Nos dias seguintes à proposta de ajuste fiscal do governo federal para tentar superar a crise política e econômica brasileira, fruto da forma ineficiente com que a elite governante vem dirigindo o país, percebi que nas redes sociais pulularam propostas e pedidos de criação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), com a finalidade de a população menos abastada não sofrer tão forte impacto com as medidas infames apresentadas como solução. Infames porque o Estado perdulário dirigido por Dilma Roussef, inchado com um número abusivo de ministérios e de cargos comissionados, não apresentou medidas efetivas para diminuir seu tamanho. Serão 31 ministérios e afins (um número exorbitante), com a manutenção de quantidade considerável de cargos comissionados [1].A estratégia do governo vai dando certo. Além de reavivar a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), ganha apelo popular um tributo que se quer ver criado há tempos, mas que sempre faltou força política para tanto: o IGF. Mas o principal mesmo, que é a diminuição do Estado paquidérmico, vai sendo esquecido. É o que diz a imprensa [2]:O que há de evidente no pacote anunciado e causa perplexidade em toda a população é a resistência da presidente Dilma em cortar gastos. Em reduzir a máquina. Em sacrificar na própria pele. Como uma monarca que distribui castigos a seus súditos, Dilma estabeleceu que a conta – que ela mesma criou por abuso administrativo – deve ser coberta pela sociedade. O chamado esforço fiscal sairá do seu, do meu, do nosso bolso.Ainda entram no pacote: o aumento da alíquota do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre os ganhos com a venda de bens, passando o teto de 15% para 30%; a redução da dedução do IR, pelas empresas, sobre contribuições pagas às entidades paraestatais do “Sistema S”; a postergação do reajuste salarial de servidores públicos de janeiro para agosto em 2016 e a suspensão de novos concursos públicos; financiamento de obras do programa Minha Casa, Minha Vida com dinheiro do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); eliminação do abono de permanência pago a servidores públicos que podem se aposentar, mas continuam na ativa; renegociação de contratos de aluguel, segurança e veículos e limitação de gastos com passagens e diárias; vinculação de parte de emendas parlamentares a programas relacionados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e à área da saúde; redução de gastos com garantias de preços agrícolas; redução dos benefícios do Programa Reintegra (ligado à exportação) e do PIS/Cofins da indústria química [3].O que bem demonstra o momento crítico do país é a presidente barganhar com partidos da base aliada a fatia de ministérios a ser distribuída como moeda de troca de apoio e sustentação, no intuito de conter a insatisfação geral [4], uma relação promíscua que ofende os pagadores da conta.Com relação à crise a ser aplacada, não é necessário ser crítico do governo de Dilma Roussef para perceber que a perda do selo de bom pagador com o rebaixamento da nota do Brasil pela Standard & Poor’s (S&P) foi propositalmente provocada, dada a imposição desse quadro de recessão por uma política econômica irresponsável. A questão é ainda mais profunda, mas não será analisada aqui.Com efeito, minimamente, Guido Mantega jamais deveria ser mantido no cargo de ministro da Fazenda, dada sua incapacidade para o exercício da pasta – o que só se tornou possível em razão da quota ideológica do partido instalado no poder há 13 anos, a nossa elite governante.Sob sua batuta, gastos altíssimos não foram diminuídos ou evitados, inclusive com obras de grande porte abandonadas pelo caminho, patrocínios de atletas, copa do mundo e jogos olímpicos, tudo com injeções cavalares do dinheiro público. Há também as comitivas enormes que saem a passeio com a desculpa de estarem em missão diplomática, o dinheiro público doado sem fiscalização para coletivos (coMetivos), membros de várias instituições pendurados “nas tetas do governo”, como ONG’s, sindicatos, movimentos de trabalhadores rurais e urbanos, sem esquecer