelegível, o candidato a presidente Fernando Haddad quer maior controle sobre o Judiciário e o Ministério Público”. Haddad teria dito que “o Judiciário brasileiro não é transparente e que não há controle suficiente sobre o órgão”, pois mesmo depois da Constituição de 1988, manteve-se fechado ao controle e à transparência, apresentando “grande resistência às mais simples formas de abertura e prestação de contas à sociedade”. Uma das soluções seria “instituir ouvidorias externas, ocupadas por não magistrados”, com o objetivo de “ampliar a participação da sociedade na fiscalização da instituição” 7. Em regra, a “ampliação da participação da sociedade” está ligada à criação de sovietes/comitês bolivarianos, cuja função é retirar das mãos do eleitor o poder de escolher seus representantes. São antros da esquerda, criados ou capturados seguindo a teoria da ocupação de espaços, concebida por António Gramsci.
Há poucos meses, o petista Wadih Damous, veiculou um vídeo nas redes sociais, dizendo que o STF deve ser fechado, e o Poder Judiciário, redesenhado. Sua ira se justificava pela prisão do ex-presidente Lula da Silva, e pelo fato do ministro Luís Roberto Barroso ter negado um habeas corpus preventivo. O deputado disse também que os ministros do STF não podem ditar “os rumos do processo eleitoral, da escolha popular e da democracia brasileira”, pois “não foi para isso que essa turma foi colocada lá”. Ao final, afirmou que vinha alertando aos deputados federais: “ou nós enquadramos essa turma ou essa turma vai enterrar de vez a democracia brasileira” 8.
Não houve estardalhaço, a imprensa não questionou o significado de “o motivo da turma ter sido colocada lá” e “ou enquadramos essa turma”. Nem o STF repudiou imediata e veementemente as alegações que, essas sim, comprometem o Estado de direito, ameaçam as instituições que, sempre dizem, “estão funcionando”. Talvez a assessoria de nenhum ministro tenha sido eficiente como a da Ministra Rosa Weber 9.
Além de Rosa Weber, outros membros do STF também criticaram as declarações de Eduardo Bolsonaro 10.
Segundo o ministro Celso de Mello: “a declaração, além de inconsequente e golpista, mostra bem o tipo (irresponsável) de parlamentar cuja atuação no Congresso, mantida essa inaceitável visão autoritária, só comprometerá a integridade da ordem democrática e o respeito indeclinável que se deve ter pela supremacia da Constituição”. Celso de Mello protagonizou a história em que o jurista Saulo Ramos o chamou, depois de já estar empossado no Supremo, de “juiz de merda”, como relatado no livro de memórias “Código da Vida” 11.
Já o ministro Alexandre de Moraes, após tecer sua crítica, pediu que a Procuradoria-Geral da República abra um inquérito para investigar as declarações.
José Dirceu, condenado a mais de trinta anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa na Lava-Jato, tempos atrás criticou o Ministério Público, por ter se tornado uma corporação privilegiada, sem controle algum, quando o STF lhe reconheceu poderes investigatórios. Para ele, o órgão deve se limitar à tarefa de acusar. Ainda disse que a Lava-Jato é um dos maiores erros do país, sendo a grande responsável pela “estagnação econômica”, pois o combate à corrupção na operação possui fins políticos, e viola o ordenamento jurídico 12.
Há poucos dias, ao ser questionado da “possibilidade de o PT ganhar essas eleições e não levar”, Dirceu respondeu que a comunidade internacional não aceitaria, mas que “dentro do país é uma questão de tempo pra gente tomar o poder. Aí nós vamos tomar o poder, que é diferente de ganhar uma eleição” (destaquei). Da mesma forma que aconteceu com as ameaças de Mauro Iasi à vida de direitistas, a declaração intimidatória de Dirceu não foi encarada com a seriedade requerida.
Sobre o possível governo de Jair Bolsonaro, Dirceu afirmou: Bolsonaro é o Temer mais a regressão de comportamento cultural e o autoritarismo não democrático”. Certamente, o ex-guerrilheiro justifica antecipadamente o uso da força para a tomada do poder das mãos de Bolsonaro, se ele for eleito, “em nome da democracia” e “contra o autoritarismo” 13.
Só o interessado, ou o bastante alienado, não enxerga o exagero da repercussão dada às declarações e/ou ações de Bolsonaro e seus colaboradores, pela mídia que abafa a divulgação de crimes, ameaças e declarações infelizes de seus adversários. Chega a ser hilário ouvir a esquerda e sua militância vociferando que a mídia nacional é golpista e de direita, enquanto está muito claro qual é o seu lado.
O fim das eleições presidenciais se aproxima, e uma vitória acachapante está desenhada, mas os jornalistas da mídia tradicional, que vestem despudoradamente a camisa da militância, não desistem, e chafurdam em cada canto da internet à procura de material que desabone a campanha abraçada (e de graça!) pelo povo, o que é inaceitável para seguidores de uma ideologia cujos detentores do poder e apaniguados, usam como um dos principais meios de ação, comprar as pessoas que foram tornadas cativas, dando e tomando, ao bel-prazer, bens, dinheiro e a própria dignidade desses que lhes são submissos.
Enquanto buscava com avidez a descoberta de fatos e notícias impactantes contra Jair Bolsonaro, usando inclusive muitas fake news, a imprensa, que finge ser isenta, não percebeu que caía no ridículo mediante a opinião pública, aquela que antes era manipulada, (de)formada a partir dos parâmetros estabelecidos pelo establishment. Para piorar, deu voz a seus aliados do meio artístico, político e da Academia, para formar uma cruzada com o objetivo de censurar as redes sociais, que libertaram a população, permitindo-lhe escolher o acesso a informações sem manipulação.
Parece que as cabeças pensantes da grande mídia estacionaram seu campo de visão na espiral do silêncio 14, da qual sempre lançaram mão para calar vozes dissonantes, e não estão preparadas para os tempos do anti-frágil, teoria de Nassim Nicholas Taleb que Flavio Morgenstern tão bem contextualizou ao analisar a situação do próprio Jair Bolsonaro 15, que sempre saiu ainda mais fortalecido de cada campanha contrária (muitas vezes injustas e/ou mentirosas). Como dizem os fieis eleitores: o “Mito” é como massa de pão, que cresce mais a cada pancada que recebe.

