quarta-feira, 14 de julho de 2021

O médico e o monstro advogado

  

Dr. João Miguel, um homem de posses, deu muito duro para construir seu patrimônio. Era encegueirado por dinheiro e, para aumentar ainda mais a fortuna amealhada, resolveu empreender esforços extras que, digamos, não eram muito recomendáveis, ao menos na forma em que procedeu. É necessário observar que, no curso de sua carreira laureada na Medicina, de tanto que aprontou fazendo esforços extras, teve que se ver com o fisco e até com a polícia. Por conta disso, viu-se obrigado a desembolsar boas somas de dinheiro, o que perturbou deveras sua paz de espírito.

Para seu desespero, então, não lhe restava alternativa senão constituir um profissional da categoria que costumava castigar com os piores adjetivos. Nas rodas de amigos, chamava os advogados de aves de rapina; de depenadores de primeira grandeza que, ao serem procurados por alguém necessitando de seus serviços, armavam o bote para tirar-lhe os últimos cobres — ou mesmo o couro —, mediante artifícios, malandragens e quejandos.

Cabem, aqui, parêntesis. É comum ouvir falas com tom de reprovação e de desprezo em desfavor da advocacia, categoria que, devemos admitir, abriga verdadeiros pavões, ególatras e desonestos. Mas não há motivo para generalizações, com desprezo à consideração sobre o indivíduo. Veja que esse tom quase nunca é destinado aos profissionais de outras áreas, certamente por se acreditar que elas atraem o gosto de virgens vestais, ou conferem a quem as pratica uma aura de santidade. Por outro lado — não podemos desprezar —, há quem possua uma imagem superestimada de si próprio, enquanto não passa de um arrogante, insensível e desonesto, nada devendo ao tão criticado advogado; e sendo até, por vezes, sua verdadeira alma gêmea.

Voltando ao Dr. João Miguel, ele jamais confessou aos amigos que, apesar da implicância com os causídicos, sempre buscou a ajuda de um para livrá-lo das implicações com o Judiciário por seu envolvimento em situações, digamos, questionáveis. E procurava os da pior espécie, pois acreditava que quem não possui escrúpulos está mais apto a lidar com as instituições públicas voltadas à persecução penal e fiscal. Com efeito, não foram poucas as vezes que frequentou os escritórios do submundo do crime, como costumava dizer, para se livrar de uma picona enorme prestes a ser enterrada em seu rabo.

No início, chegou a acreditar que o jurisconsulto retiraria a naba de dentro dele a troco de vinténs, pois profissão de prestígio era a dele. Com o tempo, porém, percebeu não haver nada mais afastado da realidade. A cobrança era conformada à situação apresentada, e daí vinha o seu queixume.

Analisando a “teoria do pilantra da história”, a triste realidade é a de que muito profissional é considerado desonesto exatamente em razão do tipo de cliente que o procura. Os verdadeiros honestos, devo concordar, são esquecidos ou dispensados para dar lugar àqueles que sabidamente possuem contatos e entrâncias facilitadas, participam de maracutaias, subornam servidores públicos e são “chegados” dos magistrados.

Enfim, em inúmeros casos, a mesma régua serve para medir o ofensor e o ofendido.

 

 

Fernando César Borges Peixoto

Advogado, niteroiense, gosta de escrever e, de certa forma, é um saudosista.

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