Depois de sete anos de um namoro que
começou na adolescência, Zé Carlos, enfim, estava sozinho.
Como seus amigos já estavam casados e se casando, e
outros noivando, não o agradava ter ficado soltinho no mercado. Tinha perdido a
pegada depois de tanto tempo.
Na época, a internet começava de forma
insipiente – acesso por discagem, lento, uma fortuna o plano “ilimitado”... Mas,
fechou o contrato e resolveu navegar.
Com o tempo, começou a entrar em salas
de bate-papo; e um dia se aventurou numa especialmente frequentada por “adultos”
– pornô mesmo.
Lá encontrou uma moça que, disse, morava
perto de sua casa. Nickname Roberta. Um milagre. Gente boa, disse que as
imagens na tela a incomodavam, e perguntou se era possível conversarem num outro
ambiente.
Respondeu que sim, dizendo que poderiam entrar
numa sala vazia e ficar no reservado, sem dar atenção para quem tentasse
invadir o espaço. A essa altura já estava craque. Achou uma sala vazia. Entrou,
voltou na antiga sala e informou onde ela deveria se dirigir.
Só que a internet... Ah, a internet! Ela e seu santo acesso discado fizeram com
que ele “caísse” logo após trocarem um oi no reservado.
Tentou acessar o mais rápido possível.
Mas o mais rápido possível era o tempo de Deus.
Não encontrou mais a Roberta. De sala em
sala, ia direto à letra “R” entre os nicks, e depois de entrar em várias sem
sucesso, desistiu.
Na última delas, abaixo dos nicks com R,
estava a Sunny. Puxou assunto. Deu certo. Ela era de Belo Horizonte, ele de Olaria,
Rio de Janeiro.
Agora mais esperto, pediu o icq (I seek
you), programa que permitia o contato direto instantâneo, não visual. Não
queria perdê-la também. Conversaram muito naquele dia. E no outro, e no outro...
Com o tempo, resolveram se encontrar pra valer, e totalmente às escuras, pois não
haviam perguntado um para o outro como era a aparência física. Medo de ofender.
Na época não havia ainda o costume de (e
nem um canal fácil para) inserir fotos na internet.
Mas era engraçado. Pretendiam se
deslocar para outro estado da federação, e preferiam enfrentar a surpresa –
para o bem ou para o mal – a perguntar sobre o aspecto físico. Criaram o
primeiro tabu.
Tudo foi acertado quando ela disse que
viajaria ao Rio a trabalho. Ele providenciou um hotel em lugar estratégico,
para se encontrarem de forma a não enfrentarem grandes desgastes com o trânsito
caótico.
Foi ao Aeroporto buscá-la. Nervoso,
pensava: Será que vou agradar? E se ela não me agradar? Deus!!!
Lá vinha ela, e naquele momento ele
descobriu que já estava apaixonado antes de conhecê-la. Uma graça, simpática,
mas esguia – como aconteceria pelo resto daquela tarde, não dava chance dele avançar
no que interessava, no claro motivo do encontro, que era ficarem juntos.
Após ela se instalar no hotel, seguiram
para almoçar. Burro, escolheu uma churrascaria a rodízio. Encheu tanto a pança que
não conseguia nem respirar. Ao menos tinha evitado o coração de frango no
alho...
Foram conversar numa praia. Com roupas
leves, mas sem trajes de banho. Ela conhecia o Rio, ele não tinha a menor noção
de como seria Belzonte.
O tempo parecia voar enquanto estavam
juntos, e o sol começava a se pôr. Ele a deixou no hotel e foi para casa se
arrumar, pois a havia convidado para assistir à apresentação de um amigo de
infância que era músico, num projeto cultural patrocinado pela Prefeitura de
Niterói.
Em casa, longe dela, o tempo parecia não
passar. Dava meia noite, mas não dava oito e quinze da noite, horário marcado.
Saiu. No caminho, enquanto pensava por
que se envergonhara de falar onde ficava o “espaço cultural”, falou amenidades
– e tão logo se tocou, já havia chegado, num momento em que grupos de dança de
comunidades carentes se apresentavam (funk carioca, hip hop, axé).
Ela achava tudo interessante, e ele
explicava que o amigo era o “cara” da adolescência. Tocava em praias lotadas,
abriu show de Celso Blues Boy... Ela prestava atenção e fingia conhecer o
blueseiro de “fumando na escuridão”, aquele de quem nunca ouvira falar.
Em seguida, começou o show. Músicas
inéditas, estilo underground. A formação era uma dupla acompanhada de uma
bateria eletrônica, e o vocalista atacava:
- O homem que matou o capeeeetaaaaa...
O espaço, na realidade, ficava em frente
ao cemitério. Pensava: Que porra de música era aquela? Deus (de novo)!!!
Com os acordes sombrios e a voz gutural
vindos daquele palco lúgubre, ele sentiu um frio na espinha – e achou que ela
também.
O momento não era romântico, mas decidiu
que não iria perder mais tempo. Olhou em seus olhos azuis profundos e perguntou
se a podia beijar.
Ela fechou os olhos, abriu um sorriso
sem mostrar os dentes e fez que sim com a cabeça.
Foi o primeiro de muitos. E eles ainda
continuam se beijando.
Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta, contista e cronista, além de saudosista
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