O que se pretende analisar nesse ensaio é a visão do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) sobre o contrato de seguro de vida em três situações distintas,
sendo possível verificar certa contradição indesejável.
O Recurso Especial (REsp) 1.073.595/MG 1
trata de contrato de seguro de vida renovado
ininterruptamente por mais de 30 anos,
que começou individual e migrou para o de grupo, até a seguradora apresentar
repentinamente novos cálculos atuariais impondo profundas alterações,
prejudiciais ao segurado; além de manifestar expressamente a intenção de não
renovar o contrato, ao passo que ofereceu novas modalidades de seguro,
logicamente mais onerosas. Infelizmente, não consta a idade do segurado.
A 2ª Seção do STJ entendeu que a constatação de prejuízos
não autoriza a seguradora a, abruptamente,
desfazer o vínculo contratual de anos ou alterar as condições do contrato, por
ofender o sistema de proteção ao consumidor e inobservar os direitos e deveres
anexos, já que essa é uma modalidade de contrato relacional, onde “as cláusulas
estabelecidas no instrumento não esgotam a gama de direitos e deveres das
partes”. Contudo, ressalvou a possibilidade
de modificar o contrato “mediante
a apresentação prévia de extenso cronograma, no qual os aumentos são
apresentados de maneira suave e escalonada”.
Posteriormente, um julgado apresentou conteúdo destoante, que incentiva
o descumprimento do sistema de regras consumeristas pelas seguradoras. A decisão denuncia as alterações paulatinas da jurisprudência,
através de posicionamentos que curiosamente mal interpretam ou distorcem
entendimentos anteriores, resquícios de uma relativização perigosa que atua na
promoção de mudanças nos paradigmas.
No REsp 880.605/RN 2,
a mesma 2ª Seção julgou contrato de
seguro de vida em grupo mantido havia 10 anos, por segurados cuja média de
idade era de 43 anos. Decidiu que a obrigação da seguradora se restringe ao
período de vigência contratual, e que a inocorrência do risco não implica direito
à devolução ao segurado do valor pago a título de prêmio nem de manutenção do
vínculo contratual, pois “o seguro de vida vitalício, ainda que expressa e
excepcionalmente possa ser assim contratado, somente comporta a forma
individual, nunca a modalidade em grupo”. Mais: consignou que para manter a saúde administrativa,
cabe à seguradora revisar circunstâncias de caráter objetivo e considerar os
bens da vida conforme sua natureza dinâmica; levar em conta a temporariedade contratual, que requer a
aferição, mediante cálculos atuariais, dos valores a serem arrecadados
periodicamente dos segurados; e considerar o mutualismo das obrigações, pelo qual o risco individual é diluído
no risco coletivo, para então sopesar se é ou não viável renovar a apólice. Daí,
concluiu que a renovação contratual pode ser negada se constatada a inviabilidade
em razão de prejuízos apontados nos cálculos atuariais, pois o contrato prevê
expressamente a possibilidade de não renovar a apólice e o prazo de 10 anos é
exíguo para vincular eternamente a seguradora.
Mas o voto vencedor foi embasado em
inverdades ou equívocos do ministro Massami Uyeda, que já iniciou ressaltando a inaplicabilidade
do REsp 1.073.595/MG (acima citado) como
precedente por apresentar “base fática distinta”. Vejamos:
Conforme assentado no início deste
voto, a tese jurídica encampada por esta c. Segunda Seção, por ocasião do
julgamento do Recurso Especial n. 1.073.595/MG, Relatado pela Ministra Nancy
Andrighi, DJe 29/04/2011, não pode ser aplicada, na compreensão deste Ministro,
ao caso dos autos, notadamente porque possuem bases fáticas distintas. Naquele
julgado, além de o contrato de seguro de vida ser individual (e não, como in casu, em que a contração deu-se na
modalidade em grupo, merecendo, portanto, nos termos delineados, tratamento
diverso), a contratação deu-se por mais de trinta anos. Aplicar este
entendimento à espécie, cuja contratação, diversamente, perdurou por apenas
dez anos, seria tomar, indevidamente, a exceção pela regra, o que não se
tem por escorreito. (grifei)
O primeiro equívoco está relacionado à modalidade de seguro. Na
realidade, o precedente apontado também
tratou de seguro de vida em grupo, para o qual o segurado migrou após o
início na modalidade individual, como consta do relatório do voto vencedor, da
ministra Nancy Andrighi naquele recurso 3:
O autor alega que vinha contratando, há mais de trinta (30) anos,
continuamente, o seguro de vida individual oferecido pela ré, mediante
renovação automática de apólice de seguro.