os artistas e a imprensa, que formam um “staff paraestatal” criado e mantido para fazer propaganda positiva do governo, logicamente sustentados a soldo público. Quanto aos incentivos artísticos, a isenção de tributos para empresas patrocinarem projetos de vacas premiadas do showbizz retorna posteriormente em propaganda em favor do partido governante e de partidos de viés mais fundamentalista que compõem sua base aliada, pois igualmente defensores de um projeto totalitário e de eternização no poder. Isso sem contar o excelente negócio para o empresário: deixar de pagar tributo e investir em propaganda em espetáculos de artistas consagrados. Do lado da imprensa e das redes sociais, hackers da Militância em Ambientes Virtuais (MAV’s) e blogueiros, jornalistas e revistas com ou sem expressão, são cooptados e patrocinados com verba pública, inclusive de estatais, para fazerem propaganda sob a forma de notícia e de defesa pública dos feitos da elite governante, ao passo que “descem o pau” na debilitada oposição.O atual governo, como muitos outros na história desse país, não se preocupa em fazer o “dever de casa”. Como resultado: rombos, pedaladas fiscais, dinheiro jogado pelo ralo e emprestado a fundo perdido a nações amigas, governadas por ditadores (ou projetos deles) que defendem a mesma ideologia política do partido governante, além da corrupção mais agressiva da história, entranhada como método em toda a máquina pública, para financiar um projeto de revolucionário de perpetuação no poder.Aliás, é bom lembrar a análise de PEREIRA [5]: “Em vez de combater a corrupção disseminada, como prometia fazer antes de chegar ao poder, o Partido dos Trabalhadores, ao contrário, aderiu à maneira brasileira de fazer política e transformou-a em um método de dominação do Poder Legislativo e de perpetuação de poder”.Após toda a gastança inconsequente, alguém teria que pagar a conta. E como bem pontuado na frase atribuída a Ronald Reagan: “Quando uma pessoa ou uma empresa gastam mais do que ganham, elas vão à falência. Quando um governo gasta mais do que ganha, ele te manda a conta”. Assim, é o povo chamado a “contribuir” para não aprofundar a crise no país. Mais que isso, membros do governo ainda usam de deboche, como o atual Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que afirmou que o povo brasileiro estaria disposto a pagar “um pouquinho de imposto para o Brasil ser reconhecido como um país forte” [6].
Grandes fortunas. Fortuna é riqueza. Mas não basta
riqueza para a sujeição ao imposto, eis que a base econômica diz respeito a
“grandes fortunas”. Não há competência, pois, para tributar senão a riqueza
correspondente a “grandes fortunas”, ou seja, só poderia alcançar os
patrimônios realmente muito diferenciados em razão do seu elevadíssimo valor,
talvez acolhendo como marco a cifra simbólica de um milhão de dólares.
Mas
PAULSEN é operador do direito, e não político. A preocupação seria, portanto,
como estabelecer o que seriam as grandes fortunas sob a ética e a ótica governista,
que possui viés marxista.
Para
se ter uma ideia, pela tabela do IRRF, com vigência desde 01/04/2015,
estabelecida pela Medida Provisória nº 670/2015, convertida na Lei nº
13.149/2015, ganhos mensais a partir de R$ 4.664,68 inserem a pessoa na
alíquota máxima de 27,5%. Ou seja, para o governo federal, quem aufere tal
valor pode ser considerada uma pessoa “rica”.
Há
também a matéria divulgada na InfoMoney [9],
na qual se afirma que a classe A é formada pela família cuja renda mensal ultrapassa
de 15 salários mínimos, o que atualmente resta no valor de R$ 11.820,00,
considerando o salário mínimo de R$ 788,00. Essa quantia, inclusive, é inferior
ao que recebe parte considerável dos servidores públicos, em especial dos
Poderes Judiciário e Legislativo, embora haja também privilegiados lotados no
Executivo.
Por
fim, é no mesmo sentido o estudo apresentado pela Secretaria de Assuntos
Estratégicos com base em dados do PNAD e do POF/IBGE, que aponta que a classe A
é formada por aqueles cuja renda mensal em janeiro de 2014 era igual ou
superior a R$ 11.262,00 [10].
