quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Comentário sobre o domínio da semântica como instrumento revolucionário


“O povo brasileiro é conservador”...
Partindo da premissa de que eu recebi (como parte considerável de minha geração, pelo menos) uma educação voltada para a exaltação da ideologia marxista, não conseguia entender como nosso povo, alegre e caridoso, se rendia a esse conceito “retrógrado”, ligado à direita que representa o egoísmo, a falta de sensibilidade e comete atitudes discriminatórias, principalmente em relação aos menos favorecidos.
A afirmativa é endossada por ALMEIDA, em “A cabeça do brasileiro”. No livro, baseado no resultado da Pesquisa Social Brasileira (PESB), o autor afirma que não há uma uniformidade na mentalidade do brasileiro, que parece viver numa “sociedade em conflito”, “num verdadeiro apartheid cultural”. Essa sociedade estaria dividida entre uma “classe” moderna, de escolados, e outra “classe” arcaica, de “iletrados”: “há uma população com escolarização suficientemente elevada para levá-la a defender pontos de vista ‘modernos’. Mas ainda é grande a parcela da população que compartilha uma visão de mundo ‘arcaica’”. E endossando o pensamento do antropólogo Roberto DaMatta, arremata: “o Brasil é hierárquico, familista, patrimonialista e se encaixa em vários outros adjetivos que significam arcaísmo, atraso”. Sobre esses adjetivos, destaca que o brasileiro é fatalista, favorável à censura, contrário ao liberalismo sexual e não confia nos amigos 1.

Sigo adiante, mas fica o registro de que arcaico, para ele e outros, é o ponto de vista conservador.

Pois, bem. Uma das características dos grupos comprometidos com projetos totalitaristas é utilizar a manipulação das palavras como instrumento facilitador para confundir o público-alvo e, em regra, difundir a fantasia progressista do dinamismo que não encontra limites e permite um ciclo eterno de movimentos revolucionários a partir do próprio movimento revolucionário. Daí o porquê do ódio ao conservadorismo e a deturpação de seu conceito, que na realidade, mui resumidamente, é a luta para preservar aquilo que “deu certo” na sociedade. É que, além dos mal intencionados, há um número considerável de opositores que desconhece a filosofia conservadora, e em regra não reúne condições de diferenciá-la do liberalismo, inclusive pela própria dificuldade de se estabelecer uma definição do conservadorismo 2-3.

Com efeito, QUINTÁS 4 ensina que afirmações contundentes e repetidas, pelos meios de comunicação, de chavões sem significados mais profundos ou mesmo que encerrem inverdades, dão forma a sentenças que irão modelar a opinião pública; e lembra Stálin: “De todos os monopólios de que desfruta o Estado, nenhum será tão crucial como seu monopólio sobre a definição das palavras. A arma essencial para o controle político será o dicionário”. E é assim que vai sendo criado o senso comum, ao mesmo tempo em que surge um ambiente desfavorável que força os discordantes a entrarem em espiral do silêncio.

Interessante a opinião de CARLEIAL 5, que fala do “roubo de palavras” e da sua manipulação:
Roubar palavras é a prática de corromper conceitos válidos, usando as palavras para confundir em vez de esclarecer. Quando uma palavra é usada para descrever algo que contradiz o conceito que aquela palavra representa, não só o diálogo se torna impossível como também o próprio pensamento racional.
Na sociedade há dois meios possíveis de interação: a razão e a força. Substituir a razão por mistificação só interessa a quem pretende impor a força. As esquerdas e os populistas usam palavras para provocar emoções, não para transmitir ideias. Isto lhes é necessário, pois a política que defendem é a imposição da força sobre o indivíduo. Ninguém aceitaria isto se entendesse o que está em jogo.
Roubar palavras é artifício constante no discurso esquerdista e populista, e deixa o adversário despreparado sem reação. Quem defende a liberdade precisa conhecer os artifícios de quem a pretende destruir.

