Insíncero,
Dramático e Peidor, descendentes de personagens que, em algum lugar, em algum
momento, passaram por maus bocados com um certo Lobo, viviam agora juntos, cada
qual com sua própria família, num prédio moderno, urbano, muito bem construído,
com sapatas e tudo.
Infelizmente
(para eles!), tinham que conviver com outras famílias, de outros bichos, com
quem nem sempre mantinham boa relação, pois gostavam de fazer articulações e
subjugar a vizinhança a seus caprichos.
Quando
uma família de cães mudou para um dos apartamentos – Sr. e Sra. Poodle, e seu
filhotinho, o Poodinho –, como de praxe, o trio, hábil em fingir amizades para
angariar simpatia e votos nas assembleias, foi dar boas vindas aos
recém-chegados. Um levou ração, outro fez orações, e o terceiro presenteou o
filhote com um osso de borracha.
Enquanto se
congraçavam tomando cerveja, comendo tira-gostos veganos e acendendo incensos; os
Porkim, sem deixar a bola cair, aproveitaram o clima para queimar o filme do
Bode Velho da Cobertura e da Maritaca do 1º andar.
Os cães
até tentaram manter um relacionamento amigável com os renegados, mas, com o
tempo, perceberam que suas personalidades se adequavam mais às dos Porkim. Para
ajudar, o azedume do velho Bode e a cantoria incômoda da Maritaca acabaram
afastando de vez o casal de fifis, falsos que dói e donos de uma frescura que
só a natureza da raça explica.
Os outros
moradores do edifício AB Farm eram: o Sr. Pinscher, do 3º andar, um vida lôka
metido a fashion, que não fedia nem cheirava, assim como o Seu Robalo, que
vivia com a mãe, no 301; os jovens do 2º andar, Cervo, do 201 e Barrão, do 203,
seguiam todas as recomendações dos Porkim, igual à Dona Foca, do 101, e a Srta.
Marreca, do 204, duas solteironas amargas, uma velha e outra nova, que não
suportavam o Bode, sua esposa – a Cabra –, e seus Cabritinhos. Havia, ainda,
duas repúblicas de estudantes: no 102 moravam Galinhas e Pombos, e o 303 era
dividido entre Gatos e Pavões. Os estudantes não se relacionavam com os demais
condôminos.
Como é
comum nas grandes cidades, formavam uma maioria de solitários, isolados das
famílias e dos amigos, que conviviam intimamente com samambaias e pets. E os encontros
esporádicos com esses amigáveis vizinhos, para deitarem falação sobre a vida
alheia, dava-lhes a falsa sensação de ainda viverem em sociedade.
O
desgaste da relação o Sr. Bode aumentou quando os Porkim marcaram uma
assembleia para destituir a síndica, Dona Garça, que havia sido eleita pela providência divina, retirando deles o império de décadas. Além disso, ela não permitia que
filhotes jogassem bola na garagem, nem que os conspiradores guardassem suas
motocicletas num canto onde atrapalhariam a saída de outros condôminos, que
eles consideravam “menos importantes”.
O Bode,
indignado e avesso a maracutaias, mostrou o absurdo pretendido, mas eles
contavam com o reforço da retórica do Sr. Poodle e os votos das marionetes. Foi
voto vencido, com Dona Garça e Srta. Maritaca.
A partir
desse dia, os Porkim e o Sr. Poodle desciam todas as noites para encontrarem
meios de dificultar a convivência do desafeto, e levá-lo a se mudar de lá.
Por conversarem
no escuro, ficaram conhecidos pelos moradores dos prédios vizinhos como Turma
do Pacto das Catacumbas, mini-vingança do Bode, que criou o apelido como forma
de protesto, em alusão aos comunistas do Clero Católico que, pretendendo
implodir a Igreja tal como concebida através dos séculos, se reuniram em
segredo, no curso de dois Sínodos realizados no Vaticano. Com eles pareciam por serem seres rastejantes que viviam nas sombras até alcançarem o poder.
Inventaram
inúmeras reformas, jogaram o valor da taxa condominial lá em cima, e alguns
realmente tiveram que sair, principalmente, o Velho Bode, cujos negócios iam
mal e era o provedor da maior família do condomínio. Ele vendeu a unidade
quando foi aprovada uma grande obra, que fez aumentar a taxa em 200%, e lá se
foi, recomeçar a vida num bairro da periferia.
Bateu os
sapatos ao sair, para sequer levar a poeira daquele lugar, e nem soube que contrataram
a Lupus Malus Construções para reformar o prédio, cujo dono era descendente de
você-sabe-quem.
Tempos depois,
ouviu-se no noticiário que uma tragédia se abatera no Edifício AB Farm.
No lugar
de reforçarem as estruturas e repaginar o edifício, como contratado, o empreiteiro
e sua equipe literalmente puseram o prédio abaixo. Fecharam as saídas, derrubaram as portas das unidades e, em seguida, chacinaram os moradores, passando
um a um no garfo, para depois baterem em retirada.
Pesaroso,
o Bode chamou sua família para juntos rezaram por aquelas almas, e aproveitou a
história para ensinar uma lição aos filhos.
Diferentemente
do que ocorreu com os antepassados do trio de porquinhos, a moradia com
estrutura sólida não adiantou dessa vez. Ninguém soprou, o prédio ruiu por
dentro (que ironia!). Não havia ali ninguém sensato. Os líderes, vaidosos,
orgulhosos e politiqueiros, não reuniam capacidade intelectual suficiente para
perceberem que levavam todos à morte.
O Sr.
Lupus Malus não foi punido, como era de se esperar, porque as leis locais eram
progressistas, frouxas.
Na época,
falava-se muito em desencarceramento, e a ação criminal foi distribuída ao Juiz
competente, o mais graduado do Tribunal Aquático, o Sr. Bagre, um pulha odiado
por todos porque não punia os das classes mais abastadas, mas brindava com sua
severidade os menos assistidos.
Pouco
tempo passou, e a sociedade nem lembrava mais disso.
Fernando César Borges Peixoto
Advogado,
niteroiense, gosta de escrever e, de certa forma, é um saudosista.
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