segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Os donos da bola


Henrique era mimado, e sempre que autorizado a jogar bola na rua com os meninos da vizinhança levava uma bola diferente, linda, de excelente qualidade.
Ele a colocava sem dó no campinho de várzea, de terra batida, onde em poucos minutos o couro já estaria todo arranhado, retirando a beleza da bola.
Não era problema. Daí a alguns dias ganharia outra de modelo vistoso e ainda melhor.
Acontece que por qualquer motivo Henrique embirrava, e aí o jogo acabava – a bola ia embora.
Como era cheio de não me toques, incomodava-se até com uma simples discussão, mesmo que entre jogadores do time adversário. Faltas, então, ele recebia sempre que perdia o domínio da bola.
Primeiro os colegas mais ranzinzas, depois os invejosos, e por último os indiferentes – foram se afastando um a um.
Chegou um momento em que Henrique vinha com sua linda e reluzente bola embaixo do braço e todos iam embora. Daí foi um pulo para ser apelidado de “espalha roda”.
Os meninos estavam ali para se divertir, para ter uma vida saudável, para crescerem com disposição, para se ajudarem e criarem laços que poderiam durar a vida inteira. E o Henrique se preocupava em patrulhar o jogo, o que os colegas diziam e até pensavam, ditando as regras de comportamento, exigindo que prevalecesse sempre a sua vontade.
Sozinho, ele ficava fazendo pepé (embaixadinhas) no meio do campinho, enquanto os meninos iam soltar pipa, catar frutas, brincar de outras coisas e até cantar cantigas de roda – inclusive “atirei o pau no gato” em sua versão original (master-blaster), a qual, leio hoje, um vereador insano pretende proibir em sua cidade através de lei, mostrando como utiliza o dinheiro público.
O tempo passou. Henrique cresceu, estudou muito, trabalhou, deu asas a sua inteligência, fazendo sucesso em toda a sua trajetória e acercando-se de pessoas como ele: bem sucedidas e de pensamento muito próximo ao seu; e sempre afastando os divergentes, logicamente.
Mas ele sentia falta de um joguinho de futebol.
Então, um dia lançou a ideia no seu pequeno grupo de amigos. Um a um, foram todos aceitando, embora não lembrassem bem o que era isso. Enquanto alguns precisaram assistir a partidas de futebol, outros recorreram ao videogame para relembrar como se pratica o esporte bretão.
Depois disso, quase a totalidade deles se dirigiu a uma loja especializada para adquirir o material esportivo.
No dia do jogo, cada um que entrava pelo alambrado do campinho de grama sintética, carregava a sua bola. Uma mais linda que a outra.
De tão egoístas, de tão superiores que se achavam, nenhum deles quis jogar com a bola do outro. Todos ficaram fazendo pepé no centro do campo.
Estavam juntos, mas separados. Mantiveram aquilo que entendiam por amizade e afinidade, mas cultuavam suas idiossincrasias, a mania de grandeza, o desprezo pelas ideias e pelos comportamentos diferentes.
Rechaçavam os diferentes - mas ninguém de fora queria mesmo se aproximar daquela gente exclusivista...
Henrique estava com eles.



Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, metido a articulista, ensaísta e cronista e, de certa forma, saudosista



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