O objetivo é inviabilizar o diálogo e interferir no desenvolvimento do pensamento racional através da utilização de subterfúgios que mexem com o emocional do público-alvo e dão uma noção inexata do significado das palavras para confundir e também estigmatizar conceitos teóricos e filosóficos. É o que se fez no Brasil com os termos direita, liberal, conservador e reacionário (quem reage ao que não presta).

Para SANAHUJA, o domínio da semântica é instrumento poderoso utilizado por adeptos de políticas totalitaristas 6, e ressaltando a importância da manipulação de conceitos e de palavras no processo de reengenharia social globalista, ele denuncia o empenho da Organização das Nações Unidas (ONU) em divulgar, especialmente, a tese da dinamicidade dos direitos: “a partir de uma hermenêutica ideologizada pode-se dar origem a uma infinidade de pseudodireitos a serviço das políticas do projeto de domínio mundial”. Como exemplo, aponta a evolução por que passou o “planejamento familiar”: colocada essa questão pela primeira vez na Convenção CEDAW 7 de 1979, o que se requereu foi apenas a concessão de subsídio financeiro para sua implementação. Mas com o tempo, o conceito de planejamento familiar sofreu mudanças que fizeram incluir a contracepção, a esterilização e o aborto. O autor continuou: “nas Recomendações Gerais do Comitê, quando se fala de direitos da mulher, implicitamente se incluem os chamados direitos sexuais e reprodutivos, a saúde reprodutiva, a liberdade ou a autonomia reprodutiva”; e assim apontou que houve novas alterações com a inclusão de “direitos sexuais”. Passou-se a discutir a saúde sexual, que engloba a homossexualidade, e a partir daí inseriu-se a identidade de gênero na pauta, o que gerou a consequente exigência do reconhecimento de direitos sociais e jurídicos a seus defensores 8. E ele ainda lembra o conceito aberto de saúde criado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) 9:
Não podemos deixar de fazer referência à própria definição de saúde da OMS, que, com anterioridade ao novo paradigma de saúde, e à luz da hermenêutica da cultura da morte, é, em si mesma, ambígua e perigosa. A OMS diz que a saúde é um estado de bem-estar biopsicossocial e não apenas ausência de doença, o que por si só já justificaria múltiplos atentados contra a lei natural (aborto, eutanásia, esterilização, manipulação genética etc.). Para se alcançar esse bem-estar biopsicossocial qualquer capricho poderia ser reconhecido como parte do direito à saúde. Sem ir mais longe, a inclusão da saúde psíquica da mãe entre as causas de aborto terapêutico, o que os Comitês do sistema de Direitos Humanos da ONU estão impondo, baseia-se nesta definição de saúde da OMS. (grifei)

Como se vê, de tempos em tempos novos direitos, características, temas são incorporados a conceitos que vão se adaptando à medida do progresso ou ao bel-prazer das autoridades que desejam alteram seu conteúdo. No exemplo, do medo inicial de uma superpopulação mundial passou-se a discutir o direito ao aborto ligado ao bem estar psicológico e os direitos homoafetivos, como a extensão de benefícios previdenciários de viuvez aos sobreviventes nesses tipos de relação.

Feitas essas observações, falo um pouco de certo campo de incidência desse mecanismo.

A manipulação de palavras é ferramenta comumente utilizada pela Presidente Dilma Roussef, por membros do seu Governo, seus aliados e simpatizantes, e três episódios recentes merecem destaque. Primeiro, o Ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas, ao se referir à compra, pela Petrobrás, da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos da América (EUA), no lugar de falar em “corrupção” e “desvio de dinheiro público” usou a expressão “maus feitos” 10. Já o Ministro do Planejamento afirmou que não é privatização 11, mas concessão (“que é muito melhor!”), o pacote anunciado pelo governo petista que previu investimentos da iniciativa privada de R$ 198,4 bilhões em obras de infraestrutura do país, com construção, reforma e exploração de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos 12. Finalmente, chamam de golpe a manifestação de forte adesão popular que, entre outras reivindicações e outros argumentos, pede o impeachment da Presidente, diante da evidência de várias irregularidades cometidas em circunstâncias próximas a ela e que inclusive caracterizariam crime de responsabilidade 13.

