sexta-feira, 17 de julho de 2015

Pro dia nascer, infeliz!


Passava das cinco e meia da matina e o céu começava a clarear. Saindo do Barzinho Camarotland, com música ao vivo, rapazes de classe média baixa, com renda familiar mensal em torno de dois mil cruzeiros, reais... Sei lá!

Gastaram todo o dinheiro que podiam gastar num mês naquela noitada. E olha que antes haviam passado no Boteco do Augusto e, além de racharem um x-tudo, encheram o fole com a cerva baixa renda, que botaram no pendura. Era um “belo negócio”: tomar a cerveja mais barata e uma semana depois pagar o preço da mais cara.

Estavam em sete, e teriam que caber num Chevette TS, que tinha uma sonzeira com equalizador e tudo. Não havia meninas. Elas não queriam os duros que saíam em sete num Chevettinho. Iam sentar aonde? Ficar penduradas do lado de fora, no teto?

No caminho para o estacionamento, o mais lúcido lembrou:

- Alguém tem o dinheiro do flanelinha? Hoje quem está vigiando é aquele das muletas...

- Não.

- Eu também não.

Alguém disparou:

- Vamos mijar. Estou apertadão!

Acabou a discussão. Lógico. Aliviar no meio do mato é o suficiente para resolver problemas com flanelinhas durões. Até parece!

O motorista, antes de entrar no mato, abriu as portas e o porta-malas do seu carro, ligou a sonzeira e meteu logo a fita cassete do Barão.

O dia clareava ainda mais...

Acabava de tocar Só as mães são felizes enquanto as últimas gotas caíam no chão – o resto era da calça, da cueca, do sapato... 

Entrou um rock and roll puro, e todos foram “sentindo o som”... Loucos, sem-noção, sem dinheiro, e com muita fome.

O desfecho? Surreal!

Vem o flanelinha, simpático, sorrindo:

- E “aê”, sangue bom, vai deixar uma merreca pro parceiro que vigiou a aeronave?

O jeito era improvisar.

Todos pelados, quase que de forma sincronizada, partiram um após o outro para cima do flanelinha, pulando, com pintos e badalos balançando do lado de fora da calça e cantando:

- "Estamos meu bem por um triz, pro dia nascer feliz. Pro dia nascer feliz.
 Pro mundo inteiro acordar, e a gente dormir, dormir. Pro dia nascer feliz...".

O flanelinha “deu linha” com suas muletas, que no momento lhe davam a velocidade de uma Ferrari.

Rapazes sem dinheiro, dançando à vontade, de fogo – naquele tempo não dava “rolo” beber e dirigir. Talvez as pessoas tivessem mais consciência, havia menos carros, menor quantidade de usuários de drogas ilícitas... Sei lá!

Estavam felizes, e muito, mas decididamente o dia não nascia feliz para todos.

Que o diga o flanelinha...



Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta, contista e cronista, além de saudosista

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