terça-feira, 22 de setembro de 2015

Na casa dos playboys


Casquinha, um menino gordinho (mas arisco), passou boa parte das férias escolares de sua infância e pré-adolescência numa cidade do interior, visitando uns tios sem filhos que haviam se aposentado e abandonado a cidade grande.
Numa das férias do meio de ano, ele teve que escrever um diário a pedido do professor de Língua Portuguesa; e foi exatamente naquele período de mais aventuras, porque estava mais entrosado com os meninos da vizinhança – e até com alguns adultos. Nas casas dessas pessoas, de grandes terrenos, sempre havia um campinho, fosse gramado ou de areia, onde ficava jogando futebol até o anoitecer.
Naquela temporada, junto de uns vizinhos, montou um “timaço” chamado Estrela, para disputar um torneio na casa de veraneio dos “meninos ricos”, na qual havia uma pequena quadra de futebol de salão.
Chegado o dia, cujos fatos não foram narrados (por motivos óbvios) no diário da escola, entraram pela frente da casa, e após passarem ressabiados por uns três portões – nessa casa que até segurança tinha –, avistaram a quadra, onde logo começariam os jogos.
O Estrela era imbatível. Arrasou os adversários por 5x2 e 4x1, classificando-se em primeiro colocado do seu grupo para as semifinais, que seriam disputadas pelo cruzamento dos grupos: 1º do Grupo A vs. 2º do Grupo B; e 1º do Grupo B vs. 2º do Grupo A.
Então ficou: Estrela vs. Dínamo e Cosmos vs. Real.
Estrela passou fácil por 4x0 e ficou aguardando o outro jogo, onde o Cosmos, time dos donos da casa, passou apertado por 3x2, contando com um pênalti mal marcado, e várias inversões de faltas e arremessos laterais.
André, o mais velho do grupo, avisou a Casquinha que eles não ganhariam o troféu – só havia um –, pois os donos da casa “não perdiam nunca”, e faziam qualquer coisa para isso. Para ter uma ideia, o sorteio havia sido direcionado, porque os meninos do time do Real eram mais chegados aos donos da casa. Tudo estava planejado para os times se enfrentarem na final. O Estrela era a zebra.
Casquinha questionou o porquê de André não ter avisado antes, e por qual motivo se conformava tão fácil com aquilo. E o André falou que era a única diversão que tinham, o valor cobrado para participar era pouco e que “no fundo, no fundo” tinha a esperança de um dia ganhar, como poderia acontecer naquele ano.
Casquinha desconhecia esse tipo de comportamento bovino, pois na periferia onde morava ninguém podia dar moleza, senão virava chacota.
Começou o jogo e seu time era melhor. Mas, como esperado, colocaram propositalmente um rapaz frouxo para apitar, filho do dono do cartório da cidade e goleiro do Real. Era amigo dos meninos do Estrela, mas, “por questões comerciais”, mais amigo dos donos da casa.
Inversões de falta e de lateral iam sucedendo, quando um dos irmãos segurou casquinha enquanto o outro tomou a bola e fez o gol. 1x0 Cosmos. Reclamações, instabilidades... Mas não havia jeito... Saiu a bola. Os meninos nervosos. Estrela toma outro gol.
O mais novo dos irmãos tira sarro com o Casquinha, e na primeira dividida entra com tudo. Casquinha olha, chama o outro de viado e diz para ele se cuidar.
No lance seguinte, Casquinha faz boa jogada e entrega para o Ricardo fazer o gol do Estrela. 2x1, e faltava pouco para acabar.
Foi a gota d’água. Veio outra bola dividida e o playboyzinho foi dar um bico em Casquinha, mas não contava com um desvio fantástico e uma banda para completar. Casquinha se esquivou rapidamente e aproveitou que uma das pernas do otário estava no ar (após errar o chute) para passar a rasteira na de apoio – ele praticava judô e conhecia um pouco de defesa pessoal.
O playboy caiu igual fruta podre e o tempo fechou.
O juiz, froucho que só, apitou o fim de jogo.
Veio a turma do deixa disso, mas o nervosinho mandou uma empregada fechar o portão aos berros, e meio que rosnando e espumando disse que ia dar porrada em Casquinha.
Casquinha pediu que os colegas o largassem e foi para o meio da quadra chamando o mané pro pau. Disse que se era macho devia “cair dentro”, e parar com o fogo de palha...
Ao mesmo tempo, o irmão mais velho “botava pilha” no mais novo.
O segurança veio, abriu o portão e pediu para todos irem embora, enquanto segurava o playboyzinho, que começou a dar um showzinho à parte: - Me larga! Me larga!
Fazendo uma carranca para o zé ruela, Casquinha saiu cuspindo marimbondos, pois não ganhou o troféu. Estava tão furioso que ficou vários dias em frente à casa do playboy esperando que ele fosse lá fora acertar as contas, mas descobriu que o prego não podia sequer sair de casa, pois “era um mimadinho”. Com isso, virou o ídolo dos meninos daquele lugar; e turrão que só, nunca mais falou com os filhos do dono do cartório.
Só que aquele não foi um dia só derrotas. Ao entrar na rua da casa de sua tia, viu a irmã mais bonita de um dos colegas de time, na varanda de uma casa em construção. Ela seria o grande prêmio de consolação.
Seu irmão tinha saído correndo ao ver o portão aberto; e, esbaforido, foi logo contando o ocorrido.
Sabendo que Casquinha estava chateado, Nina deu um beijo apaixonado nele. Disse que era para não ficar mais triste... E ele não ficou.
Ele tinha 12 anos, ela 14 e estava comendo um pedaço de coco seco...
(O menino foi embora feliz da vida, cuspindo os pedacinhos de coco que acidentalmente pararam em sua boca)


Fernando César Borges Peixoto


Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta, contista e cronista, além de saudosista

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