Henrique era mimado, e sempre que autorizado a jogar bola na rua com os meninos da vizinhança levava uma bola
diferente, linda, de excelente qualidade.
Ele a colocava sem dó no campinho de
várzea, de terra batida, onde em poucos minutos o couro já estaria todo
arranhado, retirando a beleza da bola.
Não era problema. Daí a alguns dias
ganharia outra de modelo vistoso e ainda melhor.
Acontece que por qualquer motivo
Henrique embirrava, e aí o jogo acabava – a bola ia embora.
Como era cheio de não me toques, incomodava-se
até com uma simples discussão, mesmo que entre jogadores do time adversário.
Faltas, então, ele recebia sempre que perdia o domínio da bola.
Primeiro os colegas mais
ranzinzas, depois os invejosos, e por último os indiferentes – foram se
afastando um a um.
Chegou um momento em que Henrique vinha
com sua linda e reluzente bola embaixo do braço e todos iam embora. Daí foi um
pulo para ser apelidado de “espalha roda”.
Os meninos estavam ali para se
divertir, para ter uma vida saudável, para crescerem com disposição, para se
ajudarem e criarem laços que poderiam durar a vida inteira. E o Henrique se
preocupava em patrulhar o jogo, o que os colegas diziam e até pensavam, ditando
as regras de comportamento, exigindo que prevalecesse sempre a sua vontade.
Sozinho, ele ficava fazendo pepé
(embaixadinhas) no meio do campinho, enquanto os meninos iam soltar pipa, catar
frutas, brincar de outras coisas e até cantar cantigas de roda – inclusive
“atirei o pau no gato” em sua versão original (master-blaster), a qual, leio
hoje, um vereador insano pretende proibir em sua cidade através de lei,
mostrando como utiliza o dinheiro público.
O tempo passou. Henrique cresceu,
estudou muito, trabalhou, deu asas a sua inteligência, fazendo sucesso em toda a
sua trajetória e acercando-se de pessoas como ele: bem sucedidas e de pensamento muito próximo ao seu; e sempre
afastando os divergentes, logicamente.
Mas ele sentia falta de um joguinho de
futebol.
Então, um dia lançou a ideia no seu
pequeno grupo de amigos. Um a um, foram todos aceitando, embora não lembrassem bem o que era isso. Enquanto alguns
precisaram assistir a partidas de futebol, outros recorreram ao videogame para relembrar como se pratica o esporte bretão.
Depois disso, quase a totalidade deles se dirigiu a
uma loja especializada para adquirir o material esportivo.
No dia do jogo, cada um que entrava
pelo alambrado do campinho de grama sintética, carregava a sua bola. Uma mais
linda que a outra.
De tão egoístas, de tão superiores que
se achavam, nenhum deles quis jogar com a bola do outro. Todos ficaram fazendo pepé no centro do
campo.
Estavam juntos, mas separados. Mantiveram aquilo que entendiam por amizade e afinidade, mas cultuavam suas
idiossincrasias, a mania de grandeza, o desprezo pelas ideias e pelos
comportamentos diferentes.
Rechaçavam os diferentes - mas ninguém de fora queria mesmo se aproximar daquela gente exclusivista...
Henrique estava com eles.
Rechaçavam os diferentes - mas ninguém de fora queria mesmo se aproximar daquela gente exclusivista...
Henrique estava com eles.
Fernando
César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, metido a articulista, ensaísta e cronista e, de certa forma, saudosista
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