Ela tinha vergonha do nome. Como queria trocá-lo na Justiça, juntava dinheiro para pagar ao
advogado. Disseram que na Defensoria Pública era de graça (apesar da imensa
carga de “impostos”, há quem ache que recebe “serviço grátis do Estado”), mas, nas
vezes em que esteve lá, a experiência não foi boa. Ficava constrangida com a atitude do jovem ajudante da
Defensora, que vinha com a pasta na mão, e começava a gritar, satisfeito:
- Dona Bucetildes! Dona
Bucetildes!
Porque
a gargalhada era geral, ela não ousava se identificar. Então, esperava que
chamasse outra pessoa para sair de fininho, e voltar pra casa. Depois da
terceira vez, desistiu.
Gostava
de ser chamada de Tilde, e atendia até um "Matilde". Quando possível (ou necessário),
dava o segundo nome: Felicidade. Bucetildes Felicidade Amaro era o nome de solteira,
ao qual foi acrescentado o Pinto, do marido. O sobrenome, aliás, quase a fez desistir
de casar; e no dia do casamento, na hora do compromisso, o Padre mal falava seu
nome, ela respondia apressada:
- Aceito!
Jamais perdoou o pai por descontar nela a raiva que sentia da sua mãe, que fez da vida
dele um inferno nas semanas que antecederam o parto. Chegando ao cartório, ele mandou
o escrivão registrar o nome da filha igual ao que estava escrito no guardanapo
que entregou.
Em verdade, parece que a gravidez alterava profundamente o psicológico de sua mãe, pois a segunda filha foi
batizada como Popozilda. Essa, porém, não se importava. Ao contrário
de Bucetildes, nome que só trazia desgosto, Popozilda era o nome artístico ideal para a promissora
carreira de funkeira, a qual ela havia abraçado.
* * *
Enfim, uma sentença autorizou Bucetildes a trocar o nome. Mas, tão-logo efetivada a mudança
em cartório, seu Pinto, o marido, faleceu. Nem puderam comemorar. Ela, então,
resolveu mudar de cidade. Queria uma vida nova, com o nome novo que havia
escolhido: Flamenguina.
Sim, Flamenguina! Sendo
filha de quem era, não poderia, realmente, ter o gosto bem apurado. E isso quase levou a juíza a negar o pedido de alteração. Porém, como era
adepta do politicamente correto, autorizou, alegando que “a mulher pode ser o que
quiser”, e “gosto não se discute, no máximo se lamenta”.
A
agora Flamenguina ainda era jovem, e possuía encantos. Não era assanhada e
cavalona como Popozilda, mas contava com um belo corpo e um it natural. Recebia
não raros elogios na rua, e o assédio de maridos infelizes, com suas mulheres infelizes, algumas até conhecidas.
* * *
Foi
morar no subúrbio da capital de outro estado. Uma comunidade de certa forma
tranquila. Tão logo chegou, começou a chamar a atenção dos pançudos e pinguços
das redondezas. Mas as esposas, embora ciumentas, também se afeiçoaram a ela, com raras reações contrárias.
Aquela
com quem possuía mais afinidade, e que acabou como uma espécie de conselheira,
era a maior fofoqueira do bairro, e exatamente aquela que dizia que sua boca
era um túmulo.
O tempo passou e, certo dia,
num ataque de sincericídio, Flamenguina contou a Arminda – era como se chamava
–, seu nome antigo. Arminda, por sua vez, chegou a perder o fôlego de tanto rir.
No fim, ambas riram muito.
Mais
adiante, a conselheira pediu uma quantia significativa de dinheiro emprestado,
dando a certeza de pagar em poucos dias. Mas o acordo não foi cumprido, e Flamenguina foi deixada em palpos-de-aranha. Ela reclamou. Nada adiantou e ainda perdeu a amiga.
Para piorar,
a partir de então, por onde passava, ouvia um zum-zum-zum, risinhos abafados. Não
demorou muito, descobriu o motivo: uma desaforada e ciumenta, conhecida por apanhar
do marido, fez um comentário em alto e bom tom sobre certa genitália
ambulante, conhecida por todos do bairro.
Flamenguina
foi conversar pessoalmente com Arminda, queria ouvir de sua boca se era capaz
de tamanha falsidade. Sequer considerou o peculiar conceito de moral da “amiga”, que já a havia traído anteriormente.
Chegando
à casa, tocou a campainha, e o neto endiabrado de Arminda, com seis anos, atendeu.
Mal a deixou entrar, saiu correndo e gritando pelo corredor:
-
Vovó, Vovó, é aquela moça com nome de xereca.
Uma
voz lá de longe berrou:
-
Menino desgraçado!
Engolindo
grosso, foi embora. Triste, pensou em mudar de cidade novamente. Viu que tinha muito
ainda que aprender com a vida, e que talvez devesse assumir que o nome era a sina
da qual jamais se livraria.
Agora, porém, Flamenguina (ou Bucetildes) possuía algumas certezas: a sua beleza suscitava invejas;
não deveria confiar tanto nas pessoas; e precisava, definitivamente, exercitar
sua espiritualidade.
Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense,
conservador, gosta de escrever e, de certa forma, é um saudosista.
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