quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Uma pequena história de miséria intelectual e oportunismo




Naquele dia, o tempo amanheceu nublado, as chuvas pareciam um choro pelos últimos acontecimentos. Era como se a natureza traduzisse as emoções que tomavam conta da maioria da população.
O enésimo ditador da história, antigo líder stalinista, era reconduzido ao poder e, de imediato, imergia o país nos piores momentos de sua existência.
Voltou garantido pelas armas, nos braços de antigos aliados, saudosos dos favores do Estado, mas também com apoio da grande mídia, da Academia, de intelectuais (apenas os orgânicos haviam sobrado), de oportunistas recém-egressos na política e de antigos “adversários de mentirinha”, que sempre fingiram um antagonismo para desviar a atenção e impedir que uma verdadeira oposição se organizasse.
Embora defenestrada do poder por ter desarrumado o país, a esquerda mostrava força, provando que ainda era capaz de manipular a opinião pública e divulgar as ideias revolucionárias.
Uma aliança foi formada para conter os avanços e apear do poder o governo conservador eleito democraticamente, que trabalhou em benefício da população e mudou o paradigma político das últimas décadas, ao acabar com a corrupção, o desvio de dinheiro e o compadrio; e promover a meritocracia.
Enquanto isso, os traidores minavam a base de sustentação do governo, apesar da grande popularidade que o governante gozava no país “profundo”, que havia se organizado organicamente para conter a pouca-vergonha que dominava a política do país. E, infelizmente, conseguiram concluir a tarefa depois de quase 20 meses de ataques diuturnos a quem, num breve espaço de tempo, deu alento e esperança àquela população sofrida, e colocou o país rumo ao desenvolvimento, deixando pra trás as décadas em que amargou o atraso e os piores lugares nos indicadores socioeconômicos medidos por organismos internacionais.
Desde a campanha, era nítida a necessidade de um movimento conservador robusto, uma militância organizada que sustentasse o governo, e se opusesse à militância carnívora adversária (essa, paga). Foi a sua falta que permitiu que o líder conservador acabasse cercado de figuras de caráter duvidoso, com intenções totalmente desconhecidas, e que em pouco tempo se mostraram as piores possíveis.
Muitos buscavam poder e dinheiro, e aproveitaram a insatisfação geral com a política da época para, em peles de cordeiros, esconderem os corpos de lobos. Então, fingiram-se aliados do líder das pesquisas.
Entre os oportunistas estavam os (falsos) liberais, ávidos por ocupar o vácuo deixado pela velha política, mas personificando a própria incoerência: pregavam um Estado mínimo enquanto  promoviam a ocupação de cargos com o núcleo duro do seu grupo e também com amigos e amigos dos amigos. Para piorar, chegaram ao ponto de propor a criação de leis restritivas de liberdade, como uma que regulava opiniões em redes sociais.
Isso deveria ser divulgado desde seu surgimento no cenário político, pois já iniciaram sequestrando as manifestações de rua espontâneas, que pediam a destituição dos antigos governantes - diziam que foram "eles" que organizaram, "eles" que fizeram e aconteceram... e como se fruto de uma trama, quase de imediato assumiram um protagonismo inexistente, viabilizado pela imprensa parceira do antigo governo, que os alçou ao posto de oposição permitida.
A falta de uma organização dos conservadores não permitiu a difusão de análises mais profundas sobre os liberais quererem substituir os donos do poder (establishment), e não desinchar o Estado para o reconstruir, como haviam prometido em campanha.
Poucas vozes denunciavam a mentalidade revolucionária dos liberais, que os torna aliados de primeira hora de comunistas e socialistas. E foi por isso que, mal iniciado o governo conservador, seguiram sua sina, abandonando a base e deixando claro que só o apoiaram por falta de um candidato próprio, carismático, que pudesse guindá-los ao poder, e fosse capaz de enfrentar os profissionais da administração comunista anterior. Assim, com a autoestima atingindo os píncaros, acharam-se aptos a entrarem no jogo político, e então traíram o governo, que sucumbiu num impeachment de cartas marcadas, quase um “julgamento de Moscou”. Não lhes importava serem usados, nem servirem de ferramenta para aplainar o terreno da volta do regime autoritário que antes diziam combater. E desse modo contribuíram com a funesta retomada do poder pela esquerda.
