quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Onde é que eu estava o tempo todo? Ocupado demais (II)


Dias atrás, viajei para uma cidade do interior – crescidinha, mas do interior. Interior onde se diz que as pessoas são mais amigáveis e generosas – e sempre foi assim mesmo.
Ia buscar as crianças, que passaram a única semana de férias numa roça; e a poucos quilômetros do perímetro urbano, o carro esquentou. Com hora para chegar, parei repetidas vezes, esperando que esfriasse para, em seguida, continuar. Até que não deu mais, e liguei pedindo ajuda a minha cunhada, que trouxe uns dez litros de água para resolver o problema. Mesmo assim, continuei andando e parando para completar a água do radiador, pois havia um vazamento. Foi assim até chegar a uma oficina de bom porte.
Era um sábado, pouco mais das dez e meia da manhã, e porque a oficina fecharia às onze horas, sequer quiseram olhar o carro. De nada adiantou explicar que vivo a oitenta quilômetros de distância; que fui buscar meus filhos para cumprir compromissos no domingo, na Igreja; e que as aulas voltariam na segunda-feira. O carro ficou lá, enguiçado, sendo que nem mesmo o proprietário da oficina quis dar uma olhada. Pior: um funcionário ainda soltou umas piadinhas.
Falei com minha esposa sobre tamanha falta de sensibilidade, e nos perguntamos: “como e quando o mundo ficou assim?”
Nós não vimos: ela estava ocupada demais com trabalho, administração da casa e maternidade, e eu trabalhava e estudava muito, havendo dias em que nem via meus filhos acordados. Mas aconteceu de o mundo dar essa volta de cento e oitenta graus e andar para trás, num retrocesso civilizacional monumental – irônica, mas propositalmente –, promovido pelos que se dizem “progressistas”.
O que sentimos é que acabou a consideração, a comiseração; e restaram o descaso e os interesses. Só se ajuda quem possui moeda de troca; e a possibilidade de dar algo em troca deve ser atual. Também não importa o que se fez pelo outro no passado: quem não possui algo a dar na atualidade é carta fora do baralho, da vida e do ciclo de amizades. Aos poucos, fomos perdendo todo o legado moral da cristandade, um dos pilares da (nossa) Civilização Ocidental.
Segundo Christopher Dawson, o Ocidente experimentou idas e vindas no curso de sua formação; e num dado momento da Idade Média, a sociedade já cristianizada, após tantos sofrimentos e ataques, retrocedeu e foi tomada por um caráter belicista, por uma rudeza tamanha a ponto de o comportamento de cristãos e bárbaros possuir diferenças mínimas. Mas, de forma fortuita, isso facilitou a conversão dos últimos, no decurso do longo caminho de interpenetração cultural e religiosa. Séculos depois, o amadurecimento do convívio civilizado resultou na criação das comunas, onde as pessoas decidiram, mediante juramento, conviver de forma pacífica, solidária, e em torno das mesmas lideranças (Criação do Ocidente: a Religião e a Civilização Ocidental. SP: É Realizações, 2016, págs. 122, 204-205).
Como essa postura virtuosa, sem interesses velados, surgiu após muitas adversidades e aglutinações, o que nos resta é torcer pela alternância entre a barbárie e a restauração da sociedade, para que seja um movimento cíclico e, então, surja um remédio que neutralize esse comportamento crescente de negação aos valores da nossa própria cultura.
Enquanto não acontece, não podemos descurar. E é por isso que, a cada dia sigo mais convicto o que disse São Tomás de Aquino, como sempre reforça Olavo de Carvalho: “Ubi vera amicitia est, ibi idem velle, et idem nolle, tanto dulcius, quanto sincerius (Onde está a verdadeira amizade, aí está o mesmo querer e o mesmo não querer, tanto mais agradável, quanto mais sincero). Quer dizer, devemos ter ao nosso lado os que dividem os mesmos objetivos e gostos, ao tempo em que repelem as mesmas coisas, pois é muito provável que quem esteja fora desses parâmetros, na melhor das hipóteses, seja indiferente; já que, na pior delas, assim que puder, se não nos virar as costas, ele irá nos prejudicar.


Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, metido a escritor, ensaísta, cronista, contista e, de certa forma, um saudosista que agora inventou de escrever poesia.



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