De se observar que o instituto do impeachment está previsto na Constituição Federal de 1988 e faz parte do jogo democrático. Se fosse para falar em golpe, esse deveria ser atribuído à Presidente que, quando em campanha, no pleito de 2014, atribuiu a seus adversários toda a sorte de medidas prejudiciais ao povo que posteriormente acabaram sendo tomadas em seu governo.

SCRUTON afirma que políticos podem ter suas plataformas, seus objetivos, mas a sociedade que o elege, “mais que um organismo mudo”, é dotada de “personalidade e vontade. Sua história, suas instituições e sua cultura são os repositórios dos valores humanos”. Assim, devem evitar impor suas agendas e vontades pessoais que não refletem a mentalidade do povo, ou desconsideram valores e argumentos daqueles que representam. Ele questiona: “onde mais está o direito de governar senão na comunhão de interesses com uma ordem social?”; e encerra lembrando que, se necessário, os políticos devem voltar atrás por respeito ao vínculo que possuem com a sociedade que, exercendo sua autonomia, o elegeu seu representante. Por fim, alerta que eles devem advogar em prol do arranjo social, sob pena de prática desonesta, jogo sujo, ainda que considerem “o melhor para a sociedade” ou que o façam “em nome da (sua própria) causa” 14.

Continuando a lição de SCRUTON, mas em outro aspecto, “uma sociedade se mantém unida por meio do laço civil que gera e sustenta as instituições de governo15. Logo, não espanta que um dos instrumentos que viabilizam a manipulação das palavras é a lei civil, através de suas constantes alterações ou pela proposição de “conceitos facilitadores” em seu bojo. Isso ficou explícito no Brasil quando o legislador, ao elaborar o Novo Código Civil Brasileiro (NCCB) – Lei nº 10.406/2002 –, optou pela mudança de paradigmas e passou a ter 3 novos referenciais: socialidade, eticidade e operabilidade, regramentos básicos que sustentam a atual codificação privada16.

A socialidade enfatiza a função social. Segundo TEIZEN júnior, a “doutrina da função social nada mais é do que transformações sociais do direito privado17; e TARTUCE complementa: “No que concerne ao princípio da socialidade, o Código Civil de 2002 procura superar o caráter individualista e egoísta que imperava na codificação anterior, valorizando a palavra nós, em detrimento da palavra eu”. São exemplos: a função social da empresa, do contrato, do patrimônio e da família (família pluralista).

A eticidade propôs um rompimento com o formalismo jurídico para requerer das partes uma atuação mais ética, mais respeitável, mais leal. Dela surgiram vários princípios e normas voltados para a viabilização dessa exigência, sendo um exemplo a boa fé objetiva.

Por fim, a operabilidade deve ser encarada à luz de dois vieses: os institutos do Direito Civil devem ser de simples compreensão e fáceis de serem operados e alterados; e deve-se atuar para promover a efetividade. Para tanto, a legislação vem sistematicamente adotando cláusulas gerais e conceitos indeterminados com o objetivo de dar maior lastro interpretativo ao julgador na análise do caso concreto, o que permite, inclusive, a aplicação de soluções distintas em situações idênticas que porventura lhes são submetidas. Ou seja, permite-se “a constante incorporação e solução de novos problemas, seja pela jurisprudência, seja por uma atividade de complementação legislativa18.

Até os poderes administrativos passaram a usar desse expediente, havendo no conjunto de normas de direito público vários conceitos indeterminados e expressões imprecisas “que permitem que o intérprete ou o aplicador possam atribuir certo significado, mutável em função da valoração que se proceda diante dos pressupostos da norma”. Podemos destacar: ordem pública, bons costumes, interesse público e segurança nacional 19.

