Era um quarto ermo, sujo, de
onde ele quase nunca saía para ver o mundo exterior.
Como um prisioneiro, recebia
a ração diária por uma abertura na porta, sem contatos.
Adotara a antiga prática de
penicos nos quartos
para evitar o boi, o buraco no chão das prisões comuns onde
se alivia o marginal.
Um dia abriu a janela,
espantou a total escuridão. Surpreso com as cores, venceu a solidão
E naquela epifania matinal
redescobriu o frescor
Mudança imprevista de humor...
Via tête-à-tête os pássaros
que tanto escutara de longe em seu mundo sombrio
e dos quais sequer lembrava o formato, nem discernia o
cantar ou pio.
Aos corrupios, vislumbrou um
lindo campo pela frente,
com flores exuberantes de formatos diferentes
Era a natureza que agora
admirava, sem se submeter como escravo, sem lhe preocupar o pudor.
Mudara repentinamente; agora
sentia uma felicidade que não conhecera nem saberia descrever
Já não suportava mais o
fedor do seu canto, nem comer feito bandido
Precisava interagir, tentar reaver
o tempo perdido
Mesmo sendo, em verdade, o
tempo, irrecuperável; queria medir o incomensurável
Desejava aprender e
compartilhar com quem confessasse querer
Naquele dia, o que era
sóbrio se foi...
Chegaram as cores, as luzes;
descobriu
suas raízes, conheceu amores.
Antes, quando tudo
escureceu, carregou mil cruzes
Não pôde recuperar o que não
se recupera, mas abandonou a longa fila de espera
e foi feliz como nunca dantes havia sido, mudou
o homem que vivia aturdido.
O que lhe restou de vida, viveu...
Sem mais sentir todas as
dores, sem que lhe preocupasse o depois.
Fernando César
Borges Peixoto
Advogado, niteroiense,
conservador, gosta de escrever e, de certa forma, é um saudosista.
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