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Priii, priii, priii, priii, priii...
A
velha Maria chamava suas galinhas às 5 e meia da manhã, com o dia já claro, e
jogava milho para alimentá-las. O cheiro de café e do pão quentinho acordava a
todos na casa e alcançava quem passasse por sua calçada.
Morava
na Rua Dom João VI, em São Gonçalo, quase no limite com Niterói. Logradouro comprido
e largo onde quase não passavam carros – somente bicicletas, cavalos e poucas
carroças. Terminava numa enorme rocha, local de
brincadeiras das crianças e de passeio das poucas cabras da vizinhança. Havia
chácaras e casas com quintais espaçosos, separadas por muros baixos, com vários
pés de frutas, galinheiros e pequenos chiqueiros. Comércios eram poucos: a venda do Euclides, a barbearia do Heleno e o botequim do Tomás
portuga.
As
galinhas chegavam uma a uma, mas dona Maria deu falta da mais espevitada. Olhou
em direção à vizinha que trazia a trouxa de roupas para lavar e perguntou:
- Laura,
você viu minha polaca aí pelo seu quintal?
-
Não, Maria. Sumiu também? – respondeu.
-
Sim. Que coisa estranha! Nessa semana já se foram o galo do Agenor, o gato da Quitéria,
a cabrita do Nicanor... E agora a minha polaca.
Saiu
e entrou para falar com seu marido, Valdir, que se aprontava para ir trabalhar
na Fábrica de Tecidos, onde exercia o posto de encarregado. Cobrou dele a
realização de uma força-tarefa para acabar com aquele absurdo.
Era
uma sexta-feira, e o ano 1940. Estêvão, o caçula do casal, embora vivesse
andando pela pedra como se fosse um cabrito, era um grande medroso quando o
assunto era o sobrenatural. Não podia explorar toda a rocha, mas o espaço em
que reinava era o suficiente para deixar seus joelhos totalmente ralados.
Enquanto
muitos falavam em um ladrão e outros duvidavam que houvesse um ladrão de gatos são,
Estêvão tinha para si que era um fantasma, e um frio lhe corria pela espinha.
Para piorar, o medo de fantasma o impedia de dormir.
No
sábado, às 3 da tarde, os vizinhos se reuniram. Alguns com facões, outros com
umbigos de boi, garruchas e revólveres, e resolveram fazer buscas em todas as
casas, para ver se achavam o bandido escondido. Eram 2 grupos que se dividiram
e se dirigiram para cada lado da rua para fazer uma varredura.
Quase
pelas 6 da tarde resolveram subir pelas laterais da rocha no fim da rua, pois
sabiam que havia pequenas entrâncias onde alguém poderia se esconder. Numa
delas, encontraram uma pequena fogueira apagada, folhas de jornal, fezes, penas
de ave e o couro de um gato, além de ossos e alguns cotocos de cigarro de
palha.
Não
havia ninguém, mas já sabiam que quem estivera ali não era conhecido.
Voltaram.
Foram tomar uma pinga e acertaram que ficariam em alerta à noite.
Lá
pras duas da matina, o medroso do Estêvão, que não pregara os olhos, ouviu uma
reza estranha, bem baixinha. Saiu da cama e, morto de medo, andou em direção à
janela da sala, seguindo o som. Olhou pela persiana e viu um homem rolando por
sobre jornais e bosta de cavalo, repetindo palavras estranhas, quando, de
repente, deparou-se com um rosto todo peludo. Era um lobisomem...
O
menino gritou, acordando os pais e alguns vizinhos, que chamaram os outros. O barulho
assustou o bicho, que se levantou e correu de pé. Os vizinhos chegaram e atiraram.
Ouviram um uivo, mas não conseguiram alcançá-lo.
No
dia seguinte, a polícia apareceu para perguntar se alguém dali tinha atirado
num homem que eles socorreram no Barreto, baleado no braço. Ele foi levado a um
hospital, porém não se identificou; e assim que foi feito o curativo, sumiu na
poeira. Todos responderam, de forma ensaiada, que nada de anormal acontecera na
madrugada de sábado para domingo.
O
homem que, segundo a polícia informou, se comportava como alguém do interior, não
voltou mais. Por coincidência, os animais deixaram de sumir.
Estêvão
cresceu e contou aquele causo em todas as reuniões da família durante anos. E
continuava contando, agora aos seus bisnetos.
Fernando César Borges Peixoto
Advogado,
niteroiense, metido a escritor, ensaísta, cronista, contista e, de certa forma,
saudosista
Muito legal!!! Seu filho vai gostar. Parabéns!
ResponderExcluirEstá lá meu avô Euclides, minha avó Laura e o meu filho Estêvão. Como o nome de papai é bem diferente, coloquei Valdir, já que ele era chamado de Waldê.
ExcluirEsqueci e "veia" Maria. Inclui sua mãe na história, aproveitando que a veia gosta (rssssss).
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