quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Rock romântico na casa dos mortos


Depois de sete anos de um namoro que começou na adolescência, Zé Carlos, enfim, estava sozinho.
Como seus amigos já estavam casados e se casando, e outros noivando, não o agradava ter ficado soltinho no mercado. Tinha perdido a pegada depois de tanto tempo.
Na época, a internet começava de forma insipiente – acesso por discagem, lento, uma fortuna o plano “ilimitado”... Mas, fechou o contrato e resolveu navegar.
Com o tempo, começou a entrar em salas de bate-papo; e um dia se aventurou numa especialmente frequentada por “adultos” – pornô mesmo.
Lá encontrou uma moça que, disse, morava perto de sua casa. Nickname Roberta. Um milagre. Gente boa, disse que as imagens na tela a incomodavam, e perguntou se era possível conversarem num outro ambiente.
Respondeu que sim, dizendo que poderiam entrar numa sala vazia e ficar no reservado, sem dar atenção para quem tentasse invadir o espaço. A essa altura já estava craque. Achou uma sala vazia. Entrou, voltou na antiga sala e informou onde ela deveria se dirigir.
Só que a internet... Ah, a internet!  Ela e seu santo acesso discado fizeram com que ele “caísse” logo após trocarem um oi no reservado.
Tentou acessar o mais rápido possível. Mas o mais rápido possível era o tempo de Deus.
Não encontrou mais a Roberta. De sala em sala, ia direto à letra “R” entre os nicks, e depois de entrar em várias sem sucesso, desistiu.
Na última delas, abaixo dos nicks com R, estava a Sunny. Puxou assunto. Deu certo. Ela era de Belo Horizonte, ele de Olaria, Rio de Janeiro.
Agora mais esperto, pediu o icq (I seek you), programa que permitia o contato direto instantâneo, não visual. Não queria perdê-la também. Conversaram muito naquele dia. E no outro, e no outro... Com o tempo, resolveram se encontrar pra valer, e totalmente às escuras, pois não haviam perguntado um para o outro como era a aparência física. Medo de ofender.
Na época não havia ainda o costume de (e nem um canal fácil para) inserir fotos na internet.
Mas era engraçado. Pretendiam se deslocar para outro estado da federação, e preferiam enfrentar a surpresa – para o bem ou para o mal – a perguntar sobre o aspecto físico. Criaram o primeiro tabu.
Tudo foi acertado quando ela disse que viajaria ao Rio a trabalho. Ele providenciou um hotel em lugar estratégico, para se encontrarem de forma a não enfrentarem grandes desgastes com o trânsito caótico.
Foi ao Aeroporto buscá-la. Nervoso, pensava: Será que vou agradar? E se ela não me agradar? Deus!!!
Lá vinha ela, e naquele momento ele descobriu que já estava apaixonado antes de conhecê-la. Uma graça, simpática, mas esguia – como aconteceria pelo resto daquela tarde, não dava chance dele avançar no que interessava, no claro motivo do encontro, que era ficarem juntos.
Após ela se instalar no hotel, seguiram para almoçar. Burro, escolheu uma churrascaria a rodízio. Encheu tanto a pança que não conseguia nem respirar. Ao menos tinha evitado o coração de frango no alho...
Foram conversar numa praia. Com roupas leves, mas sem trajes de banho. Ela conhecia o Rio, ele não tinha a menor noção de como seria Belzonte.
O tempo parecia voar enquanto estavam juntos, e o sol começava a se pôr. Ele a deixou no hotel e foi para casa se arrumar, pois a havia convidado para assistir à apresentação de um amigo de infância que era músico, num projeto cultural patrocinado pela Prefeitura de Niterói.
Em casa, longe dela, o tempo parecia não passar. Dava meia noite, mas não dava oito e quinze da noite, horário marcado.
Saiu. No caminho, enquanto pensava por que se envergonhara de falar onde ficava o “espaço cultural”, falou amenidades – e tão logo se tocou, já havia chegado, num momento em que grupos de dança de comunidades carentes se apresentavam (funk carioca, hip hop, axé).
Ela achava tudo interessante, e ele explicava que o amigo era o “cara” da adolescência. Tocava em praias lotadas, abriu show de Celso Blues Boy... Ela prestava atenção e fingia conhecer o blueseiro de “fumando na escuridão”, aquele de quem nunca ouvira falar.
Em seguida, começou o show. Músicas inéditas, estilo underground. A formação era uma dupla acompanhada de uma bateria eletrônica, e o vocalista atacava:
- O homem que matou o capeeeetaaaaa...
O espaço, na realidade, ficava em frente ao cemitério. Pensava: Que porra de música era aquela? Deus (de novo)!!!
Com os acordes sombrios e a voz gutural vindos daquele palco lúgubre, ele sentiu um frio na espinha – e achou que ela também.
O momento não era romântico, mas decidiu que não iria perder mais tempo. Olhou em seus olhos azuis profundos e perguntou se a podia beijar.
Ela fechou os olhos, abriu um sorriso sem mostrar os dentes e fez que sim com a cabeça.
Foi o primeiro de muitos. E eles ainda continuam se beijando.


Fernando César Borges Peixoto

Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta, contista e cronista, além de saudosista

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