Em 1999, houve por bem manter seu vínculo com a seguradora, aderindo,
porém, a uma apólice coletiva, vigente a partir de 2000. Essa apólice, da
mesma forma, vinha sendo automaticamente renovada ano a ano.
Ocorre que no final do ano de 2006 a ré enviou correspondência ao
autor informando de sua intenção de não mais renovar o seguro, nos termos em
que fora contratado. (grifei)
Como se vê, o contrato vigeu por 7 anos na
modalidade de grupo.
De outro
lado, o ministro Massami Uyeda afirmou peremptoriamente
que os precedentes da Corte contemplam apenas contratos entre 20 e 30 anos, o que
não é totalmente verdade, como será visto adiante. Tal entendimento tem base em
outro julgado da ministra Nancy Andrighi 4.
Vejamos:
“3.
Contudo, na hipótese, a peculiaridade é a de que o contrato de seguro de
vida e residência celebrado entre as partes só foi renovado automaticamente por
2 (duas) vezes, não podendo ser aplicados os precedentes desta Corte, os
quais tratam de relações muito mais duradouras – 20, 30 anos – em que se
estabeleceu um vínculo de dependência e confiança do segurado em relação
seguradora, ficando aquele em situação de desvantagem excessiva em relação
essa, além de se encontrar totalmente desamparado após longos anos de mútua
colaboração. (REsp 1271161/PR,
Relatora Ministra Nancy Andrighi DJe 24/11/2011)”
Referido julgado, é certo, não faz distinção
da natureza dos contratos de seguro de vida, tal como ora se propõe, porém,
reconhece que a aplicação do posicionamento da Segunda Seção demanda que a
relação contratual tenha perdurado um período consideravelmente superior a dez
anos (vinte ou trinta anos). (grifei)
Apesar de o ministro alegar que 10 anos é pouco tempo de contrato para
conferir proteção ao segurado em razão dos precedentes da Corte, nesse julgado
que ele utilizou como fonte 5
a ministra Nancy Andrighi cita precedentes, e um deles de relatoria do próprio
ministro Massami Uyeda (AgRg no REsp
1.207.832/SC) 6, no
qual ele concedeu a tutela
jurisdicional em contrato que durou 10 anos. Como seu voto não é muito
esclarecedor, as informações só são encontradas na origem, no relatório do acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), Apelação Cível nº 2004.015152-7. Vejamos um trecho:
Vistos,
relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2004.015152-7, da
comarca de Itajaí (1ª Vara Cível), em que é apelante Leila Kobarg Cercal, e
apelada Companhia de Seguros Aliança do Brasil:
(...)
As
partes, no caso, firmaram contrato de seguro de vida em grupo em maio de 1992 –
conforme consta do certificado individual acostado aos autos (fl. 18) – o qual
vinha sendo renovado sucessivamente até janeiro de 2002, quando,
então, a seguradora encaminhou correspondência informando que a apólice da qual
a apelante fazia parte não seria mais renovada e, em virtude disso, seria
incluída, automaticamente, em novo plano de seguro. Esclareceu, ainda, na
missiva, que seria impossível manter a renovação do plano nas condições
anteriores, pois comprometeria o equilíbrio financeiro de todo o grupo (fls.
35/36).
Acontece
que, analisando o aludido documento, constata-se que o verdadeiro motivo da
negativa de renovação da apólice nos moldes anteriormente estabelecidos
deveu-se à mudança de faixa etária da segurada. (grifei)
Voltando ao REsp 880.605/RN,
em seu voto vencido o ministro Luís Felipe Salomão destacou que a idade
dos segurados não os colocava em grupo de alto risco a ponto de estabelecer
prejuízos à seguradora, a qual só os experimentaria em razão de incompetência e
má gestão:
Até porque as idades dos autores não
justificam aduzir acréscimo substancial dos riscos assumidos pela seguradora.