De outro lado, foi falado que a instituição do IGF pode criar
um empecilho – a fuga do país dos detentores de grandes fortunas, como bem
destaca ALEXANDRE, que ainda esclarece o porquê de o tributo ainda não ter sido
instituído no país, apesar da autorização constitucional [11]:
Alguns doutrinadores mais críticos afirmam que o tributo
não foi criado porque as grandes fortunas estariam muito bem representadas no
parlamento federal, de forma a inibir qualquer iniciativa no sentido de
exercício da competência.
Entretanto, a criação do tributo também encontra alguns
entraves quanto à sua viabilidade, visto que, criado o tributo, as grandes
fortunas tenderiam a se retirar do País, tendo assegurados, aliás, 90 dias para
tomar tal providência (noventena).
Quanto
à grita pela instituição do IGF, entendo que é uma forma da classe média, que consegue
se articular melhor que as classes sociais mais baixas, tentar se livrar de um
maior rigor do governo contra sua combalida economia. Mas também não se pode
descurar que a discussão sobre a sua criação nasceu no Palácio do Planalto [12]. E enquanto ameaça criar
e finge pesquisar o impacto do IGF, a presidente enviou Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) ao Congresso Nacional [13]
estabelecendo o retorno da CPMF com alíquota de 0,2%, embora tivesse encenado
uma aproximação dos governadores para alterar o aumento de 0,2% proposto
inicialmente para 0,32%, com o valor a maior sendo entregue aos estados.
Essas
notícias, de criação do IGF e 0,32% de alíquota de CPMF, evidenciam,
logicamente, a estratégia da “porta na cara”, fenômeno segundo a qual para
conseguir tornar palatável o que se pretende ver aprovado, deve-se apresentar
antes algo ultrajante, que será de imediato descartado pelo alvo. Assim,
descartada a proposta inicial, o que realmente se busca aprovar se torna de
fácil aceitação, e deve ser solicitado logo em seguida. Trata-se de uma técnica
de influência social.
Na
prática, descartados o IGF e a alíquota de 0,32% do CPMF, o pacote de maldades que
reduz garantias e aumenta alíquotas será aceito sem maiores reclamações,
sobretudo pelas classes mais altas.
As
medidas variam tanto, e há tanta demora e discussão sobre as alterações, que
fica impossível um diagnóstico. Mas é certo que a presidente Dilma Roussef
perdeu a popularidade, a credibilidade e a governabilidade, e enquanto isso
permite que as pessoas que deveriam dar suporte ao seu governo sejam indicadas
por amigos (ou inimigos).
Todos
os dias há notícias sobre criação de tributos e majoração de alíquotas num país
que peca pelo excesso de tributação, mas algumas coisas são recorrentes:
enquanto não se define um número plausível de ministérios e de cargos
comissionados, e efetivamente não há cortes dos gastos públicos, produtos e
serviços com preços equivocadamente controlados pelo governo vão tendo tarifas e
preços majorados, e o povo a cada dia mais desempregado, sente o peso da
inflação, da perda da capacidade de consumo.
O
que se vislumbra é um jogo de empurra-empurra sobre quem vai pagar a conta. Em
especial, busca-se atingir os mais abastados, o que pode acarretar problemas.
Não
se iluda, a finalidade de políticos com a mentalidade como a de nossa elite
governante é nivelar por baixo. É fazer do rico um pobre e do pobre um pobre.
Notas
[1] Rodrigues, Fernando. Dilma
corta 8 (e não 10) ministérios na reforma de seu governo. Uol
notícias, 02/10/2015.
Disponível em <http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2015/10/02/dilma-corta-8-e-nao-10-ministerios-na-reforma-de-seu-governo/#>.