BARROSO, atualmente no cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), assim define cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados 20:
A característica essencial das cláusulas gerais é o emprego de linguagem intencionalmente aberta e vaga, de modo a transferir para o intérprete o papel de completar o sentido da norma, à vista dos elementos do caso concreto. Na categoria ampla das cláusulas gerais situam-se os conceitos jurídicos indeterminados e os princípios. Estes últimos se singularizam, dentre outros fatores, por sua carga axiológica e pela possibilidade de colisão (...).
Conceitos jurídicos indeterminados são expressões de sentido fluido, destinadas a lidar com situações nas quais o legislador não pôde ou não quis, no relato abstrato do enunciado normativo, especificar de forma detalhada suas hipóteses de incidência ao exaurir o comando a ser dele extraído. Por essa razão, socorre-se ele de locuções como as que constam da Constituição brasileira de 1988, a saber: pluralismo político, desenvolvimento nacional, segurança pública, interesse público, interesse social, relevância e urgência, propriedade produtiva, em meio a muitas outras. Como natural, o emprego dessa técnica abre para o intérprete um espaço considerável – mas não ilimitado ou arbitrário – de valoração subjetiva. (grifei)

TEPEDINO informa que nosso legislador, ao utilizar a técnica de cláusulas gerais, não repetiu a fórmula do passado, que gerava a desconfiança dos operadores do direito, e conferiu maior efetividade aos critérios de interpretação da lei 21:
... o legislador contemporâneo adota amplamente a técnica das cláusulas gerais de modo só aparentemente semelhante à técnica do passado, reproduzida pelo Código de 2002. O legislador atual procura associar a seus enunciados genéricos prescrições de conteúdo completamente diverso em relação aos modelos tradicionalmente reservados às normas jurídicas. Cuida-se de normas que não prescrevem uma certa conduta mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação das demais disposições normativas. Tal é a tendência das leis especiais promulgadas a partir dos anos 90, assim como dos Códigos Civis mais recentes e dos Projetos de codificação supranacional (...).
Se o século XX foi identificado pelos historiadores como a Era dos Direitos, à ciência jurídica resta uma sensação incômoda, ao constatar sua incapacidade de conferir plena eficácia ao numeroso rol de direitos conquistados. Volta-se a ciência jurídica à busca de técnicas legislativas que possam assegurar uma maior efetividade aos critérios hermenêuticos.

Já BODIN DE MORAES comentou a necessidade de introduzir cláusulas gerais para garantir à pessoa humana a tutela ilimitada no campo valorativo, e com isso evitar a defasagem da legislação, ante o dinamismo do direito, que chegue ao ponto de se tornar um empecilho 22:
... não há um número fechado (numerus clausus) de hipóteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa, sem limites, salvo aqueles postos no seu interesse e no interesse de outras pessoas humanas. Nenhuma previsão especial pode ser exaustiva, porque deixaria de fora, necessariamente, novas manifestações e exigências da pessoa, que, com o progredir da sociedade, passam a exigir uma consideração positiva. Evidentemente, não se restringe tal concepção ao momento patológico, ao momento da reparação de dano já causado, mas põe-se a serviço da proteção e da promoção humanas em todas as suas relações. Daí sustentar-se que a personalidade humana é valor, um valor unitário e tendencialmente sem limitações. Assim, não se poderá, com efeito, negar tutela a quem requeira garantia sobre um aspecto de sua existência para o qual não haja previsão específica, pois aquele interesse tem relevância ao nível do ordenamento constitucional e, portanto, tutela também em via judicial (...). O ponto de confluência dessa cláusula geral é, sem dúvida, a dignidade da pessoa humana, posta no ápice da Constituição Federal de 1988 (art. 1º, III). (grifei)

Os doutrinadores deixam claro que há limites à interpretação desses institutos jurídicos, a fim de evitar arbitrariedades. Contudo, bem explicando a necessidade de criação desses institutos flexíveis, tais limites sofrem constantes alargamentos para absorver novos direitos introduzidos no acervo do indivíduo e do coletivo, fruto do dinamismo das relações havidas na sociedade.