Estavam convictos de que, se se esforçassem para arruinar os programas conservadores, ocupariam espaços no novo governo, e por isso propagaram narrativas de enfrentamento e ajudaram a sabotar as pautas da segurança, da economia e dos costumes; quando não votavam contra, retalhavam os projetos enviados pelo governo, ou criavam outros que contrariavam as promessas de campanha do governante. Não perceberam os valores em jogo, os mesmos que levaram as pessoas comuns a participarem do “levante conservador” que destituiu a esquerda do poder.
Ao mesmo tempo, convocavam comícios para desestabilizar o governo; e com discursos fortes, perseguiam os servidores públicos que caíram nas graças do povo ao ajudarem a mudar o estado de coisas e ao agirem como peças fundamentais no despertar do desejo de mudanças, enfrentando criminosos aliados do ditador, e ele próprio, partícipes de uma quadrilha que, enquanto dividia o povo (para melhor conquistá-lo), dividia também o butim.
Por essa razão, os membros da direita permitida foram corretamente pechados de Nova Esquerda.
Bancaram a aposta traindo o próprio eleitorado, que embarcou na campanha liberal convencido pelo discurso do individualismo, do empreendedorismo e do Estado mínimo.
Não se importaram com o fato de que o governo comunista promoveria achaques generalizados, através de um ordenamento jurídico estapafúrdio; nem com a evidente fuga de capitais, que atingiria em cheio a economia que mal se recuperava.
Demonstraram que, além dos comunistas e dos socialistas, os liberais também não se preocupavam com o país, mas com o poder – e o dinheiro e as regalias que ele proporciona.
* * *
Seguindo a cartilha, logo que empossado, o ditador agiu com rapidez e rigor; radicalizou e, com isso, evitou que a oposição se reorganizasse e oferecesse resistência ou, quiçá, tentasse voltar ao poder.
De um lado, tomava medidas para aprofundar a submissão da população – miséria moral, espiritual, social e material; e de outro, perseguia, prendia, torturava e matava os membros do governo deposto e seus simpatizantes. Aliás, a perseguição estatal aos apoiadores do líder destituído foi implacável – alguns empresários e a difusa militância, formada por meia dúzia de abnegados acusados de formarem uma “milícia” –, e já ocorria em pleno governo conservador, através dos burocratas das instituições públicas infestadas de radicais revolucionários, que rejeitavam a nova filosofia implantada no país.
E quando muitos acreditavam que o país andaria, porque os inimigos do governo haviam fugido, ou sido silenciados, ou estavam presos ou mortos, uma surpresa: os expurgos continuaram, e alcançaram os próprios liberais, antes anestesiados pela crença cega de que a economia funcionando pacifica a sociedade. Eles acreditavam que aproveitariam seu “know how” na geração de empregos e na produção de riquezas, porque entendiam serem necessárias para viabilizar os investimentos na área social, tão cara aos comunistas, que aproveitariam para promover as (falsas) propagandas de serviços públicos de qualidade oferecidos à população e da erradicação da pobreza.
Eles não haviam compreendido a brutalidade dos regimes ditatoriais, que propositalmente produzem a fome, a miséria e o desemprego, e mantêm a população sob o jugo para se eternizarem no poder, impondo o silêncio, o medo, gerando a incapacidade de revolta (até em pensamento), o pavor da acusação de traição ao Estado, a eterna desconfiança entre amigos e familiares...
Por fim, os expurgos alcançaram a população, que perecia diante da escassez provocada (dizia o governo) pelo capitalista inimigo opressor, e engrossada pela política de “bocas a menos a alimentar, gente de menos a controlar”. Então, além de fuzilamentos de supostos traidores do partido ou da nação, eram disseminadas práticas como o aborto e a eutanásia, para diminuir o número de pessoas improdutivas, como crianças, idosos e doentes, um estorvo para o governo.
Estabelecido o controle total, pôs-se em prática o plano comum em todo país dominado por uma estrutura ditatorial, onde o “Establishment”, a “Nomemklatura” e os “amigos do rei” vivem de forma diferenciada, num lugar em que a propaganda, inimiga da realidade, afirma: “todos são iguais”.


Fernando César Borges Peixoto
Advogado, niteroiense, gosta de escrever e, de certa forma, é um saudosista.


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