Acesso em 02/10/2015;
[2]
MARQUES, Carlos José. Dilma empurra a conta à
nação. A semana, nº 2.390, 18/09/2015. Disponível em <http://www.istoe.com.br/assuntos/editorial/detalhe/436953_DILMA+EMPURRA+A+CONTA+A+NACAO#>. Acesso em 23/09/2015;
[3]
VERSIANI, Isabel; MONTEIRO, Fábio; DIAS,
Marina; CRUZ, Valdo e NERY, Natuza. Governo anuncia corte de R$ 26 bilhões e
quer ressuscitar CPMF. Brasília, Folha de São Paulo, 14/09/2015. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/09/1681450-corte-de-gastos-do-governo-deve-ficar-proximo-a-r-26-bilhoes.shtml>.
Acesso em 17/09/2015;
[4]
“A presidente Dilma Rousseff está sendo aconselhada a oferecer um sétimo
ministério ao PMDB para contemplar todas as alas da legenda e, assim, garantir
seu apoio praticamente integral ao governo. O objetivo é aprovar o pacote
fiscal e evitar a abertura de um processo de impeachment contra a petista”. Dilma é aconselhada a oferecer 7º
ministério ao PMDB em troca de apoio. Valor Econômico, 29/09/2015.
Disponível em <http://www.valor.com.br/politica/4247762/dilma-e-aconselhada-oferecer-7-ministerio-ao-pmdb-em-troca-de-apoio>.
Acesso em 30/09/2015;
[5]
PEREIRA, Merval. Roubalheira
com método. O Globo, 20/11/2014. Disponível em <http://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/roubalheira-com-metodo-555171.html>. Acesso em
23/09/2015;
[6]
Joaquim Levy: “A CPMF é um imposto pequenininho”. Época, 16/09/2015. Disponível
em <http://epoca.globo.com/tempo/filtro/noticia/2015/09/joaquim-levy-cpmf-e-um-imposto-pequenininho.html>.
Acesso em 23/09/2015;
[7]
GARSCHAGEN, Bruno. Pare de acreditar no
governo... Rio de Janeiro: Record, 2015, págs. 65-66;
[8]
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário:
Constituição e Código Tributário... 15. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013, p. 294;
[9]
NUNES, Viviam Klanfer. Classe
média é a principal consumidora de frutas e hortaliças no Brasil. InfoMoney
25/07/2011. Disponível em < http://www.infomoney.com.br/minhas-financas/noticia/2164536/classe-media-principal-consumidora-frutas-hortalicas-brasil
>. Acesso em 29/09/2015;
[10]
NERI, Marcelo. Social e renda: a classe
média brasileira. Assuntos estratégicos n. 1, Brasília: Imprensa Nacional,
2014, p. 21;
[11]
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário
Esquematizado. São Paulo: Método, 2007, págs. 527-528;
[12]
“A presidente Dilma Rousseff decidiu dar apoio à aprovação no Congresso da
proposta que estabelece uma tributação maior para grandes fortunas. A pauta vem
sendo encarada pelo governo como capaz de pavimentar o caminho de reaproximação
da presidente com movimentos sociais e de agradar partidos de esquerda que
integram a base governista. Aliada à reforma administrativa, a taxação de
grandes fortunas está entre os assuntos que o governo deve se aprofundar nos próximos
dias”. Lima Luciana. Dilma Rousseff decide dar apoio à taxação de
grandes fortunas. IG, Brasília, 27/08/2015. Disponível em <http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2015-08-27/dilma-rousseff-decide-dar-apoio-a-taxacao-de-grandes-fortunas.html>.
Acesso em 29/09/2015;
[13]
“A presidente Dilma Rousseff enviou nesta terça-feira (22) ao Congresso
Nacional Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria um imposto nos moldes
da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O envio
foi publicado em edição extra do ‘Diário Oficial da União’, segundo informou a
Casa Civil”. MATOSO, Filipe. Dilma envia ao Congresso PEC que cria “nova CPMF”.
Brasília, G1, 22/09/2015. Disponível em <http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/09/dilma-envia-ao-congresso-pec-que-cria-nova-cpmf.html#>.
Acesso em 29/09/2015.
Fernando César Borges Peixoto
Advogado, especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito de Vila Velha-ES e em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória-ES.
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