Basta dizer que, conforme procurações juntadas à inicial, os autores possuíam
as seguintes idades, respectivamente, em 1991 – data da celebração do contrato –
e em 2001 – data do cancelamento pela seguradora:
(...)
Portanto,
a grande maioria dos autores, durante a vigência do contrato de seguro, possuía
entre 33 (trinta e três) e 43 (quarenta e três) anos de idade, circunstância
que sugere que o desajuste atuarial alegado, se existente, possui causa de
gestão interna e de índole contábil-administrativa, não podendo, por isso
mesmo, ser suportado exclusivamente pelo consumidor.
Com
efeito, trata-se de idade não muito avançada, mormente a ponto de conferir à seguradora
o direito de desfazer o grupo à alegação de prejuízos. Como não lhe atribuir o
dever de promover o aumento de forma escalonada, segundo demonstração do
cálculo atuarial. Haveria tempo suficiente para isso.
Com isso, o STJ alterou a jurisprudência e chancelou a
esperteza da seguradora, que parou de oferecer o produto porque não poderia
elevar o valor do prêmio desarrazoadamente, e não se preocupou com um
planejamento em que diluísse esse aumento de forma escalonada, buscando não
sofrer nem causar prejuízos. Ora, tratava-se de um grupo de segurados com média
de idade de 43 anos, e ainda assim foi conferido à seguradora o poder de não renovar
o contrato. Como justificar a elevação do risco, nesse caso, se
a expectativa de vida do brasileiro chegou aos 74,9 anos, conforme apuração
recente do IBGE? 7
Já no julgamento do REsp
1.376.550/RS, que analisou vários precedentes do STJ, a 3ª Turma considerou
abusiva a cláusula de contrato de seguro
de vida em grupo que estabeleceu aumento desproporcional do prêmio em razão
do segurado contar com mais
de 60 anos de idade, passados mais
de 10 anos desde o primeiro vínculo contratual 8.
A decisão, fundamentada no artigo 15, parágrafo único, da
Lei nº 9.656/1998, aplicou por analogia o entendimento daquela Corte Superior
quanto aos contratos de planos e seguros privados de assistência à saúde 9, e entendeu que o objetivo principal da seguradora era que
o idoso quebrasse o vínculo contratual, apesar da vedação expressa à variação das
contraprestações em casos como esse.
O artigo 15, caput e parágrafo único, da Lei nº 9.656/1998 assim
dispõe:
Art. 15. A
variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de
produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o
desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam
previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes
incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o
disposto no art. 35-E.
Parágrafo único. É
vedada a variação a que alude o caput
para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos
produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o,
ou sucessores, há mais de dez anos.
O STJ entende não proíbe o reajuste do seguro de vida e do plano de saúde
em razão da mudança de faixa etária do segurado a partir dos 60 anos, mas devem
ser observados certos critérios, conforme o trecho de julgado a seguir, que
apontou um precedente 10:
1. “O reajuste de
mensalidade de plano de saúde em razão da mudança de faixa é admitido, desde
que esteja previsto no contrato, não sejam aplicados percentuais desarrazoados,
com a finalidade de impossibilitar a permanência da filiação do idoso, e seja
observado o princípio da boa-fé objetiva”. (EDcl no AREsp 194.601/RJ, Rel.
Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe
09/09/2014).
Quanto aos planos de saúde, cuja jurisprudência afeta o entendimento do
STJ na análise dos contratos de seguro de vida, convém destacar alguns julgados.
Vejamos o REsp 989.380/RN 11:
Deve
ser declarada a abusividade e consequente nulidade de cláusula contratual que
prevê reajuste de mensalidade de plano de saúde calcada exclusivamente na
mudança de faixa etária de 60 e 70 anos respectivamente, no percentual de 100%
e 200%, ambas inseridas no âmbito de proteção do Estatuto do Idoso.
O REsp 866.840/SP 12
seguiu a mesma toada – o voto vencedor reconheceu que o reajuste do plano de saúde em razão da mudança para
a faixa etária de idoso é possível em razão do aumento do risco subjetivo, e
não configura ato discriminatório ou abuso se observados os requisitos legais
como: (i) previsão contratual; (ii) respeito aos limites estabelecidos
na Lei nº 9.656/1998; e (iii) não
afrontar a boa fé objetiva aplicando percentuais desarrazoados, atentatórios à
permanência do idoso no plano.
