Raimundo
Cavalcante tinha terras na Paraíba, mas a seca constante o fez desistir e partir
para arranjar o que fazer no sul. Preferia trabalhar, e por isso dispensou viver
pendurado no governo. Pretendia
continuar vivendo no campo, para lidar com o que tinha experiência; e em pouco tempo já
estava bem instalado numa pequena fazenda, onde tocava o pomar e a horta, e cuidava
de porcos, carneiros, patos, galinhas e marrecos. Aquele pedaço de terra era um
sonho...
Como
não estava muito afastado da Cidade, podia frequentar a Igreja Matriz,
Católica, Apostólica e Romana, àquela altura infestada de seguidores da
teologia da libertação – excrescência marxista incrustada na Igreja de Cristo –,
que a empesteavam.
Um
belo dia, um membro da comunidade eclesial de base puxou assunto, e perguntou a
Raimundo o que ele achava do “golpe”. Raimundo, homem muito atarefado e
ensimesmado, desconhecia os jargões da esquerda brasileira, e perguntou: – Quediabéisso?
Então,
ouviu:
-
O golpe que o Temer deu na presidenta Dilma; representante da elite que não se
conforma porque Lula e Dilma tiraram milhões da pobreza, e odeia ver os pobres comprando
coisas e frequentando os mesmos lugares que os ricos.
Raimundo
respondeu:
-
I u hômi num fazia propaganda e discussu juntu cua Dirma? Eis num tava juntu?
Eu vi, das duas vez, qui eis tava juntu.
-
Não senhor! – respondeu o falso católico. - Temer tinha que estar lá, senão ela
não ganhava. Mas ele se juntou com os tucanos e deu um golpe na mãe Dilma. O
pior é que ainda querem prender o papai Lula. É uma gente muito ruim, que não quer
largar o poder.
-
Óia, seu moçu – disse Raimundo –, eu num sô letradu, i tive qui saí de minha
terrinha pruque num tive ajuda di ninguém. Ném quiria. Larguei tudu pra lá i vim
trabaiá nu su. Mais meu patrão, que é rico, i muitcho bão, tamém tem
dificurdade pra tocá a fazenda, inquantu uns pôcu hômi indinherado, qui são
amigu “dus hômi” da política, tão nadanu nu dinhêru emprestadu dus bancu du
governu. Issu é justo? Eis déru geladêra i tevelisão prus pobri, i mansão, iati
i dinheiru grossu prus ricu amigu, pra eis tamém, i prus cumpádi deis. E nissu
aí, tá eis tudu mitidu: Lula, Dirma, Têmi... Jesus num qué issu não, viu? Num
fali issu aqui drentu da Igreja, respeiti u sufrimentu de Cristo.
O
militante foi embora, não sem antes dizer que Raimundo precisava estudar e que
era um cão adestrado do patrão burguês explorador.
Raimundo,
que não estava nem aí, voltou para casa, reconfortado pela Palavra lida na Santa
Missa. Agora, precisava descansar no domingo do Senhor, porque tinha uma semana
pela frente, em que precisava estar bem disposto para trabalhar pesado, como
sempre fez e nunca reclamou.
Foi lindo ver
aquela surra moral e o choque de realidade dados por um homem simples, mas muito
sábio, num militante marxista infiltrado na Igreja. Eu estava lá, era o banco
ao lado do lugar onde havia sido feita a malfadada abordagem.
Fernando
César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta,
cronista, contista e, de certa forma, um saudosista que agora inventou de
escrever poesia.
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