Dr. João Miguel, um homem de posses, deu muito duro para
construir seu patrimônio. Era encegueirado por dinheiro e, para aumentar ainda
mais a fortuna amealhada, resolveu empreender esforços extras que, digamos, não eram muito
recomendáveis, ao menos na forma em que procedeu. É necessário observar que, no curso de sua carreira laureada na
Medicina, de tanto que aprontou fazendo esforços extras, teve que se ver com o
fisco e até com a polícia. Por conta disso, viu-se obrigado a desembolsar boas
somas de dinheiro, o que perturbou deveras sua paz de espírito.
Para seu desespero, então, não lhe restava alternativa
senão constituir um profissional da categoria que costumava castigar com os
piores adjetivos. Nas rodas de amigos, chamava os advogados de aves de rapina;
de depenadores de primeira grandeza que, ao serem procurados por alguém necessitando
de seus serviços, armavam o bote para tirar-lhe os últimos cobres — ou mesmo o
couro —, mediante artifícios, malandragens e quejandos.
Cabem, aqui, parêntesis. É comum ouvir falas com tom
de reprovação e de desprezo em desfavor da advocacia, categoria que, devemos
admitir, abriga verdadeiros pavões, ególatras e desonestos. Mas não há motivo
para generalizações, com desprezo à consideração sobre o indivíduo. Veja que esse
tom quase nunca é destinado aos profissionais de outras áreas, certamente por se
acreditar que elas atraem o gosto de virgens vestais, ou conferem a quem as pratica
uma aura de santidade. Por outro lado — não podemos desprezar —, há quem possua
uma imagem superestimada de si próprio, enquanto não passa de um arrogante,
insensível e desonesto, nada devendo ao tão criticado advogado; e sendo até, por
vezes, sua verdadeira alma gêmea.
Voltando ao Dr. João Miguel, ele jamais confessou aos
amigos que, apesar da implicância com os causídicos, sempre buscou a ajuda de um
para livrá-lo das implicações com o Judiciário por seu envolvimento em situações,
digamos, questionáveis. E procurava os da pior espécie, pois acreditava que quem
não possui escrúpulos está mais apto a lidar com as instituições públicas voltadas
à persecução penal e fiscal. Com efeito, não foram poucas as vezes que
frequentou os escritórios do submundo do crime, como costumava dizer, para se livrar
de uma picona enorme prestes a ser enterrada em seu rabo.
No início, chegou a acreditar que o jurisconsulto
retiraria a naba de dentro dele a troco de vinténs, pois profissão de prestígio
era a dele. Com o tempo, porém, percebeu não haver nada mais afastado da
realidade. A cobrança era conformada à situação apresentada, e daí vinha o seu
queixume.
Analisando a “teoria do pilantra da história”, a
triste realidade é a de que muito profissional é considerado desonesto exatamente
em razão do tipo de cliente que o procura. Os verdadeiros honestos, devo
concordar, são esquecidos ou dispensados para dar lugar àqueles que sabidamente
possuem contatos e entrâncias facilitadas, participam de maracutaias, subornam
servidores públicos e são “chegados” dos magistrados.
Enfim, em inúmeros casos, a mesma régua serve para
medir o ofensor e o ofendido.
Fernando César
Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, gosta de escrever e, de certa forma,
é um saudosista.
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