quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Smith Silva




Smith, sobrenome Silva, chamado de Shit por muitos, era um microempresário moralmente fracassado que, há pelo menos 10 anos, participava da “Academia da Birita”, grupo de 30 pessoas que se reunia às quartas e aos sábados para beber, comer, e jogar cartas e conversa fora. Dela participavam professores, empresários de todos os portes, profissionais liberais, servidores públicos, poetas e boêmios. O local de encontro era um boteco bem localizado e frequentado, plantado no coração do bairro mais nobre da cidade.
As vagas eram bastante disputadas, e seus membros só saíam no caixão. E se só se saía no caixão, evidentemente, ninguém arredava o pé de lá. Mas, infelizmente, eram amigos de boteco, local que, embora sugira um aparente catalizador de amizades, há também muita falsidade. Parte dos membros era de desajustados, que lançavam impropérios e faziam críticas pesadas contra “acadêmicos” ausentes. Às vezes o faziam na presença mesmo. Eram os “peregrinos”, que, pulando de grupelho em grupelho, pregavam maledicências de uns contra os outros, e de outros contra uns.
Nitidamente, os mais infelizes ocupavam a vida a falar de dinheiro, e invejavam e difamavam os que haviam obtido sucesso, sem, contudo, poupar outras pessoas. Uns chegavam a tomar por ofensa pessoal o fato de alguém ser financeiramente melhor sucedido.
Mas quem mais provocava suas frustações e seu desprezo, eram os que não haviam enriquecido e mesmo assim viviam felizes. Principalmente, porque, desses cidadãos de segunda classe, não era possível obter quaisquer vantagens. Questionavam-se, afinal: como alguém pode ostentar tamanha felicidade, tal estado de espírito, sem dinheiro no bolso ou no banco?
Naquele dia, Smith procurava Timóteo, que havia lhe pedido para conseguir o cartão de apresentação de Felício, um contador que frequentava o mesmo local, e com quem tivera um entrevero semanas antes.
Não era um pedido, mas uma ordem. E embora Smith soubesse que Timóteo iria prejudicar Felício, usando a influência e o prestígio de que gozava perante pessoas influentes, que participavam de uma sociedade secreta da qual era membro prestigiado. Aliás, tais figuras não se fariam de rogadas para vasculhar a vida e entregar informações confidenciais de qualquer pobre diabo, para atender a interesses escusos de confrades.
O microempresário simplesmente não se importava com a sorte de Felício, já que esse pobre coitado lhe provocava uma inveja figadal e silenciosa. Ademais, não poderia deixar de ser útil a Timóteo, pois não se menosprezava a gratidão de alguém de tamanha envergadura.
A desavença entre Timóteo e Felício havia alcançado os campos político, filosófico e comportamental, e Timóteo não se conformava em perder um debate, ainda porque o opositor reunia um arcabouço intelectual muito superior. Isso era inaceitável.
“Feito o serviço”, Smith se emocionou ao receber um abraço “afetuoso” de tamanduá. Pediu uma pinga, espremeu meia rodela de limão, lambeu uma pitada generosa de sal, e se recolheu em pensamentos que atormentavam sua porca vida desinfeliz, como a esposa insatisfeita, os filhos que não o suportavam, os amigos que não se importavam. A única coisa que o consolava era lembrar o valor de suas economias, que já estavam na casa dos milhões.


Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, conservador, gosta de escrever e, de certa forma, é um saudosista.

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