sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Gertrudes

Era uma pessoa ruim em sua essência, e a certeza veio após seu quarto marido confirmar em alto e bom som, enquanto afivelava a bolsa do notebook, jogava malas e outros recipientes com seus pertences no lombo e caminhava rumo à porta para nunca mais voltar.
Deixava as chaves na porta e sacudia os sapatos para não levar daquele “lar desfeito” sequer o pó de minério de ferro com que a Vale empesteava a cidade.
- Liberdade, afinal!!! - Gritou.
Não tinham filhos, carros, cachorros ou samambaias, o que facilitava a decisão de ambos.
Gertrudes estava parada na antessala, com olhar fixo no horizonte enquanto elencava os defeitos de Herculano. Partiria para outra – não tinha tempo nem talento para sofrer dores de amores.
Deu vontade de tomar um proudy mary, mas os drinques era ele quem fazia. Ela se virava nos acepipes e sanduíches, sempre abusando da pimenta moída e deixando transparecer o seu “fraco” por alecrim.
Pensou em abrir o Chianti Galo Nero comprado há um mês, e sorvê-lo até a última gota.
Foi o que fez.
Após abrir a garrafa, deu um sorriso irônico e lançou Chico Buarque no notebook acoplado à TV:
- “Eu vou lhe deixar, a medida do Bonfim não me valeu....
Checou o celular, abriu o facebook e mudou o status.
Pronto. Agora estava sol-tei-ra!!!
Começaram a chover mensagens na timeline e inbox, das amigas interessadas (mais na fofoca do que dar “aquela força”), oferecendo o ombro amigo para a Gê desabafar.
Fez charme, agradeceu a grande preocupação de todas em 5 minutos, mais de 100 recados –, e fingiu estar triste e aborrecida demais para falar no assunto.
Aproveitou para conferir quem estava solteira, pois poderia ser uma virtual parceira para convidar para o chope do fim de semana.
Cortou uns pedaços de emental, maasdan e gorgonzola; preparou umas provoletas e, junto com umas salsichinhas petisco, colocou tudo em cumbuquinhas.
Solteira numa sexta-feira...
O momento era inoportuno para sair, embora não fosse má ideia, pois a tv por assinatura estava com uma programação daquelas que dão vontade de rescindir o contrato.
Pensou em sua família, da qual estava afastada; em seus pais, já falecidos.
Assistiu a uma das 35 reprises de um filme francês com Jacy Borreau.
O vinho estava acabando. Pensou em tomar banho e dormir.

Caminhou para seu quarto, para sua cama... E foi só então que lembrou que tinha medo de dormir sozinha.

Fernando César Borges Peixoto

Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta, cronista, contista e, de certa forma, um saudosista que agora inventou de escrever poesias

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