terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Era um quarto ermo

  

Era um quarto ermo, sujo, de onde ele quase nunca saía para ver o mundo exterior.

Como um prisioneiro, recebia a ração diária por uma abertura na porta, sem contatos.

Adotara a antiga prática de penicos nos quartos

para evitar o boi, o buraco no chão das prisões comuns onde se alivia o marginal.

Um dia abriu a janela, espantou a total escuridão. Surpreso com as cores, venceu a solidão

E naquela epifania matinal redescobriu o frescor

 

Mudança imprevista de humor...

Via tête-à-tête os pássaros que tanto escutara de longe em seu mundo sombrio

e dos quais sequer lembrava o formato, nem discernia o cantar ou pio.

Aos corrupios, vislumbrou um lindo campo pela frente,

com flores exuberantes de formatos diferentes

Era a natureza que agora admirava, sem se submeter como escravo, sem lhe preocupar o pudor.

 

Mudara repentinamente; agora sentia uma felicidade que não conhecera nem saberia descrever

Já não suportava mais o fedor do seu canto, nem comer feito bandido

Precisava interagir, tentar reaver o tempo perdido

Mesmo sendo, em verdade, o tempo, irrecuperável; queria medir o incomensurável

Desejava aprender e compartilhar com quem confessasse querer

 

Naquele dia, o que era sóbrio se foi...

Chegaram as cores, as luzes;

descobriu suas raízes, conheceu amores.

Antes, quando tudo escureceu, carregou mil cruzes

Não pôde recuperar o que não se recupera, mas abandonou a longa fila de espera

e foi feliz como nunca dantes havia sido, mudou o homem que vivia aturdido.

O que lhe restou de vida, viveu...

Sem mais sentir todas as dores, sem que lhe preocupasse o depois.

 


Fernando César Borges Peixoto

Advogado, niteroiense, conservador, gosta de escrever e, de certa forma, é um saudosista.

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