quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Eu tive um sonho



Eu tive um sonho, vou lhes contar...
Sonhei que nossos artistas esquerdistas milionários haviam dividido suas fortunas com pessoas carentes de todo o mundo, em especial brasileiras, e se recusaram a aceitar dinheiro de leis de incentivo, como Rouanet e do Audiovisual, antes mesmo delas serem revogadas. Comediantes sem graça e carisma haviam desistido das carreiras profissionais, e dispensado o dinheiro público que patrocinava as excentricidades e panfletagens ideológicas que chamavam de trabalho.
Cantores da MPB, seguindo os mesmos passos, vendiam seus imóveis de luxo no Brasil e no estrangeiro, para esquentar o mercado imobiliário das periferias do Brasil e de países como China, Afeganistão, Vietnam, Guiné-Equatorial, Cuba e Coreia do Norte. Em verdade, os adeptos do comunismo raiz haviam transformado Pyongyang em seu destino preferido. Mas, para não cometer injustiças, a Albânia era um país europeu muito disputado.
Artistas da maior emissora de TV do país se negavam a dar palpites na política, assumindo que não possuíam capacidade intelectual para tanto, porque não haviam estudado nada que os habilitasse a tratar de assuntos mais profundos. E feministas do meio artístico e midiático trocavam férias na Europa e nos Estados Unidos por turismo nos países árabes, onde diziam haver menos opressão que no Brasil.
Jornalistas haviam feito passeatas, pedindo que os veículos de notícia se posicionassem politicamente, para evitar que ouvintes e leitores fossem enganados por discursos ideológicos transmitidos como notícias verdadeiras; e agências de fact check foram fechadas a partir de movimentos liderados por partidos de esquerda, estudantes e jornalistas, acusadas de descumprirem sua finalidade, ao validarem notícias falsas (fake news) de seus pares, e condenarem notícias verdadeiras de viés político oposto ao de seus administradores.
Os espaços das universidades federais - que agora cobravam mensalidade ou trabalho voluntário após a formatura, como forma de retribuir o ensino gratuito -, passaram a ser divididos democraticamente entre coxinhas, mortadelas e outras variedades alimentícias. As pichações estavam proibidas, e a polícia podia adentrar os campi sem manifestações contrárias, para prender "traficantes com consciência social".
A academia aceitava, nas pós-graduações, pessoas de todas as vertentes de pensamento, e o dinheiro para pesquisa não era mais distribuído apenas entre quem se alinhasse ideologicamente ao governo. Com o tempo, o país passou a ser mais respeitado pela comunidade científica.
Estudantes de classe média, defensores de teorias derivadas do pensamento marxista, usavam G-Shock e smartphones da CCE, e dispensavam seus pais de lhes comprar aparelhos eletrônicos de ponta e as drogas do dia a dia, preferindo pagar com o suor do trabalho no Vegan Donald’s. Os mais engajados fizeram um movimento exigindo que os professores deixassem de aprovar alunos ineptos.
Jovens moradores de bairros nobres que defendiam os direitos dos criminosos e a liberação do uso de drogas ilícitas, depois da fase inicial de expulsões de suas casas, mudavam espontaneamente para as periferias; e os espaços que antes ocupavam, eram cedidos a moradores de comunidades carentes que enfrentavam horas no trânsito, de sua casa para o trabalho e vice-versa, para ocuparem melhor seu tempo.
Por obra do PCdoB do meu sonho, a inveja sobre bens alheios havia sido criminalizada, e ninguém mais poderia atacar as pessoas bem sucedidas pelo simples fato de serem... bem sucedidas.
O PSOL do meu sonho havia proposto duas alterações no sistema penal: uma lei estabelecia que menores de qualquer idade, que cometessem crimes hediondos, responderiam como adultos; e outra lei estabelecia, para os demais crimes, a menoridade penal aos 14 anos. Nas ruas, em prol da aprovação, a militância gritava: “se pode foder, matar e cheirar pó, pode viver no xilindró”.
Ministros das cortes superiores do Judiciário combinaram um pedido de demissão em massa, e se colocaram ao escrutínio do povo, para aprovação da sua volta. Apenas três deles voltaram a exercer suas funções; e os que sequer saíram do traço na apuração dos votos, agradeceram e se propuseram a melhorar.
Aquilo tudo era lindo, mas eu me sentia agoniado. Eram tantas mudanças, e tudo acontecia tão depressa, que eu temia fazer algo errado que acabasse me levando à prisão até o fim de meus dias, proibido de ver esposa e filhos. Outra coisa que me passava pela cabeça era a possibilidade de, a qualquer momento, aparecer um debilóide dizendo: “Rá! É pegadinha! Glu-glu, ié-ié” ou algo do gênero.
De repente me vi num local escuro, suando frio, apavorado, olhando repetidamente para os lados. Qualquer estalo fazia meu coração saltar do peito. Um barulho estranho começou a incomodar quando, de repente...
Acordei com uma barulheira infernal – o vizinho de trás havia ligado a serra que ele insiste em colocar para funcionar bem cedinho, talvez para acordar os galos. Afinal, deve ser tão comum encontrar um galo num bairro de mais de noventa por cento de edifícios, quanto é encontrar alguém com uma serra elétrica industrial no fundo do quintal, nesse mesmo bairro.
Aproveitei para lavar as fuças e ir à feira, porque dormir não dava mais não.

Era sábado.

Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, conservador, gosta de escrever e, de certa forma, é um saudosista.


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