NOTAS

1 Eduardo Bolsonaro e Evandro Guedes no Presencial de Cascavel-PR. AlfaCon Concursos Públicos, 10/07/2018. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=csHwfjD-Hhs;

2 A matéria traz na íntegra o que foi falado por Eduardo Bolsonaro: Em vídeo, filho de Bolsonaro diz que para fechar o STF basta “um soldado e um cabo”. G1, 21/10/2018. Disponível em https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/21/em-video-filho-de-bolsonaro-diz-que-para-fechar-o-stf-basta-um-soldado-e-um-cabo.ghtml;

3 Roxo, Sérgio. Haddad reage a vídeo em que filho de Bolsonaro ameaça STF: família é um “grupo de milicianos”. G1, 21/10/2018. Disponível em https://oglobo.globo.com/brasil/haddad-reage-video-em-que-filho-de-bolsonaro-ameaca-stf-familia-um-grupo-de-milicianos-23173818;

4 No Maranhão, Fernando Haddad diz que filho de Bolsonaro ameaçou STF. Folha de São Paulo, 21/10/2018. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/no-maranhao-fernando-haddad-diz-que-filho-de-bolsonaro-ameacou-stf.shtml;
5 OLIVEIRA, Germano. Uma extensa ficha corrida. Isto é, 04/10/2018. Disponível em https://istoe.com.br/uma-extensa-ficha-corrida/;
6 Plano de Governo do PT 2019/2022. Fernando Haddad, Presidência da República. Disponível em http://www.pt.org.br/wp-content/uploads/2018/08/plano-de-governo_haddad-13_capas-1.pdf;
7 RODAS, Sérgio. Haddad defende mandato para ministros do STF e redução de benefícios do Judiciário. ConJur, 24/09/2018. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-set-24/haddad-mandato-stf-reducao-beneficios-judiciario;

9 Rosa Weber rebate fala de Eduardo Bolsonaro sobre STF. Estadão, 22/10/2018. Disponível https://exame.abril.com.br/brasil/rosa-weber-rebate-fala-de-eduardo-bolsonaro-sobre-stf/;

10 Ministros do Supremo reagem às declarações de Eduardo Bolsonaro. Jornal Nacional, 22/10/2018. https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/10/22/ministros-do-supremo-reagem-as-declaracoes-de-eduardo-bolsonaro.ghtml;
11 “Entendi que você é um juiz de merda”https://www.oantagonista.com/brasil/entendi-que-voce-e-um-juiz-de-merda/;

12 Góes, Bruno e Megale, Bela. 'Tem que tirar o poder de investigação do Ministério Público', diz Dirceu. O Globo, 30/09/2018. Disponível em |https://oglobo.globo.com/brasil/tem-que-tirar-poder-de-investigacao-do-ministerio-publico-diz-dirceu-23114884;

13 ROSSI, Marina. José Dirceu: “O problema do Bolsonaro é do PSDB e DEM. Sem Lula, temos Ciro e Haddad”. El País, 26/09/2018. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/24/politica/1537815456_213002.html;

14 Para melhor entender o tema: NoeLLE-NeUMAnn, Elisabeth. A espiral do silêncio – opinião pública: nosso tecido social. Florianópolis: Estudos Sociais, 2017;

15 Morgenstern, Flavio. A anti-fragilidade de Bolsonaro. Senso Incomum, 26/04/2016. Disponível em http://sensoincomum.org/2016/04/26/a-antifragilidade-de-bolsonaro/.

 

 

[Texto originalmente publicado no portal Análise Inversa]


Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, conservador, gosta de escrever e, de certa forma, é um saudosista.

 


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