De outro lado, é importante ressaltar que a partir desses discursos de numerosos direitos alcançados e a alcançar começa a manipulação através de discursos de ódio, inclusive na busca de apoio de minorias (já existentes e/ou organizadas “em última hora”), para criar demandas na sociedade ao velho estilo do “dividir para conquistar”: “O grande segredo para vencer sempre consiste na arte de semear a divisão23.

Com efeito, também é possível constatar que a nata de nossos operadores do Direito aderiu à Escola de Frankfurt, defensora do marxismo cultural, que prega que as transformações (à esquerda) da sociedade devem ser amoldadas pelo ordenamento jurídico. Tal constatação, aliás, não deveria causar espécie, uma vez que a ocupação de espaços no meio jurídico já havia sido pensada décadas antes por “seres iluminados” dessa escola, de acordo com CARVALHO 24:
Aqui e ali, discretamente, intelectuais iluminados se davam conta de que a preservação dos cânones do realismo e, de modo geral, a concepção da literatura como conhecimento, eram incompatíveis com a meta escolhida pelo próprio Lukács: a destruição da civilização ocidental. Puseram-se então a trabalhar na ideia de que a literatura não podia conhecer a realidade, já que – segundo entendiam – a própria realidade era uma invenção literária. Para dar a essa ideia um arremedo de consistência, apelaram a um formidável arsenal de recursos extraídos da linguística, da antropologia, da lógica formal, da “teoria crítica” frankfurtiana e das filosofias de Nietzsche e Heidegger. Em menos de uma década a proposta havia evoluído para a formulação radical do desconstrucionismo: não existe realidade nem conhecimento, nenhum discurso tem significado, o significado é livremente inventado por “comunidades interpretativas” que aí projetam como bem entendem seus desejos e interesses, portanto tudo o que há para fazer é reunir a comunidade e ensinar-lhe os meios de usurpar o sentido dos textos em benefício próprio (...).
Um dos setores onde a influência desconstrucionista penetrou mais fundo é o Direito. Aí se evidencia como uma teoria literária pode ter consequências devastadoras sobre toda a ordem social. Juízes, promotores e advogados são hoje formados sob a crença dominante de que as leis, como qualquer outro texto, não têm nenhum significado originário objetivamente válido. Toda significação que elas possam ter é mera projeção de fora, vinda dos setores politicamente interessados. Só o que resta portanto é organizar uma “comunidade interpretativa” e impor a sua leitura dos textos legais por meio da gritaria, da chantagem, da intimidação. De um só golpe, a Justiça inteira se transforma em instrumento de subversão revolucionária. Para virar de cabeça para baixo a ordem pública, não é preciso mudar as leis: basta inverter-lhes o sentido. (grifei)

A divulgação desse pensamento em nossa academia é fruto do persistente trabalho de linha gramsciana desenvolvido nas escolas e nos cursos universitários de todo o país há décadas, inclusive com as bênçãos dos militares e sua “teoria da panela de pressão”, tática infeliz criada por Golbery do Couto e Silva, conforme ensina CARVALHO 25:
O governo militar se ocupou de combater a guerrilha, mas não de combater o comunismo na esfera cultural, social e moral. Havia a famosa teoria da panela de pressão, do general Golbery do Couto e Silva. Ele dizia: “Não podemos tampar todos os buraquinhos e fazer pressão, porque senão ela estoura”. A válvula que eles deixaram para a esquerda foram as universidades e o aparato cultural. Na mesma época, uma parte da esquerda foi para a guerrilha, mas a maior parte dela se encaixou no esquema pregado por Antonio Gramsci, que é a revolução cultural, a penetração lenta e gradual em todas as instituições de cultura, mídia etc. Foi a facção que acabou tirando vantagem de tudo isso – até da derrota, porque a derrota lhes deu uma plêiade de mártires.

