Assistindo
ao jogo do meu time de futebol de coração nas semifinais do campeonato carioca contra um dos seus rivais – de quem não ganha há não sei lá quantas partidas –,
vem à minha mente aquela velha máxima de Blaise Pascal: “o coração tem razões
que a própria razão desconhece”.
Há
pouquíssimo tempo, de 2004 a 2014, foram onze competições estaduais, das quais
meu Flamengo venceu seis. Enquanto isso, o rival que virou seu calo momentâneo não
ganhou nenhuma. Logicamente, seus torcedores diziam à época que o campeonato tinha
perdido o charme e a graça – “não é mais como antes”, “não vale mais nada”,
repetiam. Para pior sorte desses infelizes torcedores, o time foi rebaixado
três vezes à segunda divisão do principal campeonato brasileiro, aquele
campeonato que diziam ser “o que conta”. E, por fim, seu "maior" dirigente foi acusado de enriquecer desviando dinheiro do clube [1] e, coincidentemente, passou por
dificuldades financeiras enquanto esteve afastado do clube pela diretoria que
assumiu em seu lugar [2].
Estavam
abaixo de porão de minhoca. Mas, agora que seu time ganhou uma taça e está vencendo
aquele que consideram o maior rival, o campeonato voltou a ter charme, “o
‘gigante’ voltou”, “cadê a freguesia?” e blá-blá-blá.
Isso é mal?
Não! Sempre pode piorar. Está assim
na política.
A “torcida”
perdedora já gozou de grandes momentos no cenário nacional, especialmente nas
seguidas derrotas no pleito, quando fazia um belo trabalho na oposição. À época,
arrogava para si, seus “jogadores” e “dirigentes” o monopólio de todas as
virtudes, do amor ao próximo, da inteligência, da militância política etc.
Contudo, depois de ganhar o “campeonato nacional” por quatro vezes seguidas, vimos que “suas
ideias não correspondem aos fatos” [3].
No período em que frequentou e ganhou tudo na primeira divisão, o clube subornou
jogadores dos adversários e juízes para não perder partidas, e também
comentaristas, que enalteciam suas virtudes e amenizavam ou escondiam seus
deslizes.
Ficou muito
claro que nunca houve amor ao próximo. Esse amor era “amor ao próprio”. Seus
dirigentes enriqueceram indevidamente a olhos vistos, mas a torcida retruca,
afirmando que os dirigentes dos outros clubes também enriqueceram e que não foram os
dirigentes de seu clube que inventaram o enriquecimento indevido.
É amor, amor
cego, surdo, mudo e doente.
Se seus
jogadores são pegos no exame antidoping, afirma que os jogadores dos outros
times também jogam dopados. Alguns da torcida até fariam xixi para um jogador do
time não ser pego no doping. Vale mentir para ganhar.
Descobriu-se
que a torcida “gigantesca” nos jogos nada mais é do que os “sem-clube”, pessoas
contratadas com dinheiro desviado da federação e do clube para ocuparem os
espaços das arquibancadas. Para gritarem o nome do time e cantarem hinos, recebem
o ingresso, alguns poucos reais, a camisa do time e um hot-dog da geneal.
Outros
jargões repetidos pelos fanáticos na guerra de torcidas informam que a culpa é:
do Presidente da Federação pelo sorteio das chaves; do bandeirinha que marcou o
impedimento (legítimo, diga-se); do juiz que apitou o pênalti (escandaloso) contra;
do gandula que colocou rapidamente a bola em campo; do comentarista que narrou por
mais tempo o gol do adversário; e do jornalista esportivo que criticou o time
na resenha. Não assumem os erros, e se porventura forem pegos em flagrante, como
seu estatuto os libera de qualquer culpa, bradam que os outros erram também, que
seu time fez muito pelo campeonato ou, ainda, veja só!, que têm o direito de
errar porque sempre agem com boas intenções. Afinal, milhões puderam comemorar
os títulos que ganharam...
Ficou feio,
muito feio, a ponto de as torcidas adversárias irem pressionar seus dirigentes,
o presidente da federação e os julgadores competentes. Maracutaias foram
investigadas e ainda são descobertas quase que diariamente pelos auditores; os
fatos, revelados pela imprensa; e os ilícitos, julgados no TJD.
Em resposta,
a “torcida fanática” começou a dizer: “é gópe”; a imprensa nunca gostou do time;
as outras torcidas não aceitam dividir o estádio com os torcedores humildes do
time; e o tribunal protege os times das elites.
O que
acontece é que seus membros estão furiosos com a possibilidade de perderem os
privilégios que gozam com a atual diretoria, como nunca antes gozaram na
história desse país. Mentem e querem matar o mensageiro para não enfrentarem os
fatos.
Bom. A intenção
da diretoria em relação àqueles coitados dos “sem-clube”, que iam aos estádios
mediante mesada, era mantê-los eternamente dependentes de doações e subsídios. E
acontece que essas pessoas que foram supostamente beneficiadas, agora estão
sofrendo na lanterna da 2ª divisão da
vida, sem técnico e sem campo de treinamento.
A cúpula
administrativa, no lugar de contratar diretores profissionais, investir no
time, na qualidade de seus jogadores e nas instalações do clube, apenas deu boa
vida aos torcedores e os ensinou a odiar. Convenceu-os de que suas vidas eram um
eterno Fla x flu, um clássico contra todos os que não amassem seu clube. Para
mostrar serviço, deveriam fechar as vias de chegada aos estádios, humilhar,
desprezar, constranger, bater, cuspir e escarrar nos adversários, que “queriam
entregar o futebol a clubes estrangeiros”.
Acabada a
fantasia (deveria, ao menos) com a “falência do futebol” e do modelo de
disputas, alguém deveria ter a decência e a grandeza de perceber seus erros,
assumir a culpa e dizer que esse comportamento beira o ridículo. Sabemos
que os dirigentes, sempre envolvidos com atividades à margem das leis
desportivas, continuarão criando histórias fantásticas enquanto fumam seus
charutos cohibas e pensam como negar sua responsabilidade. Eles, que nunca veem
ou sabem de nada, nem se preocupam com questões morais... Só incentivam os
torcedores a serem violentos.
Temos que
esperar que essa mudança parta da legião de histéricos que os torcedores se
transformaram ao longo da história.
O campeonato
iria melhorar muito.
NOTAS
[1] Eurico Miranda
nega desvio de 20 milhões do Vasco. Folha de São Paulo,
07/12/2001. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/esporte/ult92u30708.shtml>. Acesso
em 24/04/2016;
[2] Eurico voltou ao Vasco. Mas antes
teve que superar tumor e crise financeira. UOL, 12/11/2014. Disponível
em <http://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2014/11/12/eurico-voltou-ao-vasco-m//as-antes-teve-que-superar-tumor-e-crise-financeira.htm>. Acesso
em 24/04/2016;
[3] Trecho de
“O tempo não para”, de Cazuza e Arnaldo Brandão.
Fernando César Borges Peixoto. Advogado, niteroiense, metido a
escritor, ensaísta, cronista, contista e, de certa forma, saudosista.
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