sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Colação de grau moderna



Chegara o baile de formatura de uma das faculdades em que me formei ao longo dessa porca vida. Dois amigos do “Desopila o fígado”, grupo do futebol da segunda-feira, que foram convidados por colegas formandos, ligaram-me antes de eu chegar ao clube onde festejaríamos, avisando que duas de minhas ex estavam por lá. Avisaram porque conheciam o gênio de minha esposa.
Minha esposa, aliás, apesar da antecedência com que soubera o dia e a hora do evento, não chegava nunca do circuito cabeleireiro-maquiador-manicure, para o qual se dirigira há mais de seis horas, junto a minhas filhas e sogra.
Cansado de esperar e de ser ignorado em ligações e mensagens enviadas pelas redes sociais disponíveis, e sabendo o risco de iniciar uma guerra, resolvi enfrentar e aguardá-las na festa, que havia começado há meia hora quando tomei a decisão de chamar um Uber – com o caminho a ser vencido, quem sabe daria tempo de tomar uma cerveja e de tirar uma selfie em frente a um banner idiota qualquer.
Convite entregue à conferente do cerimonial, abraços distribuídos aos Atrasildos que, como eu, chegavam àquela hora na celebração, entrei e a primeira impressão era a de uma festa estranha, com gente esquisita. Uma música horrorosa, luzes em profusão, um painel com imagens confusas passando a mil por hora, fumaça com cheirinho... Eu já era meio coroa perto daquela garotada, mas não seria um estraga-prazeres a reclamar.
Meio deslocado, finquei a bandeira num lugar afastado. Os camaradas do futebol, e os mais chegados do curso, estavam com suas famílias, e eu não me achava no direito de vampirizar os convites alheios, certamente extras que custaram uma pequena fortuna a quem os adquiriu e distribuiu.
O serviço de garçom era uma porcaria, mesmo para quem estava num lugar melhor posicionado, o que me levou, em determinado momento, a buscar o bar do clube. Comprei seis long necks que carreguei para o salão, mas elas sequer chegaram incólumes ao meu cantinho, pois alguns colegas de curso gentilmente me livraram do fardo de carregar aquele peso por mais tempo.
Fiquei conversando com alguns professores da faculdade  que foram convidados, e consegui interceptar umas garrafinhas de cerveja e vodca que eram imprudentemente distribuídas entre os celebrantes, já que se tratava de uma festa em que pessoas desconhecidas bebiam, e poderiam transformá-las em armas, em meio a uma confusão formada.
Foram poucas, e acabei voltando ao tal bar do clube, que já estava fechando. Peguei mais seis long necks e dessa vez enfiei-as numa sacola para disfarçar. Qual o quê! O tilintar das garrafas entregaram a carga preciosa quando o DJ deixou um vácuo de som no momento em que eu passava pelos mesmos colegas. Dessa vez, ao menos, consegui salvar duas, três com a que estava bebendo.
Voltei ao meu posto e logo vislumbrei Mariana, uma ex-namorada cuja presença não havia sido narrada por meus informantes. Era a terceira ex na festa; e Mariana, saudosa, e para minha tristeza, resolveu sentar praça ao meu lado. Bonita, cheirosa como sempre, a preferida entre todas antes de me apaixonar e casar com a megerinha que me havia tirado dela.
Essa circunstância, somada ao fato de eu ter ido sozinho à festa, seria suficiente para arranjar um problemão. Especialmente pela iminência da chegada de minha esposa. Dormir no sofá seria pinto.
Entornei as cervejas que restavam e perguntei se ela queria ir comigo ao bar da festa, para descolarmos umas bebidas. Ela foi, e no meio do caminho me apontou a sobrinha de minha esposa, que havia chegado mais cedo, e tinha pedido a Mariana para chamar minha atenção em sua direção. Por mímica, perguntei à mocinha se ela queria uma cerveja, pois estava indo ao bar para suprir o péssimo serviço. Ela pediu uma “pelo amor de Deus!” (O calor estava insuportável àquela altura.)
Ao me aventurar no balcão como um jovem bêbado com a cara cheia suplicando por mais mé, fui bem atendido pelo barman, a quem pedi três garrafinhas. Enquanto o rapaz voltava com elas, alguém que deveria ser o chefe, disse que eu não levaria as três garrafas: “Dê uma, que está muito bom!”
O rapaz entregou uma, guardou as outras duas no freezer atrás do balcão e saiu, muito sem graça, em direção ao banheiro. Como o local era de fácil acesso, imediatamente olhei o gerentão e, já me adiantando por trás do balcão, falei: “Uma garrafa é o caralho, bundão!”
Ele, lá do seu canto, carregando algo que parecia pesado, gritava histericamente o nome do barman: “Diego! Diego!”
Diego fingiu não ouvir, e eu ainda dei satisfação: “São para quatro pessoas; eu estou disposto a dividir uma com a minha esposa. Você quer o quê? O serviço está uma merda!”
Enquanto levava as garrafinhas, vigiado de longe por Mariana, o gerente partiu para cima de mim, com ares de quem ia me agredir, ao mesmo tempo em que chamava um segurança da festa.
Quando deu o bote nas garrafas da mão esquerda, chapuletei o fundo da que estava na mão direita no meio dos cornos, marcando aquela testa comprida com um decalque, como um sinal da besta; e ele foi a nocaute.
O negão de dois metros já estava ao meu lado, e me segurou enquanto eu me debatia mais que peixe fisgado e recolhido por pescador amador. Vieram mais dois seguranças e fui inteiramente neutralizado, enquanto o trouxa jazia lá no chão, balbuciando palavras desconexas e chamando pela mãe.
O pessoal da festa, meio sem acreditar, testemunhou que eu era um dos formandos e um homem absolutamente pacífico. Os seguranças perceberam que eu não estava embriagado e resolveram me soltar, mas o imbecil da testa tatuada havia se recuperado e não perdoou. Aproveitou que uns policiais militares estavam naquelas dependências, atendendo a um chamado sobre atos de vandalismo praticados por visitantes na área social do clube, e os chamou, informando a agressão GRATUITA (isso mesmo que o filho da puta falou) que havia sofrido por ter dito, amistosamente, que eu deveria aguardar o serviço dos garçons.
Ao externar a revolta dos justos, os policiais entenderam que eu estava alterado. Além disso, havia a prova da marca da besta gravada na testa da vítima (teatral)... Fui levado à delegacia.
Enquanto os policiais me conduziam pela entrada do clube, entre vaias para eles e aplausos para mim, minha esposa chegava, bem a tempo de me ver sair algemado da festa de formatura.
Foi o suficiente para me livrar dos problemas e das explicações pelo fato de ter ido sozinho à festa, sem esperar a trupe; e da presença involuntária de três ex na festa. Uma coincidência macabra. (Não cheguei a ver as outras duas. Ainda bem!)
Fui imediatamente perdoado, diante do relato de pessoas chegadas que, à sua moda, contaram o absurdo que haviam feito comigo; e após o B.O., ganhei um longo beijo na boca, que expressava nitidamente um “tamo junto”.
Grande dia!


Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, gosta de escrever e, de certa forma, é um saudosista.

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