Segundo o filósofo, “ao optar implicitamente por não resistir ao comunismo em geral, mas só ao comunismo ‘violento’, o governo lhes forneceu essa arma”, e isso porque “no calor da luta contra as guerrilhas, a imagem de uma futura esquerda ‘pacífica’ e ‘legalista’ pareceu à elite militar uma alternativa roseamente desejável”, tendo, “o general, a ilusão de poder manipular e ‘civilizar’ o movimento comunista26.

Por fim, novamente recorrendo a CARLEIAL, vemos que o campo do Direito é mais facilmente suscetível ao “roubo de palavras”, o que corrobora com a tese de que a senha de entrada é a disponibilização de conceitos abstratos 27:
O conceito de direitos é um conceito abstrato. Isto não significa que é um conceito vago ou que pode ter vários significados diferentes ao mesmo tempo. Significa que é um conceito que requer o desenvolvimento de uma longa cadeia de conceitos precedentes para ser corretamente compreendido. Conceitos abstratos são mais susceptíveis ao roubo de palavras.

Antes, porém, outro dado importante: SCRUTON percebeu a adesão da esquerda à economia global e seus representantes após o suposto revés sofrido com o colapso da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), afirmando que isso contribuiu para uma “sólida mudança de atitude”. Embora se referisse à Grã-Bretanha, o pensamento globalista adotado pode ser estendido aos demais países e movimentos de esquerda, independentemente de sua tonalidade de vermelho. Com efeito 28:
Em vez de atacar o capitalismo global, o Partido Trabalhista passou a ser o seu mais fiel defensor, promovendo a economia “global” contra os últimos vestígios de resistência nacional e escarnecendo os reacionários e os “Little Englanders”, que estavam dispostos a sacrificar uma promessa de crescimento econômico ainda maior em favor dos comprovados benefícios da soberania nacional, das tradições locais e do direito consuetudinário.

Sendo assim, chego ao fim.

Do que foi exposto, é possível compreender que o uso da semântica para alterar, distorcer e/ou inverter o significado de termos, expressões, dados e ideias é o caminho (não violento) mais fácil (e único) para manipular a opinião pública, e até calar seus possíveis opositores.

Foi a partir desse expediente que, no Brasil, os termos conservador, liberal e direita foram ligados a tudo de ruim que se possa atribuir a uma pessoa ou linha de pensamento filosófico, ainda que os impropérios estejam alinhados à doutrina defendida por aqueles que os verbalizam.

Ademais, vários exemplos de confusões cognitivas podem ser destacados, como as frequentes discussões entre esquerdistas e direitistas, onde os primeiros xingam os outros de fascistas, muitos sem saber a proximidade dessa doutrina com o comunismo. Outro exemplo é a incapacidade de identificar que o Partido Democrata americano (o dos “liberais”) na realidade é de esquerda e agita e semeia o ódio na sociedade utilizando “modus operandi” similar ao da esquerda brasileira. Curiosamente, rechaçam o imperialismo ianque, mas são simpáticos aos presidentes democratas Bill Clinton e Barak Obama.

Isso se dá porque, retirando os que o fazem de forma proposital, a mente despreparada não consegue diferenciar os truques utilizados pelos manipuladores, e acaba misturando num mesmo balaio alhos e bugalhos. São pessoas cuja utilidade é servir de massa de manobra – um soldado na guerra ideológica.

E a manipulação vida dos representantes políticos, que inclusive conspiram para alterar o regime político de um povo sem o consultar, encerra o descumprimento das promessas que conquistaram a confiança de quem os elegeu. Só que há os desmandos, sendo a maioria dos estragos imperceptíveis, mas basta chegar às próximas eleições que “os votos serão confirmados”. Exemplo tupiniquim de manipulação do povo pelos políticos, corroborada pelos meios de comunicação, foi a edição do Estatuto do Desarmamento, que desrespeitou o “não ao desarmamento” dito pelo povo via plebiscito, consulta popular que encerrou a votação de maior adesão da história do país e foi solenemente ignorada por congressistas iluminados da política pátria, os mesmos que, descobriu-se recentemente, votavam com o governo a soldo do dinheiro público. A propaganda maciça de que a arma mata, como se tivesse vontade própria, foi e é defendida por um bom número de pessoas. Outro exemplo foi o famigerado Decreto nº 8.243/2014, que tinha por objetivo esvaziar a representatividade política do povo no Congresso e entregar as decisões políticas à “sociedade civil organizada”, entes coletivos via de regra patrocinados com o dinheiro público e que nós sabemos bem por quem são articulados.