Da combinação dos artigos 14 e 15 da Lei nº 9.656/1998 com o artigo 15,
§ 3º, do Estatuto do Idoso, apresentou-se a solução como ponto de equilíbrio
diante da aparente contradição existente entre os dispositivos. E o mais
importante foi a análise inicial do voto, que abordou o entendimento de Sérgio
Cavalieri Filho sobre os contratos de seguro, gênero que abrange as espécies de
seguros e planos de saúde. Segundo ele, no contrato de trato sucessivo a seguradora
se obriga a indenizar, mediante o pagamento do prêmio, quando o risco avençado
se transforma em sinistro. Há 3 elementos essenciais nesse contrato: risco,
mutualidade e boa fé.
(a) O risco pode ser objetivo, envolvendo circunstâncias
fáticas que influenciam na probabilidade de ocorrer o sinistro; e subjetivo, envolvendo as
características pessoais do segurado a serem consideradas na definição do seu
perfil; (b) A mutualidade guarda relação com o fundo formado para contratação do
seguro em grupo, e cobrirá eventuais prejuízos. A contribuição é proporcional
ao risco a que cada um está exposto, o qual será apurado a partir de dados
estatísticos e de cálculos atuariais; e (c)
a boa fé está ligada aos reajustes
razoáveis e não discriminatórios das mensalidades, em respeito à lealdade e à
cooperação. Logo, os valores apresentados devem guardar a relação de
pertinência lógica com o agravamento do risco, sob pena de violar o princípio
da igualdade.
Feitas essas considerações, o pedido genérico foi denegado porque não
aceitável ou recomendável em sede de ação coletiva, mas restou consignado que “sempre que o
consumidor segurado perceber abuso no aumento da mensalidade de seu seguro de
saúde, em razão de mudança de faixa etária” poderá buscar no caso concreto a tutela perante o Judiciário.
Finalmente, o REsp 1.280.211/SP tratou de
ação em que o consumidor requereu a nulidade de cláusula contratual do seguro saúde que prevê variação do
prêmio quando alterada a faixa etária. No caso, ao atingir 60 anos, o contrato
que havia firmado há 6 anos sofreu
reajuste de 93% 13.
Pacificando o entendimento nesse sentido, ao julgar o recurso, o STJ
adotou a seguinte orientação: a Lei nº 10.791/2003 (Estatuto do Idoso), de
aplicação imediata às relações jurídicas de trato sucessivo, e a Lei nº
9.656/1998, que autoriza o reajuste etário aos planos dos idosos nas relações
jurídicas mantidas há mais de 10 anos, conforme dispõe seu artigo 15, devem ser
interpretadas à luz do diálogo das fontes, sem desamparar o consumidor. Daí,
concluiu que é vedada a cobrança que caracterize discriminação ao idoso,
impedindo ou dificultando o acesso ao direito de contatar por motivo de idade,
ou o leve a não renovar o vínculo contratual. Porém, a variação das
mensalidades ou prêmios de planos ou seguros de saúde pela mudança de faixa
etária não configura ofensa à isonomia se baseada em legítimo fator distintivo,
como incremento do risco, mas desde que não sejam aplicados percentuais
desarrazoados, o que configura ilegalidade e discriminação. A previsão de
reajuste oriundo da alteração de faixa etária não configura “per se” uma
cláusula abusiva se atender aos seguintes requisitos: (i) previsão contratual expressa; (ii) observação das 7 faixas etárias e o limite de variação entre
elas; e (iii) não haver reajustes
desarrazoados e aleatórios. No caso concreto, sem considerar óbice os (apenas) 6 anos de contrato, foi
determinada a adequação do aumento da mensalidade à luz de cálculos atuariais a
serem apresentados em liquidação de sentença.
Sendo assim, resta a conclusão.
Como foi visto, no REsp
1.073.595/MG, o STJ tratou de seguro de vida firmado havia 30 anos, de início
no formato individual e depois no formato de grupo, e decidiu que a seguradora
não pode desfazer ou alterar desarrazoada e abruptamente as condições/vínculos
contratuais, devendo se precaver e propor o aumento do prêmio de forma
escalonada. Esse julgamento não avaliou a idade do segurado.
