A vida quase nunca é para nós aquilo o que pensamos que
seria quando éramos crianças – e até adolescentes. Minha mãe dizia que meu
sonho, na infância, era ser trocador – não sei se era para manipular “tanto
dinheiro” ou porque, naquela época, ele nos entregava fichas coloridas,
referentes ao trajeto da viagem, para depositarmos num recipiente de vidro ao
descermos do ônibus.
Eu demorei muito para decidir a profissão que realmente iria
abraçar, fui dando cabeçadas por aí, e quando estava quase me formando, a vida
me pregou uma peça: conheci minha esposa pela internet, fui parar no tal do Espírito
Santo com uma proposta de emprego e ali (ou aqui) formamos a nossa família.
Mas, isso sempre tem um preço alto. A felicidade não é
barata não.
No meu caso, eu perdi o contato com pessoas
que poderiam me ajudar profissionalmente, com os conhecidos, com os amigos
e, principalmente, com os familiares. A perda do contato com meus pais é a que
mais me afetou, e me aflige mais a cada dia, porque já estão bem idosos,
passando da média de vida do brasileiro.
É bem verdade que nem todos fazem falta, como eu também
sei que não faço falta para muitos, mas a impossibilidade de presenciar alguns
fatos e circunstâncias, envolvendo certas pessoas, traz graves aborrecimentos e
até dores lancinantes, como no dia em que a minha sobrinha e afilhada deixou
sua vida aqui na Terra, o que se deu no final de outubro de 2011.
Nesse dia, nós jogamos qualquer roupa em qualquer mala, e
entramos no carro – porque as passagens de avião estavam caras além da conta –,
mas não andamos 30 km, quando o carro meio que “bateu o motor”. Era um carro
novo, com poucos quilômetros rodados – foi um livramento, talvez. E a partir
daí foi um verdadeiro inferno. Ligações para amigos, para familiares, para
corretor, para empresas de viagens... E de lá do meio da BR 101.
Enfim, fomos socorridos e embarcamos. Chegamos em cima da
hora do enterro, mas conseguimos nos despedir.
Contudo, isso nem sempre é possível. Muitas vezes não
consegui sequer me mobilizar para ir a celebrações e a enterros de amigos e parentes,
em razão de compromissos e também da falta de grana e de tempo hábil. Não esqueço
que não pude me despedir da minha madrinha, que foi uma das pessoas que mais me
amou nessa vida.
Hoje nos deixou o irmão mais novo de meu pai. Curiosamente,
eles eram vizinhos, mas se viam muito pouco, assim como nós aqui em casa, quando viajávamos
para o lugar onde nasci e me criei. O engraçado é que, quando me via, já ia
gritando: “- Ô, capixaba! Ô, capixaba!”. Hehehe.
Kiko era aquele tio com quem eu gostava de encontrar. Na casa
da vó, onde quase nunca estava; no bloco do Arrasta-Tudo do Barreto, no último
dia do carnaval, quando eu vestia a fantasia de “sujo”. Era aquele tio solteirão
(só casou depois dos 50, com uma vizinha que conheceu em um de meus aniversários)...
Certa vez, ele me levou, ainda muito pequenino, para
passar um dia com ele, num clube onde me diverti tanto que lembro até hoje. Lembro
também da sua insistência para que eu dirigisse seu fusquinha de estimação,
quando eu tinha tido apenas duas aulas de direção: “- Vai dirigir sim, sem
medo. É meu sobrinho, é inteligente. Não se preocupe, você tira de letra”.
Eu enjoado que só, fiquei com “ele” na seringa, mas o tio
ficou todo bobo (ou aliviado?), porque não causei nenhum acidente.
É bom lembrar que meu pai não faria isso, não com duas
aulas de condução, mas ele era caçula, o mais “irresponsável” por assim dizer,
e podia fazer isso à vontade. Talvez essa independência dele tenha chamado a
atenção desse que sempre foi um rebelde.
Um legado que me deixou foi a responsabilidade de ser o
único a levar o nome do meu avô adiante, segundo as antigas regras do Direito
Civil, já que não teve filhos e é o único irmão homem do meu pai. Eu sou o
único filho homem também, mas já consegui jogar a “batata quente” no colo do
meu filho.
A vida é feita desses pequenos momentos significativos, e
a gente não deve deixar que a crueldade lá de fora nos contagie e tire isso
também.
A distância novamente tira a oportunidade de me despedir
de uma pessoa querida. Então, me despeço daqui.
Vá com Deus, tio Kiko, que Ele conforte sua esposa e o
receba para o convívio dos eleitos.
Fernando César
Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta,
cronista contista e, de certa forma, saudosista
Nenhum comentário:
Postar um comentário