Também foi abordada a engenharia jurídica gestada e parida na Escola de Frankfurt, que permite a utilização da lei para introduzir ferramentas que viabilizem a manipulação para promover a destruição dos laços civis, esses imprescindíveis ao fortalecimento da sociedade, para facilitar a dominação de seus membros, bem como gerar danos à ordem e às instituições alvo de destruição. Aliás, não restaram dúvidas de que a elite dos operadores do Direito no Brasil são adeptos dessa linha de pensamento.

Finalmente, ficou clara a utilização intencional da semântica para alterar o conteúdo de conceitos jurídicos, tornando-os mais abrangentes, a fim de inserir “ad infinitum” novos direitos, garantias, deveres, ao bel-prazer da autoridade que usa o processo legislativo e o judiciário para fazer um amálgama com temas que originalmente nem se aproximavam, com vistas a atender à incansável dinamicidade do direito.

Assim, cabe atentar à padronização de princípios e regras jurídicas a nível mundial, pensada no âmbito de organismos internacionais, cujo maior representante é a ONU, para adoção pelos países-membros em cumprimento de tratados, acordos e recomendações. O objetivo é enfraquecer os ordenamentos jurídicos de cada pátria, e não permitir que sejam refratários às decisões tomadas nos estertores desses organismos. É assim que aconteceu com praticamente toda a legislação que cuida dos direitos humanos e do meio ambiente, p. ex., bem como as soluções apresentadas para problemas de economia.

Há muitos exemplos de manipulação através do domínio da semântica por adeptos de várias vertentes ideológicas, como o ditador sanguinário Josef Stálin, ou o socialdemocrata Fernando Henrique Cardoso, cujo período na Presidência da República do Brasil foi profícuo na edição de normas que permitem esse expediente. O maior exemplo – o Código Civil de 2002 (CC/2002) – foi impulsionado a toque de caixa, aprovado e publicado em seu governo.

Para encerrar, quando a maioria de um povo assume determinado posicionamento ideológico (como o conservadorismo no Brasil) e isso é desrespeitado, seja através da manipulação de palavras, de leis e da criação de programas cujos malefícios são escondidos; seja pelo combate e ridicularização dessa ideologia em busca da alteração do “statu quo ante”, temos duas certezas: a primeira é que uma minoria propõe e impõe mudanças autoritariamente à maioria, que não consegue se articular muitas vezes por desconhecimento mesmo; e a segunda é que o grupo que faz isso utiliza de uma desonestidade intelectual e moral sem precedentes para implementar mudanças à sorrelfa, induzindo inclusive inocentes a defenderem sua causa (cujas mazelas não são confessadas) em razão de medidas paliativas; da doutrinação; da imposição do silêncio.

É preciso acordar para dar um basta.