Já no julgamento do REsp
880.605/RN, que tratou de contrato de seguro de vida em grupo mantido por
10 anos, entendeue que é facultado à seguradora manter ou não o vínculo
contratual. Ocorre que os argumentos utilizados, todos refutados, não coadunam
com a melhor prestação jurisdicional se considerados o entendimento majoritário
da Corte Superior e o conteúdo do Código de Proteção e Defesa do Consumidor
(CDC), podendo-se dizer que a decisão encerrou “um ponto fora da curva”.
Finalmente, no REsp 1.376.550/RS,
a Corte não permitiu o aumento desarrazoado do prêmio pela seguradora, com o
objetivo de se locupletar indevidamente ou forçar o segurado maior de 60 anos a
desistir da renovação contratual, numa relação vigente havia mais de 10 anos. Na
ocasião não foram suscitados o encerramento do grupo nem o decurso de mais de
20 anos de vigência do contrato.
A Corte não é refratária ao reajuste, desde que cumpridos certos
requisitos para não deixar o segurado em desvantagem caso a seguradora resolva auferir
lucro desmesurado ou extinguir a modalidade de contrato também pelo lucro,
desconsiderando a parceria contratual mantida através dos tempos. Ocorre que aquele “ponto fora da curva” pode servir de precedente para
decisões futuras, criando instabilidade jurídica, pois “dinamismo demais” não
concorre para uma boa e correta prestação jurisdicional. Ao contrário, a instabilidade na interpretação jurisprudencial
pela Corte responsável pela uniformização da legislação infraconstitucional (e
não especializada), ainda que de forma aparentemente sutil, poderá em breve resultar
em negativa de direitos aos consumidores, em especial aos idosos.
Basta observar que normas administrativas vêm autorizando o aumento do seguro de vida com fundamento na mudança de
faixa etária ou a negativa da renovação do contrato, como as Circulares nos
302/2005 e 317/2006 da SUSEP, que tratam de coberturas de risco em planos de
seguros de pessoas.
O artigo 64, §2º, da Circular SUSEP nº 302/2005 autoriza, sem nenhum
empecilho, que a seguradora negue a renovação da apólice, desde que comunique
ao segurado em até 60 dias antes do vencimento do contrato vigente 14.
E há previsão nesse sentido no artigo 11 da Circular SUSEP nº 317/2006,
a qual também estabelece em seu artigo 12 (caput e parágrafo único) o dever de
disponibilizar previamente, no momento da adesão, a forma de alteração dos
prêmios segundo a faixa etária do segurado 15-16. Mas não se fala em garantias ao segurado que ultrapassar os 70 anos,
apesar de ainda estar abaixo da média de expectativa de vida do brasileiro.
A preocupação procede e não causa espanto a decisão recente da 1ª Turma
do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5R), que autorizou a Caixa
Econômica Federal (CEF) a negar a contratação de seguro de vida, na modalidade
em grupo, a idosos a partir dos 70 anos 17.
Segundo o voto condutor, admite-se a limitação de idade em razão da própria
natureza do negócio e quando a proposta da seguradora for clara quanto à
limitação da idade. Levou-se em consideração também que a fixação do prêmio
obedece à sistemática dos cálculos atuariais, que consideram a probabilidade da
ocorrência de riscos e fatores, como idade e estado de saúde, p.ex. Com isso,
como ao ultrapassar os 70 anos o idoso estaria mais exposto a riscos de doenças
e mais próximo da morte, não é justo o Estado-juiz impor à seguradora a aceitação
do desequilíbrio causado pelo agravamento do risco, mormente se são disponibilizadas
outras modalidades (individuais) do seguro.
Em um dos trechos do parecer incorporado ao voto condutor da decisão,
verifica-se o seguinte:
13. A CAIXA
SEGURADORA, no exercício dessa liberdade, pode escolher quais grupos de consumidores
almeja atender, conforme correta nota técnica da SUSEP (fl. 53):
... uma seguradora
pode ter como política de subscrição não aceitar nenhum segurado acima de
determinada idade, da mesma forma que outra pode desejar não aceitar segurados
que possuem profissões de maior risco, como, por exemplo, vigilantes ou
motoboys. Nos dois casos as seguradoras estariam apenas trabalhando para
adequar suas carteiras ao direcionamento definido pela alta administração da
empresa.
Por fim, lembrou-se o fato de inexistir norma legal que imponha a
contratação compulsória, independentemente do perfil do consumidor.
Para encerrar, é preocupante pensar na possibilidade de que
esse entendimento possa ganhar corpo e ser estendido “por analogia inversa” aos
planos de saúde, com a supressão do direito de renovação do contrato por mera
decisão unilateral da seguradora. Não seria a primeira vez que a Corte Superior
utilizaria fundamentação equivocada e “evoluir” seu pensamento, conforme restou
comprovado.
Notas
1 STJ, REsp
1.073.595/MG, Rel. Min. Nancy
Andrighi, 2ª Seção, DJe de 29/04/2011;
2 STJ, REsp 880.605/RN, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Min. Massami Uyeda, 2ª Seção, DJe de
17/09/2012;
3 STJ, REsp 1.073.595/MG, já citado;
4 STJ, REsp 1.271.161/PR, Rel. Min. Nancy
Andrighi, 3ª Turma, DJe de 24/11/2011;
5 STJ, REsp 1.271.161/PR, já citado;
6 STJ, AgRg no REsp 1.207.832/SC, 3ª
Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 29.06.2011;
7 Expectativa de vida dos brasileiros sobe
para 74,9 anos, de acordo com IBGE. Portal Brasil, 01/12/2014. Disponível
em <http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2014/12/expectativa-de-vida-dos-brasileiros-sobe-para-74-9-anos-de-acordo-com-ibge>.
Acesso em 13/07/2015;
8 STJ, REsp 1.376.550/RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, 3ª Turma, DJe de
12/05/2015;
9 “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
CIVIL. SEGURO DE VIDA.
APELAÇÃO. REFORMATIO 'IN PEJUS' CONSTATADA. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DO DIREITO. RELAÇÃO
DE TRATO SUCESSIVO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 85/STJ. REAJUSTE POR FAIXA ETÁRIA. DESCABIMENTO.
PRECEDENTES. ANALOGIA COM OS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE. AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO” (grifei). (STJ, AgRg no REsp 1.327.491/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, 3ª Turma, DJe de 28/11/2014);
10 stj, AgRg no AREsp 530.722/RS, Rel. Min. Antonio Carlos
Ferreira, 4ª Turma, DJe de 29/06/2015;
11 STJ, REsp
989.380/RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe
de 20/11/2008;
12 STJ, REsp 866.840/SP, Rel Min. Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo, 4ª Turma, DJe de 17/08/2011;
13 STJ, REsp 1.280.211/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, 2ª Seção, DJe de 04/09/2014;
14 “Art.
64 (...) § 2º. Caso a sociedade
seguradora não tenha interesse em renovar a apólice, deverá comunicar aos
segurados e ao estipulante mediante aviso prévio de, no mínimo, sessenta dias
que antecedam o final de vigência da apólice”;
15 “Art.
11. Para os seguros que não tenham cobertura vitalícia, deverá constar da
proposta de contratação, da proposta de adesão, da apólice, do certificado
individual e das condições gerais, em destaque, a seguinte informação: ‘Este
seguro é por prazo determinado tendo a seguradora a faculdade de não renovar a
apólice na data de vencimento, sem devolução dos prêmios pagos nos termos da
apólice’”;
16 “Art.
12. Para os seguros que prevejam alteração de taxa por faixa etária, deverá
ser estabelecido nas condições gerais que os prêmios serão alterados de acordo
com a faixa etária do segurado. Parágrafo
único. A forma como os prêmios serão alterados de acordo com a faixa etária
do segurado, incluindo os valores ou percentuais, deverão constar das condições
contratuais e ser disponibilizados aos proponentes quando da adesão ao seguro”;
17 TRF-5R, APELREEX 0003102-45.2012.4.05.8500/SE, 1ª Turma, Rel.
Des. Fed. Manoel de Oliveira Erhardt, D.E. de 17/10/2014.
Fernando César Borges Peixoto
Advogado, especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito de Vila Velha e em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória.
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