NOTAS
1 ALMEIDA, Alberto Carlos. A cabeça do brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007, págs. 18-19, 25-26;
2As alternativas ao conservadorismo, no entanto, são descritas com pouca precisão. A aparente clareza dos pensamentos socialista e liberal é ilusória, e sua obscuridade é ainda mais séria por causa da facilidade com que podem se esconder numa verdade. (...) o conservadorismo – enquanto força motivadora na vida política do cidadão – é distintivamente inarticulado, relutante em (e, em verdade, comumente incapaz de) traduzir-se em fórmulas ou máximas, contrário a estabelecer seu propósito ou declarar seu ponto de vista”. (SCRUTON, Roger. O que é conservadorismo. São Paulo: É Realizações, 2015, págs. 43 e 53);
3 Russell Kirk, ciente de que “não é possível esboçar um catálogo sistemático das convicções dos conservadores”, apresenta dez princípios gerais, e em nota de rodapé (nº 41) faz o seguinte comentário: “O ‘conservador’ é o guardião da herança da civilização ocidental e dos princípios da ordem, da liberdade e da justiça”. Em suma, o conservador é aquele que reconhece e defende a “continuidade histórica da experiência de um povo”, mas não foge a uma “saudável mudança” como meio de preservação, sem, contudo, deixar-se levar por “projetos abstratos dos filósofos dos cafés”. (KIRK, Russell. A política da prudência. São Paulo: É Realizações, 2014, págs. 104 e 356);
4 Quintás, Alfonso López. A Manipulação do Homem através da Linguagem. Disponível em <http://www.hottopos.com/mp2/alfonso.htm#>. Acesso em 23/07/2015;
6 SANAHUJA, Juan Claudio. Poder global e religião universal. Campinas: Ecclesiae, 2012, p. 38;
7 CEDAW: Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher);
8 SANAHUJA, Juan Claudio. Ob. cit., págs. 34-38;
9 SANAHUJA, Juan Claudio. Ob. cit., p. 34;
10 COLETA, Ricardo Della e MONTEIRO, Tânia. Dilma não pode ser responsabilizada por Pasadena, diz ministro. Estadão, 20/01/2015. Disponível em <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,dilma-nao-pode-ser-responsabilizada-por-pasadena-diz-ministro,1622352>. Acesso em 18/08/2015;
11 Esse termo foi estigmatizado como ofensa pelos petistas para desqualificarem o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC);
12 Martello, Alexandro. Concessão não é privatização, afirma ministro do Planejamento. G1, 10/06/2015. Disponível em <http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/06/entenda-o-pacote-de-concessoes-ou-privatizacoes-do-governo-dilma.html>. Acesso em 18/08/2015;
13 Seriam elas as chamadas pedaladas fiscais; o superfaturamento na compra de uma refinaria em Pasadena; e o desvio de muito dinheiro dos cofres da estatal Petrobras para financiar campanhas e enriquecer membros do partido e amigos;
14 SCRUTON, Roger. O que é conservadorismo. São Paulo: É Realizações, 2015, págs. 58-59;
15 SCRUTON, Roger. Ob. cit., p. 65;
16 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, págs. 45-46;
17 TEIZEN JÚNIOR, Augusto Geraldo. A função social no Código Civil. São Paulo: RT, 2004, p. 37;
18 TARTUCE, Flávio. Ob. cit., p. 47;
19 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 41;
20 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 312;
21 TEPEDINO, Gustavo. Crises de fontes normativas e técnica legislativa... In: _____.  A parte geral do novo código civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. XIX e XXI;
22 Bodin de MORAES, Maria Celina. O princípio da dignidade humana. In: ______. Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, págs. 54/55;
23 TZU, Sun. A arte da guerra. Porto Alegre: L&PM, 2014, p. 133;
24 CARVALHO, Olavo de. Enquanto a Zé-Lite dorme. Diário do Comércio, 04/12/2006. Disponível em <http://www.olavodecarvalho.org/semana/061204dc.html>. Acesso em 17/08/2015;
25 CASTRO, Gabriel. Olavo de Carvalho: Esquerda ocupou vácuo pós-ditadura. Veja online, 03/04/2011. Disponível em <http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/olavo-de-carvalho-esquerda-ocupou-vacuo-pos-ditadura/>. Acesso em 17/08/2015;
26 Carvalho, Olavo de. Enquanto a Zé-Lite dorme...;
27 CARLEIAL, Pedro. Roubando palavras: Direitos humanos... ;
28 SCRUTON, Roger. Ob. cit., p. 31.

REFERÊNCIAS

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Fernando César Borges Peixoto

Advogado, sócio-administrador de Peixoto & Schultz Peixoto Advogados Associados,
Especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito de Vila Velha-ES e em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória-ES.

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